A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



Pesquisar Acervo do Blog

11 de maio de 2009

Nem tudo é relativo...


O tema é polêmico. A visão a seguir diverge do pensamento reinante no Ministério Público brasileiro. Por isso, é oportuna uma leitura atenta do texto, porque, assim como o autor, muitos divergem do "senso comum" institucional, mas não se sentem encorajados a se manifestar.


***

O HOMOSSEXUALISMO E O RELATIVISMO MORAL

Um dos traços marcantes do pensamento pós-modernista é o relativismo. O relativismo nega a existência de qualquer regra ou teoria que sustente verdades absolutas, inequívocas ou transcendentais. Os relativistas defendem que nada é objetivamente certo ou errado, bom ou mau. Para os relativistas, a ética e a moral são determinadas por fatores mutáveis, diferentes e contraditórios. O conceito de bem e mal depende do ponto de vista de cada cultura; oscila, pois, no tempo e no espaço: não passa de um ponto de vista histórico. Não há critério absoluto de moralidade ou de ética, logo todos os discursos, as normas ou os padrões éticos ou morais são puramente arbitrários e, sendo assim, inconsistentes.

Malgrado busquem demonstrar, os relativistas, que sua filosofia deitas raízes nos pré-socráticos (em Protágoras de Abdera, para Edmund Husserl), o relativismo ganhou a conformação patogênica na Teoria da Relatividade de Albert Eistein. A negação do espaço e do tempo como conceitos absolutos ensejou a difunsão da crença de que tudo seria relativo, de que não haveria critérios de verdade universal.

Insistem os relativistas em cometer dois erros. O primeiro: desconsiderar a “invariância”. A Teoria da Relatividade de Eistein afirma que as leis da natureza são sempre as mesmas independentemente do ponto de vista do observador. Um passageiro sentado dentro de um trem em velocidade constante não sente o movimento do veículo. Se esse passageiro jogar uma bola de tênis para cima verticalmente, ela subirá e descerá descrevendo uma linha reta. Mas para um pedestre que estivesse observando da calçada, a trajetória da bola de tênis descreveria uma parábola, uma curva. O passageiro e o pedestre estão vendo trajetórias muito diferentes, mas as leis que regem os dois movimentos são as mesmas. A diferença é que, para o pedestre, a velocidade da bola está combinada com o movimento horizontal do trem. Conclui-se, portanto, que “se houver um observador que seja capaz de reconhecer as leis da natureza formuladas por Galileu e por Newton em seu sistema de referência, então qualquer outro observador que esteja em movimento em relação a ele vai ver os fenômenos de uma forma diferente, mas vai encontrar as mesmas leis. Ou seja, as leis da natureza são invariantes mesmo quando nós variamos o nosso referencial” (Mauro Almeida, “Pluralismo e relativismo nas sociedades humanas: o impacto das ideias de Einstein”, sítio www.revistapesquisa,fapesp.br). Ocorre, em verdade, o oposto do que os relativistas afirmam: “o princípio da relatividade, que já era conhecido por Galileu, diz que as leis da mecânica são igualmente verdadeiras para todos os observadores em movimento não acelerado” (idem).

Vê-se que, ao contrário do que pensam os relativistas, a relatividade de Eistein atesta a existência de regras invariáveis, constantes, imutáveis; absolutas e universais, portanto. Ao transporem o princípio da relatividade para as ciências sociais, os relativistas não levaram em consideração justamente a “invariância”. Assim como para a física, a sociedade também é regida por regras universais, invariáveis, isto é, por verdades imutáveis, absolutas.

Cá está o segundo erro: pecam os relativistas por rejeitar o que há de mais sagrado na cultura humana: sua tradição. Edificamos um valioso cabedal de experiências ao longo da história de nossa milenar sociedade ocidental. A tradição é a essência dessa história. É a essência de uma história que não se resume no relato da vida de nossos antepassados; mas antes revela as relações de causa e efeito de toda a dinâmica de nossos sucessos e de nossos fracassos através dos tempos. A tradição é o conjunto das crenças e das percepções da sociedade, repleta de valores e de virtudes consagrados pelo tempo. A tradição é nossa “herança cultural”, e com ela deveremos nortear as decisões da sociedade no presente, porque ela representa para nós a eterna medida das escolhas.

No entrechoque do relativo com o absoluto, o tema da homossexualidade merece especial relevo. A mudança de sexo, o casamento e a adoção são temas debatidos sob acirrada controvérsia. Na defesa de tais questões, os relativistas enveredam-se por uma espécie de niilismo, de recusa a qualquer valor universal. Defendem a mudança de sexo crentes de que a ablação da genitália e a construção de um simulacro de órgão genital feminino teria o condão de amainar todos os traumas da sexualidade transviada. Agem como adeptos de uma espécie de seita andrógina, devotada a um culto fálico às avessas, em que o não-pênis é colocado no centro do drama litúrgico.

A par da cirurgia para mudança física de sexo, pretendem também a sua mudança jurídica, isto é, a alteração da designação do sexo no registro de nascimento. Com efeito, o fato de uma pessoa não se conformar com sua natureza mesma não a transforma em outra coisa. Se o indivíduo não se considera “homem”, tal sentimento não o trasmuda em “mulher”. Na lapidar expressão do Desembargador Almeida Melo, citando Napoleão Bonaparte, “eu tenho um amo implacável: a natureza das coisas” (TJMG, proc. nº 1.0672.04.150614-4/001(1), sito www.tjmg.gov.br). Leciona o ilustre Desembargador que “não é preciso haver leis escritas para definir o que brota da natureza. A síntese de Napoleão pode ser transferida para este caso assim: a lei não precisa definir os fenômenos da natureza, como o gênero biológico dos seres. Não é preciso definir em lei o estado físico dos elementos (sólido, líquido ou gasoso) nem a maternidade”. Não pode a lei chamar o vento de chuva nem a morte de vida. Logo, lançar no registro indicação de sexo diferente, além de afrontar a natureza das coisas, é fazer afirmação fraudulenta.

No magistério do Desembargador Almeida Melo, “a identidade sexual deve ser reconhecida pelo homem e pela mulher, por dizer respeito à afetividade, à capacidade de amar e de procriar, à aptidão de criar vínculos de comunhão com os outros”. As diferenças físicas, morais e espirituais “estão orientadas para a organização do casamento e da família; a diferença sexual é básica na criação e na educação da prole”. A harmonia social depende da maneira como os sexos convivem e se complementam. “O Direito é a organização da família e da sociedade. Não pode fazê-lo para contrariar a natureza. Ainda que a aparência plástica ou estética seja mudada, pela mão e pela vontade humana, não é possível mudar a natureza dos seres”. Para a Ciência Jurídica é sumamente relevante a função social do sexo.

Nas lúcidas considerações do Desembargador Dárcio Lopardi Mendes: “Malgrado o indivíduo transexual, após a realização da cirurgia de transgenitalização, pareça fisicamente com o sexo oposto (sexo anatômico), e sinta-se como tal (sexo psicológico), tenho que o sexo biológico permanece inalterado. O transexual masculino, por exemplo, apesar de, após cirurgia e tratamento hormonal, passar a ostentar mamas salientes e uma espécie de vagina, não possui útero nem ovários. Seus órgãos internos são de um homem. Situação inalterável, perene. Não há, nem jamais haverá, possibilidade de transformar um indivíduo nascido homem em uma mulher, ou vice-versa. Por mais que esse indivíduo se pareça com o sexo oposto e sinta-se como tal, sua constituição física interna permanecerá sempre inalterada”. (TJMG, proc. nº 1.0024.07.595060-0/001(1), sítio www.tjmg.gov.br).

Ademais, urge não perder de vista o fato de que a alteração do sexo no registro de nascimento permitirá a ocorrência de um outro fato extremamente grave: o casamento guei. Uma vez alterado o assento de nascimento, a afirmação falsa viabilizará a realização de ato jurídico ilícito. Nisto, a retificação do registro de nascimento revela uma impostura, um embuste. Não passa, pois, de um estratagema malicioso, que visa a legitimar a inserção no ordenamento jurídico, por vias oblíquas, do matrimônio guei.

Não se trata agora de um problema pessoal e particular do guei. O casamento entre homossexuais é gravíssimo e ruinoso para a sociedade. Nas palavras do Cônego Henrique Soares da Costa, em consonância com a pregação do Santo Padre, o Papa Bento XVI: “O problema é que a questão em pauta diz respeito a toda a sociedade, pois que envolve o conceito de família; e de modo muito prático. Por mais que se queira negar, a família é decisiva para a constituição e para a personalidade de uma sociedade. Destrua-se uma e a outra perecerá. Na história, em todas as civilizações a sociedade como um todo sempre tutelou e normatizou a instituição familiar. Na família, os valores são transmitidos, a vida é gerada e tutelada, a própria identidade de uma comunidade humana é forjada e passada, geração após geração. Admitir um casamento ‘gay’ legalmente reconhecido, seria esvaziar e diluir totalmente o que seja família; ela seria somente, como defendem alguns desastrados, uma união afetiva de pessoas! Aceitar tranquilamente uma união civil entre homossexuais e, posteriormente, o direito à adoção de crianças, seria o mesmo que redefinir totalmente o que seja família para nós. Nosso conceito tradicional, plasmado pela nossa cultura e que, por sua vez, plasmou também muito da nossa sociedade, desapareceria totalmente. Nossas crianças e as gerações futuras teriam uma consciência totalmente deturpada do que seria uma família! A família não mais teria nada de sagrado, de perene, de estável, de específico, sendo reduzida a uma associação qualquer. Não se pode brincar com uma coisa tão séria! Infelizmente, tudo quanto essa nossa sociedade hedonista toca, transforma em lixo! É óbvio, portanto, que essa questão não diz respeito somente aos próprios homossexuais, mas a toda a sociedade; não é uma questão privada, como muitos querem enganosamente fazer pensar... A família já anda tão desacreditada, tão bombardeada, tão desmoralizada... [....]Não se pode, então, impor uma inovação tão grave e deturpadora do conceito de família a toda uma sociedade por vontade de uma minoria”.

E arremata o preclaro religioso: “Certamente, um casal homossexual que deseje viver maritalmente tem esse direito, desde que não imponha a toda uma sociedade a sua escolha. [....] O que não se deve aceitar de modo algum é que isso exija que se crie um casamento legal e, ainda mais, com a possibilidade de adoção de crianças! [....] Uma sociedade decente tem o dever de tutelar a família e as crianças. A questão é que nossa sociedade já há muito deixou de ser decente... Nossa sociedade é doente; doente do orgulho cego de uma humanidade que pensa que é a norma de si própria, o critério do bem e do mal!” (“A União Civil dos Homossexuais -2”, sítio www.padrehenrique.com).

Nivaldo Cordeiro, com a perspicácia que lhe é peculiar, fornece-nos o arremate derradeiro do tema: “Tem sido, o cristianismo, o veículo pelo qual a atualidade histórica tem sido transmitida nos dois últimos milênios e não podemos deixar de creditar à Igreja Católica o mérito de reconhecer na filosofia clássica seu outro Testamento, conforme a análise lúcida do então jovem teólogo Joseph Ratzinger, no seu Introdução ao Cristianismo, de 1967. Essa consciência história é o impregnar-se com as virtudes da tradição, a temperança, o senso de justiça, a tolerância. Virtudes assim podem ser praticadas sem que haja a aquisição de cultura livresca, bastando que não seja quebrado o fio da tradição. Por isso que Ortega insistia que um dos direitos mais importantes da pessoa humana era o da ‘continuidade’, precisamente o de se ter um passado e de se viver o presente, construindo o futuro, sem perder de vista o legado precioso das gerações anteriores” (“As Massas e o Estado em Ortega y Gasset, sítio eletrônico www.nivaldocordeiro.net).

É inadmissível romper com todos os valores e virtudes que a tradição nos legou. É inconcebível, em nome de um equivocado relativismo moral, romper com a herança cultural que a história ocidental nos transmitiu. Temos direito à continuidade, à tradição; temos direito a valores universais e transcendentais.

Por Márcio Luís Chila Freyesleben, Procurador de Justiça (MPMG).

Um comentário:

Cartas de Política disse...

Um interessante artigo que o articulista nos expõe e como todo artigo, está embasado não só na opinião pessoal, como também apoiado em visões históricas, antigas e contemporâneas. E é aí que as coisas se complicam.

A estrutura familiar está mudando assim como mudou ao longo de centenas de anos, como por exemplo dos tempos em que a esposa era uma mera
propriedade do marido, a rigor apenas um eletrodoméstico vivo, para nos dias de hoje até desempenhar as funções de provedora do lar, com um salário melhor ou até mesmo a antigamente tão apedrejada mãe solteira, que hoje mantém um lar e até mesmo, algumas delas com sucesso, uma empresa criada por seu próprio esforço e que dá empregos a muitos chefes de família. O ser
humano é dinâmico, ele muda e assim isso se reflete na chamada família, que
também passa por mudanças. Se serão benéficas só o tempo dirá. E disso não há como escapar. A sociedade muda, o ser humano muda e junto mudam as famílias.

Tal é o caso do casamento gay, que independente das condenações de alguns, é como se diz na linguagem jurídica nas varas de família, "uma união de fato" ou seja, mais cedo ou mais tarde vai aparecer uma lei para regularizar isso. O que pode acontecer com o tempo é que os países onde isso ocorrer venham a sentir que não deu certo, que não valeu a pena e os próprios adeptos de tal união mudarão o modo de pensar, mas a família tradicional, vai continuar
incólume como sempre, existindo sem problemas. Épocas mais conturbadas da história já mostraram isso.

Mas usando as citações de pensadores católicos ou padres, aí as coisas ficam um tanto relativas no artigo. Sim, porque em termos enxergar as coisas de forma relativa, a igreja católica nos deixa para trás.

São colocadas longas citações de um padre no artigo. E o que é que um padre entende família se nunca teve uma? Agregados de uma instituição que milenarmente sempre ordenou que seus sacerdotes não tivessem família, o que podem ela e eles opinar sobre isso, senão frases bem escritas, sem nada de prático? Outras religiões sempre ordenaram a seus sacerdotes que constituíssem família. Islâmicos, judeus e evangélicos podem com mais conhecimento de causa defender o conceito de família e núcleo familiar porque vivem essa experiência de serem chefes de família ao mesmo tempo em que exercem seus ministérios. As opiniões de padres católicos sobre família e casamento podem ser no máximo edificantes, mais do que isso não são.
Assemelham-se no modo de opinar ao torcedor que nunca jogou bola, mas se coloca na posição de dizer ao centro-avante o que ele deve fazer. É uma forma relativa de ver as coisas da arquibancada.

Por outro lado, tocando na questão da existência da família tão elevada no artigo, prevendo tragédias e ruínas, fica a igreja católica que abriga esses pensadores, numa situação desconfortável. Prevendo um grande desastre
nacional, a igreja condenou o divórcio quando ele foi implantado. Segue a vida normalmente, com os casais se separando e os filhos se adaptando à nova situação e os conjuges mais felizes, ou separados ou em novo casamento,
podendo se livrar de uma situação antes insuportável. Para os padres sempre foi fácil falar que o casamento era indissolúvel porque eles não estavam no meio da briga. As outras religiões adotaram o divórcio há centenas de anos e a vida seguiu normalmente para todos. Novamente, uma forma relativa de ver as coisas.

E falando em família, não deveriam as arquidioceses se preocupar ao máximo com as mesmas? Nem tanto assim. Saiu por esses dias a notícia de que a igreja católica adquiriu no Rio de Janeiro, por 2 milhões de reais, um luxuoso
apartamento que será usado como residência por um ex-arcebispo. O quanto não teria sido bom se apenas uma parte desse dinheiro tivesse sido usado para comprar um modesto apartamento para o ex-arcebispo e o resto tivesse sido empregado num programa da igreja de financiamento de casas populares para famílias carentes de moradia? Esse luxo, isso sim é hedonismo. Então vemos
que privilegiar a principesca moradia de um ex-arcebispo e esquecer as famílias de baixa renda é uma forma relativa de ver as coisas.

Quanto à moral, defendida com exaltação, a situação da igreja nos tempos modernos é então desoladora. Uma simples pesquisa na Internet mostra que a igreja católica norte-americana já pagou mais de 600 milhões de dólares em
indenizações a crianças vítimas de atos de pedofilia por parte de seus padres, hoje enfiados em prisões. Casos de homossexualismo entre padres então, já são até rotina em noticiários. E os valores familiares, como ficam? De novo, vemos uma forma relativa de pregar uma coisa e fazer outra.

Dessa forma, até para ficar em acordo com as palavras do padre, de que se o ativismo gay não tem o direito de impor seu modo de pensar sobre moral a toda uma sociedade, pois lhe faltam condições para isso, deveria ele pensar
também, que com os tristes exemplos que a sua igreja nos tem dado, ela tem menos direito ainda de impôr seu pensamento a toda uma sociedade, ainda por cima enfeitado de palavra divina.

Assim vemos que na verdade, bem no princípio das coisas, o relativismo chegou antes de Einstein e da igreja.

Postar um comentário

Atuação

Atuação

Você sabia?

Você sabia?

Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)