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LXXVIII – a proteção da vítima criminal é assegurada pelo Estado, devendo o Poder Judiciário garantir tratamento igualitário à vítima e ao acusado em processo criminal;
Exposição de Motivos
No contexto atual a vítima criminal é abandonada em vários sentidos. O Estado não lhe proporciona a assistência necessária após o cometimento de um delito, a sociedade civil, em alguns casos, vê a vítima criminal como uma pessoa fracassada e a estigmatiza, a segurança terceirizada se aproveita das falhas do Estado para vender seus serviços para a população etc.
Um fato que chama a atenção nas sociedades modernas é o desamparo a que se vêem as vítimas abandonadas pela máquina estatal, e mesmo pela sociedade civil, quando da ocorrência de fatos delituosos. Ao contrário do aspecto racional, que seria o fim do sofrimento ou a amenização da situação em face da ação do sistema repressivo estatal, a vítima sofre danos psíquicos, físicos, sociais e econômicos adicionais, em conseqüência da reação formal e informal derivada do acontecimento. Não são poucos os especialistas em Criminologia a afirmarem que essa reação acarreta mais danos efetivos à vítima do que o prejuízo derivado do crime praticado anteriormente.
No conceito moderno de cidadania o cidadão não é apenas o possuidor de direitos, mas também o cumpridor dos deveres cívicos. Por isso a verdadeira cidadania requer simultaneidade no gozo dos direitos e no cumprimento dos deveres, uns e outros inerentes a participação na vida da sociedade política. [1] A vítima está inserida nesse contexto.
Uma sociedade que não protege e não presta assistência efetiva às vítimas de seus crimes não obtém níveis de cidadania dignos para o momento histórico em que a humanidade se encontra.
Nesse sentido, a proteção aos direito da vítima é também lembrada por Alessandro Baratta: “O cuidado que se deve ter hoje em dia em relação ao sistema de justiça criminal do Estado de Direito é ser coerente com seus princípios ‘garantistas’: princípio da limitação da intervenção penal, de igualdade, de respeito ao direito das vítimas[2], dos imputados e dos condenados” (destaquei). [3]
Não podemos aceitar que a vítima criminal continue a ser massacrada, muitas vezes, pela omissão das autoridades públicas. Verifica-se, que na maioria das vezes a vítima é uma desamparada. Infelizmente, as condições de atendimento das delegacias de polícia e nos fóruns para as vítimas acarretam um segundo sofrimento para aquele que sofreu a ação criminosa. [4] Juízes libertam réus perigosíssimos alegando que a Constituição Federal e as leis assim o permitem. Chegam, em vários casos a afirmar, que se mude a Constituição federal e as leis, mas até lá, estamos de mãos amarradas.
A presente iniciativa tem por finalidade resgatar a desprezada vítima em nosso país, elevando a categoria de direito fundamental constitucional a proteção da vítima criminal no Brasil. O réu é lembrado por diversas vezes no artigo 5º da Constituição Federal, vítima de crime não foi protegida no capítulo dos direitos fundamentais. Daí, que o STF em nada leve em conta a situação das vítimas criminais em seus julgados.
Não se deseja em momento algum retirar a série de direitos e garantias previstos para o acusado de um crime no texto da Constituição, mas sim, elevar também a vítima criminal ao mesmo patamar de valor do tratamento que é conferido pela Constituição Federal aos acusados de crimes.
Busca-se o ponto de equilíbrio no tratamento penal dado ao acusado, á vítima criminal e a sociedade civil. A Constituição Federal criou uma série de direitos que estão impedindo a vítima de alcançar uma posição de equilíbrio jurídico no processo criminal, ficando totalmente deixada de lado em face de direitos que só são assegurados aos acusados de crimes.
A instituição de um novo inciso no artigo 5o da Constituição Federal destacando que a proteção da vítima criminal passa a ser assegurada pelo Estado como direito fundamental é uma decisão de Política Criminal avançadíssima.
Os direitos individuais representam um conjunto de limitações do Estado em face das pessoas que com ele se relacionam. Pode-se dizer que é um conjunto de direitos que si reservam os titulares do poder no momento em que criam o Estado. Assim, ao redigirem a Constituição, estabelecem limites ao ente que estão criando. Estes limites recebem diversas designações: direitos fundamentais, direitos individuais, liberdades púbicas, liberdades fundamentais, direitos públicos subjetivos etc. Direitos inatos ou naturais são os que decorrem da própria natureza humana, também chamados de direitos humanos ou direitos fundamentais do Estado. [5]
Note-se que quando o legislador constitucional em seu artigo 225 adotou o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica houve uma reação por grande número de penalistas, alegando que o Direito Penal brasileiro não tinha estrutura para aplicar tal instituto, haja vista que o mesmo é totalmente fundado na proteção do réu (pessoa humana) e não havia como aplicar institutos como a culpabilidade na responsabilização de pessoas jurídicas.
Tal postura nos parece inadequada, pois uma decisão constitucional deve ser acatada pela ordem jurídico-penal (até porque o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica existe em outros países), já que é uma decisão de Política Criminal partida do ordenamento constitucional, que é o ápice do sistema jurídico brasileiro.
O advento de tal inciso não terá o condão de alterar a realidade que a vítima criminal passa em nosso país de um dia para o outro. Mas possibilitará a mudança de paradigmas em várias decisões do Poder Judiciário brasileiro que deixam a vítima em total estado de abandono, por falta da existência de um direito correspondente na Constituição Federal.
Lamentavelmente, o que se percebe hoje é que, em muitos casos, as vítimas ficam em total defasagem de seus direitos em face dos seus agressores. Nem a Polícia, nem o Ministério Público e o Poder Judiciário nada podem fazer, haja vista que o acusado possui todas as garantias constitucionais em detrimento da vítima. Não se defende a substituição do Direito Penal brasileiro por um “Direito Penal da Vítima”, mas procura-se o ponto de equilíbrio que o justo tratamento penal deveria observar.
Outros perigos ainda aguardam a vítima na sua caminhada incessante para um tratamento jurídico constitucional mais justo. Fica patente na atualidade a falta de instrumentos jurídicos que permitam uma melhor proteção da vítima criminal. Na forma como os direitos dos réus estão previstos no artigo 5o da Constituição Federal, onde só existem os direitos fundamentais dos acusados (a vítima criminal é citada uma única vez na CF em seu artigo 245), muitos dos novos dispositivos poderão ser julgados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, pois não existe um tratamento de equilíbrio constitucional jurídico entre o réu e a vítima.
O acréscimo de um inciso elevando a proteção da vítima criminal ao patamar de direito constitucional fundamental será uma medida de elevada importância no plano da Política Criminal e da proteção dos direitos humanos no Brasil, podendo servir de paradigma para outros países, que nesse momento buscam dentro de suas realidades enfrentarem o aumento da criminalidade que vem assolando diversas nações dando um tratamento justo para as vítimas criminais.
São essas as nossas considerações iniciais sobre a proposta aqui relatada.
Gov. Valadares (MG), 10 de maio de 2009.
Lélio Braga Calhau[6]
[1] SOUSA, José Pedro et allis. Dicionário de Política. T. A Queiroz, São Paulo, 1998, p. 93.
[2] Grifos nossos.
[3] BARATTA, Alessandro. Funções Instrumentais e Simbólicas do Direito Penal. Lineamentos de uma Teoria do Bem Jurídico, Revista Brasileira de Ciências Criminais, volume 5, São Paulo, IBCCrim, p.23.
[4] A polícia não seguiu, como instituição, o crescimento social. E o que é mais grave: nessa busca de tentar estancar a violência, cujas são profundas e complexas, o poder policial rompeu com freios da discricionariedade e do respeito aos direitos fundamentais e, no seu agir arbitrário, está vitimizando as mais diversas pessoas. Sua organização está funcionalmente superada, sem que se veja o menor movimento para fazer surgir, de fato, um novo modelo para suas estruturas e uma nova consciência, com novos valores, para o exercício do poder de polícia. LEÃO, Nilzardo Carneiro. Violência, Vítima e Polícia. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 11, Brasília, Ministério da Justiça, janeiro-junho de 1998, p. 92.
[5] DOUGLAS, William; MOTTA, Sylvio. Direito Constitucional. 6a ed, Rio de Janeiro, Impetus, 2000, p. 32.
[6] Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha).Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Segundo diretor-secretário do ICP – Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais. Autor do livro Resumo de Criminologia, 4ª edição, Impetus, RJ, 2009. Membro da American Society of Criminology
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