A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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8 de janeiro de 2009

Barbárie real, pena fictícia


Mais um assassino do jornalista Tim Lopes foi solto para passar o réveillon reorganizando sua quadrilha e voltar com toda carga a matar, traficar, roubar, sequestrar. Um a um, vão ganhando as ruas os que esquartejaram o aplaudido repórter investigativo da TV Globo como os que vitimam gente anônima do povo. Ficam livres pouco após a barbárie sem precisar fugir nem corromper autoridades. Para que brechas no muro se as há em demasia na legislação e na cabeça de quem decide?

Os monstros que mataram Tim Lopes retornaram a seus covis beneficiados por interpretações da Lei dos Crimes Hediondos, a 8.072, de 1990. Ao longo dos anos, diversos operadores do direito combateram tanto o diploma legal que chegava a parecer que o problema dos delitos graves não era quem os cometia, mas a 8.072. Acabando com a Lei dos Crimes Hediondos, acabariam com os crimes hediondos. Acabaram apenas com a lei. Como até briga de lulu de madame vai parar no Supremo Tribunal Federal, claro que mais essa foi às barras da Corte Maior. Ali, seu artigo 2º foi declarado inconstitucional, por dizer que autor de crime hediondo tinha de cumprir na cadeia a pena para a qual foi condenado.

Não é fácil capturar os que cometem crimes como o esquartejamento de pessoas. Detidos, é difícil mantê-los presos. Mantidos, é raridade levá-los a julgamentos. Julgados, é pouco frequente condená-los. Condenados, geralmente recorrem da sentença. Quando apelam, nem sempre a decisão é validada. Aí, após investigar, descobrir, capturar, manter preso, levar ao tribunal, julgar, condenar e conservar a sentença, não se consegue justiça porque o bandido alcança as ruas pelas portas largas da formação pseudolibertária de alguns operadores do direito.


Em tese, os assassinos de Tim Lopes terão ainda de cumprir duas partes da pena, nos regimes semi e aberto. Na prática, já estão livres. Seus comparsas mal puseram os pés na calçada e nunca mais prestaram contas. Não se trata de descrer do ser humano ou outras conversas fiadas de ressocialização. Nada nem ninguém consegue recuperar esse tipo de bandido. Em diversos países, inclusive nos que o Brasil imita para tudo, essa espécie de marginal só entra na cadeia uma vez. Nunca mais sai, ainda que sem pena de morte. Por aqui, mesmo com péssimos antecedentes e respondendo por outros crimes, ganha atestados de bom-mocismo no sistema prisional. É trágico assistir diretor de penitenciária avaliando se alguém está apto a viver em sociedade, principalmente em episódios do gênero.

Para se chegar a esse nível de impunidade, os criminosos hediondos contam com o apoio do governo federal e sua bancada no Congresso. Logo após o STF declarar a inconstitucionalidade, era necessário mudar o que achava errado, para não fulminar a eficiência da Lei 8.072. O máximo que se conseguiu, com a Lei 11.464, de 2007, foi conceder a progressão de regime após dois quintos do tempo, no caso de bandido primário, e três quintos, para os reincidentes. Ou seja, pouco mais que nada. Com agravante: como a lei nova não pode prejudicar quem cometeu crime anteriormente, autores de barbáries continuaram no bem-bom da interpretação judiciária. Tim Lopes foi morto em 2002.

A pena tem de deixar de ser fictícia. Diz-se para a sociedade que o bandido foi condenado a seis anos. Falta informar que não vai ficar atrás das grades um dia sequer. O crime compensa, entre outros motivos, porque ninguém vai preso em consonância com a gravidade do que cometeu. Se a pena prevista é de até dois anos, faz-se um TCO, não tem nem processo. Até quatro, já começa a ser cumprida em regime aberto, não vai nem na porta da cela. De oito em diante, há a possibilidade de ficar preso. Mas também é de mentirinha: condenado a nove anos, por exemplo, fica só quinze meses preso. Sou relator de outra modificação no mesmo parágrafo da Lei dos Crimes Hediondos, em projeto da senadora Kátia Abreu (DEM-TO). Melhora a progressão, aumentando o tempo para dois terços (primários) e quatro quintos (reincidentes). Se valesse para eles, os assassinos de Tim Lopes comemorariam na cadeia mais uma dúzia de réveillons. Meu relatório é favorável, mas a aprovação do projeto depende do governo, que certamente vai fuzilá-lo.

Por Demóstenes Torres, Procurador de Justiça (MP-GO) e Senador (DEM-GO).


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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)