A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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26 de dezembro de 2008

Roberto Civita: Sobre esquimós e larápios


Dizem que os esquimós têm 32 diferentes palavras para descrever a neve, elemento onipresente em sua vida.

Não sei quantas temos, no Brasil, para falar de desonestidade, mas – para início de conversa – além de ladrão e corrupto, me ocorrem meliante, gandaia, bandalheira, larápio, picareta, maracutaia, batedor de carteira, gatuno, trambicagem, safadeza, bandido e malandro.

Curiosidades etimológicas à parte, isso certamente confirma que a questão vem de longe, e que não por acaso permeia a vida e a língua que hoje une mais de 180 milhões de brasileiros.

É evidente que a desonestidade não é um fenômeno nativo nem recente. Existe desde que os homens desenvolveram o conceito da honestidade e seu oposto e se encontra em todas as culturas e línguas desde o início da civilização – inclusive nas leis e religiões que há tantos milênios visam a reprimi-la e puni-la.

É aí que fico fascinado com o que me parece ser uma das principais e mais urgentes questões da nossa vida pública: a impunidade. Pois, se é verdade que na vida real somos todos permanentemente tentados a cometer uma ou outra desonestidade, é também verdade que a grande maioria consegue resistir às tentações correspondentes por uma mistura de ensinamentos, princípios éticos ou religiosos e – certamente – receio de alguma punição.

Como múltiplas reportagens de VEJA e tantos outros veículos vêm mostrando ao longo do tempo, o que diferencia o Brasil dos países mais avançados e desenvolvidos do planeta não é o número de casos em que nossos governantes desviam recursos públicos ou se aproveitam de seu cargo para obter vantagens ilícitas. Isso, infelizmente, parece ser uma constante planetária. O que varia muito de um país para outro é o que acontece aos transgressores quando descobertos. É o que lhes acontece em seguida.

A progressiva – e muito bem-vinda – institucionalização do país vem resultando em crescente número de investigações e denúncias nessa frente por parte da Polícia Federal, do Ministério Público e da grande imprensa. Mas o que vem acontecendo em seguida? As ações entre amigos no âmbito legislativo, o corporativismo, o nosso tortuoso sistema jurídico e os intermináveis recursos de muitos competentes e bem remunerados advogados vêm se juntando para frustrar praticamente todas as tentativas de punir os governantes que – em todos os níveis da vida pública nacional – abusam da sua autoridade, traindo a confiança dos seus eleitores, desviando recursos públicos e se locupletando impunemente.

Sei que é virtualmente impossível esperar que todos os nossos prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores e outros dirigentes políticos sejam íntegros e dedicados apenas à boa gestão da coisa pública e ao bem comum. E é exatamente por isso que urge acelerar as mudanças indispensáveis para garantir que todos os que violarem a lei sejam não apenas julgados e condenados, mas – quando assim for determinado – que também passem a cumprir sua pena na prisão. Pois um bom sinônimo de desonesto é indigno. E servidor do povo indigno não pode e não deve escapar incólume.

Somente quando virmos cada vez mais corruptos atrás das grades é que poderemos finalmente festejar o fim da impunidade que tantos males tem trazido ao país.

Um comentário:

Anônimo disse...

É verdade o que diz o jornalista em seu artigo sobre corrupção. Porém, como outras instituições que no Brasil dividem o poder, parece que nossa imprensa está comprometida demais para fazer tais observações. Chefes de redação e jornalistas podem fazer isso até em conversas reservadas, mas em editoriais? Sem chance.

Parece estranho dizer isso, mas quem não se lembra da movimentação, das pressões da grande imprensa para a aprovação da emenda constitucional nr. 36 de 2002, alterando o artigo 222 que proibia a participação de estrangeiros em empresas de comunicações no Brasil?

E qual foi o motivo disso? Algum grande projeto político, alguma inspiração autenticamente nacionalista ou coisa assim, legítima aspiração aberta e conhecida de todos, plenamente anunciada por algum editorial que a defendesse publicamente? Nada disso. Dívidas imensas e projetos fracassados, depois da desastrosa investida das empresas brasileiras de comunicações na tentativa de participar do filão da privatização das operadoras de telefonia, onde se revelaram em suas empreitadas pobres amadoras, completamente esmagadas pelos mesmos estrangeiros que ajudaram a entrar aqui e se apossarem do patrimônio nacional.

As mesmas empresas que durante o governo FHC venderam ao brasileiro a idéia de que sim, estrangeiros deveriam poder comprar sistemas de energia, sistemas de telefonia, bancos, rodovias e tudo mais a preço de liquidação foram com seus editoriais carregados de falsidades, uma grande e marcante ajuda para esses mesmos corruptos que agora elas vem denunciar como se fossem virgens impolutas, quando na verdade, sem que os leitores soubessem, os bonitos editoriais a favor da entrega do Brasil a grupos econômicos estrangeiros eram como a maquilagem das prostitutas que vagam por becos escuros.

Bonito falar dos corruptos, mas foi mais bonito ainda dar-lhes a ajuda imprescindível para que pudessem editar as leis e medidas que deram aos estrangeiros o Brasil a preço de ocasião. Porque as empresas de televisão e grandes revistas não falam das rodovias hoje controladas por estrangeiros a preços abusivos, onde o brasileiro é obrigado a pagar para andar em seu próprio território? Porque não falam que boa parte so sistema financeiro nacional foi desnacionalizado e agora é dependente de estrangeiros? Porque não falam de como as operadoras estrangeiras de telefonia e energia levam bilhões de reais para suas matrizes todo ano?

Será que é porque empresas como a Telefonica, Portugal Telecom, Itália Telecom e outras mantém participação acionária em grandes empresas de jornais e televisão?

Fica bonito sim falar de corruptos, de forma generalizada, de alguns poucos coitados pegos em investidas policiais simplesmente porque não tem mais utilidade ou são descartáveis, mas falar mesmo do círculo do poder econômico que controla as verbas publicitárias dessas empresas e o poder acionário com decisões que deixam implícito o que deve ou não ser escrito, aí nesse caso parece que a caneta dos jornalistas fica subitamente sem tinta.

Na verdade, no dia em que o Brasil passar por uma grande e impactante mudança política, muitos desses jornalistas que hoje bradam contra a corrupção, de chefes de redação a alguns jornalistas hoje descartados, estarão eles também, junto com seus ora amigos e ora inimigos políticos, a caminho da cadeia.

Pelo que fizeram no passado, pois o que fazem hoje só saberemos nesse dia.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)