A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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24 de outubro de 2008

STF: conceito de maus antecedentes



PLENÁRIO

Maus Antecedentes e Processos em Curso

A Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus nos quais se discute se inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado podem ser considerados como elementos caracterizadores de maus antecedentes. A impetração aduz que tal reconhecimento violaria o princípio constitucional da não culpabilidade e que a pena aplicada aos pacientes fora exasperada com base nessas circunstâncias judiciais reputadas desfavoráveis. Requer, em conseqüência, a fixação da pena-base no mínimo legal. HC 94620/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. (HC-94620) HC 94680/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. (HC-94680)


NOTAS DA REDAÇÃO

Silvio Aparecido da Silva Cabral, por si próprio, impetrou habeas corpus contra a turma do Superior Tribunal de Justiça que julgou o HC 52.558/SP.

O paciente sustenta que foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, à pena de trinta anos de reclusão, com fundamento no art. 157, §3º, do Código Penal e, posteriormente, em razão da interposição de apelação, a pena foi reduzida para vinte e seis anos de reclusão.
Apesar disso, Silvio Aparecido, inconformado com a dosimetria da pena no Tribunal Estadual, impetrou habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, vindo a ser denegado:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. LATROCÍNIO. APELAÇÃO CRIMINAL. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ADVOGADO DEVIDAMENTE INTIMADO PELA IMPRENSA OFICIAL. PENA-BASE. ELEVAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, COM AMPARO EM CONDENAÇÕES COM TRÂNSITO EM JULGADO. POSSIBILIDADE.

1. Inexiste a alegada nulidade, decorrente da ausência de intimação do defensor constituído do ora Paciente para a sessão de julgamento da apelação criminal interposta, porquanto restou devidamente intimado por meio da imprensa oficial.

2. Não se vislumbra ilegalidade na elevação da pena-base acima do mínimo legal, com amparo nos maus antecedentes do Paciente, tendo em vista a existência de várias condenações em seu desfavor, com trânsito em julgado. Precedentes desta Corte.

3. Ordem denegada.

Conforme se depreende do acórdão, a pena foi agravada em razão das condenações anteriores, contudo, afirma o impetrante que "se inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração na fixação da pena-base, como o entendimento daquela Corte, incorreto está o aumento excessivo da pena-base do paciente, que já na sentença de 1º grau foi reconhecido como tecnicamente primário. Da mesma forma, não cabe agora, data vênia, justificar o acréscimo com base na certidão de execução criminal, mesmo porque os fatos ocorreram há 19 anos e à época do julgamento, as condenações, hoje com trânsito em julgado, não poderiam ter servido como causa de aumento. Logo, o aumento é indevido, e o v. acórdão, nesse ponto, sempre com o devido respeito, mostrou-se contraditório, merecendo os reparos que se pede e comporta".

Em sede de liminar, o Ministro Ricardo Lewandowski, assim se manifestou:

"Este Superior Tribunal de Justiça tem aplicado, reiteradamente, o entendimento de que na fixação da pena-base e do regime prisional, inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração como maus antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade.

Tal entendimento, porém, não se aplica ao caso dos autos, uma vez que, a teor do que consta da Certidão de Antecedentes Criminais de fls. 42, bem como da certidão de Execução Criminal (que faço juntar aos autos), realmente observa-se a existência de algumas condenações com trânsito em julgado, hábeis, portanto, a justificar a elevação da pena-base acima do mínimo legal."

Nesse sentido, o magistrado teria fixado a pena com uma das circunstâncias previstas no artigo 59, caput, do Código Penal, qual seja os maus antecedentes:

Fixação da pena

Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (negritos nossos)

Todavia, o impetrante afirma que, à época da fixação da pena, os processos criminais ainda estavam em trâmite e não haviam transitado em julgado, razão pela qual afirma que não tinha maus antecedentes.

Por fim, o relator entendeu que "a exigência do trânsito em julgado ao tempo dos fatos é condição de outra figura penal, a reincidência (art. 63 CP), a qual não foi aventada sequer em primeira instância".

Desse modo, vamos aguardar o desfecho do processo...

2 comentários:

Anônimo disse...

STF discute absurdamente se inquérito policial em andamento constitui antecedente criminal
27/10/2008-10:45
Autor: Luiz Flávio Gomes;



"A Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus nos quais se discute se inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado podem ser considerados como elementos caracterizadores de maus antecedentes. (1) A impetração aduz que tal reconhecimento violaria o princípio constitucional da não culpabilidade (2) e que a pena aplicada aos pacientes fora exasperada com base nessas circunstâncias judiciais reputadas desfavoráveis. Requer, em conseqüência, a fixação da pena-base no mínimo legal. HC 94.620-MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. HC 94.680-SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008."

Comentários:

(1) Surpreendentemente em 14.10.2008 a Primeira Turma do STF (sendo relator o Min. Ricardo Lewandowsky) decidiu afetar ao Pleno a seguinte questão: ação penal ou inquérito policial em andamento constitui antecedente criminal?

Em pleno século XXI, é estarrecedor ver nossa Corte Suprema discutindo se a ação penal ou o inquérito policial em andamento constitui (ou não) antecedente criminal.

(2) Com a devida vênia, não nos parece acertado falar em princípio da não-culpabilidade. O correto é mesmo falar em princípio da presunção de inocência (tal como descrito na CADH) não em princípio da não-culpabilidade (esta última locução tem origem no fascismo italiano, que não se conformava com a idéia de que o acusado fosse, em princípio, inocente).

Trata-se de princípio consagrado não só no art. 8.2. da CADH senão também (em parte) no art. 5.º, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado. Tem previsão normativa desde 1789, posto que já constava da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Faz parte também da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Do princípio da presunção de inocência ("todo acusado é presumido inocente até que se comprove sua culpabilidade") emanam duas regras: (a) regra de tratamento e (b) regra probatória.

Regra de tratamento: o acusado não pode ser tratado como condenado antes do trânsito em julgado final da sentença condenatória (CF, art. 5.º, LVII).

O acusado, por força da regra que estamos estudando, tem o direito de receber a devida consideração bem como o direito de ser tratado como não participante do fato imputado. Como "regra de tratamento" [1] a presunção de inocência impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de reconhecimento da culpabilidade do imputado, seja por situações, práticas, palavras, gestos etc., podendo-se exemplificar: a impropriedade de se manter o acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando desnecessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de comunicação, a decretação ou manutenção de prisão cautelar desnecessária, a exigência de se recolher à prisão para apelar em razão da existência de condenação em primeira instância etc. É contrária à presunção de inocência a exibição de uma pessoa aos meios de comunicação vestido com traje infamante (Corte Interamericana, Caso Cantoral Benavides, Sentença de 18.08.00, parágrafo 119).

Com a presunção de inocência são incompatíveis, de outro lado, as prisões automáticas ou prisões "por força de lei" assim como o reconhecimento de maus antecedentes criminais na simples existência de inquérito ou de processo em andamento etc. [2]

"Importa em afronta ao princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 5.º, LVII, da Constituição Federal, a consideração, para recrudescimento da sanção penal, da existência de ação, onde declarada a extinção da punibilidade pela prescrição, sem título condenatório definitivo. Dissídio pretoriano demonstrado" (cf. STJ/SP, REsp 168.320, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 01.02.1999 p. 242, j. em 10.12.1998).

Apesar de muitos avanços, em alguns momentos o STF retrocede à Idade Média (sobretudo quando considera como antecedentes criminais inquérito ou ação penal em andamento).

Em 29.11.2005, excepcionando-se o Ministro Gilmar Mendes, voto vencido, e o Min. Celso de Mello, ausente, a Segunda Turma do STF decidiu: "Princípio da Não-Culpabilidade e Maus Antecedentes: Concluído julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que indeferira igual medida ao fundamento de que o paciente, condenado por porte ilegal de arma (Lei 9.437/97, art. 10, §§ 2º e 4º) à pena de 3 anos de reclusão e 15 dias-multa, em regime semi-aberto, não preenche os requisitos subjetivos exigidos pelo art. 44, III, do CP, na redação dada pela Lei 9.714/98, para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, haja vista a sua folha de antecedentes penais ? v. Informativo 390. Alegava-se, na espécie, constrangimento ilegal consistente na fixação de regime inicial mais gravoso, bem como na negativa de substituição da pena aplicada. A Turma, por maioria, indeferiu o writ por reconhecer que, no caso, inquéritos e ações penais em curso podem ser considerados maus antecedentes, para todos os efeitos legais. Vencido o Min. Gilmar Mendes, relator, que, tendo em conta que a fixação da pena e do regime do ora paciente se lastreara única e exclusivamente na existência de dois inquéritos policiais e uma ação penal, concedia o habeas corpus. HC 84.088/MS, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 29.11.2005".

Se o agente é presumido inocente, até que sentença definitiva o reconheça culpado (CF, art. 5º, inc. LVII), jamais inquérito policial ou ação penal em andamento pode ser considerado para efeito de antecedentes criminais. Foi grave esse equívoco da maioria votante da Segunda Turma do STF (Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Carlos Velloso). Em virtude de decisões desarrazoadas como essa é que, agora, a Primeira Turma do STF deliberou afetar ao Pleno a questão. Que o STF cumpra a Constituição brasileira assim como os tratados de direitos humanos e acabe, de uma vez por todas, com a polêmica (que não tem nenhuma razão para subsistir). É evidente que inquérito policial ou ação penal em andamento não constitui antecedente criminal, por força do princípio da presunção de inocência.




1. V. Antonio Magalhães Gomes Filho. O princípio da presunção de inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Revista do Advogado, AASP, n. 42, abr., 1994, p. 31.

2. V. STJ, Embargos de Declaração no REsp 123.995, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 14.12.1998, p. 312 ("Apenas a título de esclarecimento, essa Corte já firmou entendimento no sentido de que não há como considerar, para fins de antecedentes, inquéritos policiais e/ou ações penais em curso, sob pena de malferir o princípio da presunção de inocência, inscrito no art. 5.º, LVII, da Constituição Federal").

Anônimo disse...

No caso em tela, há duas correntes em curso. Concordo plenamente com o voto da Segunda Turma do STF, pois o que seria da reincidência neste caso?

Para haver o instituto da reincidência, é necessário o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, contudo, porquê haver semelhança com os maus antecedentes, que alguns defendem que tem que haver também o Trânsito em Julgado, por ferir nossa Carta Magna?

A partir do momento que uma ação penal em curso ou um Inquérito Policial esteja em andamento,já configura maus antecedentes, pois ninguém moveria um IP ou o próprio Judiciário se o agente fosse totalmente inocente...

Para a corrente que defende que maus antecedentes teria que passar pelo crivo do trânsito em Julgado, qual seria para esta corrente, o significado da reincidência?

Ao meu ver, não precisaria haver dois institutos: maus antecedentes e reincidência, um somente descreveria a situação do agente, pois a conduta social já consumaria os maus antecentes.

Isso serve somente para confundir...

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)