A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



Pesquisar Acervo do Blog

5 de setembro de 2008

Perante a CR/88, qual a posição do Ministério Público em face dos Poderes do Estado?


A decantada tripartição de poderes estabelecida por Montesquieu, com independência e igualdade de garantias entre os poderes, visava apenas a um objetivo: assegurar o Estado de Direito, através da existência de um poder sempre capaz de frear os outros. Com isto, Montesquieu preleciona a máxima outrora dita: para que se não possa abusar do poder, urge que o poder detenha o poder. Faz-se necessário que os poderes cedidos ao Estado estejam dispostos de tal forma que mutuamente se travem (checks and balances). É nesta evolução que Montesquieu distingue três poderes dentro do Estado: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, sustentando que estes poderes devem ser independentes uns dos outros e confiados a pessoas diferentes.

O Ministério Público, especialmente a partir de 1988, ampliou o âmbito de sua atuação para muito além dos limites de sua atividade judicante. Aumentando os horizontes dos resultados proporcionados pela figura do inquérito civil, com sua atuação na fiscalização/promoção dos interesses sociais, adicionou à sua vasta gama de tarefas o ainda mais importante papel de instituição conciliatória e mediadora dos conflitos e interesses sociais e transindividuais. Estas tarefas são mais bem concluídas, com a realização de acordos e ajustamentos de condutas, e também com a efetiva implementação de uma justiça socialmente distributiva, através do envolvimento direto do membro do Ministério Público.

É indiscutível que o papel do Ministério Público resta diretamente umbicado às novas diretrizes postas do Direito Social, na proporção em que o fundamento lógico da intervenção do parquet no ordenamento jurídico é o de que ele é defensor precípuo e inexpugnável dos interesses transindividuais ou metaindividuais (difusos, coletivos, ou individuais homogêneos). Age ele como fiscalizador da observância de um equilíbrio material, fático, concreto entre os cidadãos, pressuposto informador das normas jurídicas do Direito Social.

Importa registrar que a CF, ao tratar das chamadas cláusulas pétreas (§ 4º, art. 60), veda quaisquer propostas de emendas que venham a prejudicar ou a tentar abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Por outro lado, compete ao órgão ministerial defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Com efeito, qualquer toda tentativa de Emenda Constitucional que vise eliminar ou reduzir suas funções, ou que vise à supressão de alguma das suas garantias, demonstrar-se-á atentatória aos direitos e garantias individuais instituídos, pois, nesse contexto, encontra-se o MP alçado ao nível de cláusula pétrea da CF.

Passados vinte anos da promulgação da Carta Magna de 1988, a doutrina discute, ainda hoje, onde se situaria a Instituição no quadro definido pela Constituição Federal. Por conseguinte, para alguns, o Ministério Público, atualmente, constitui um verdadeiro Quarto Poder. Para outros, a Instituição constitui órgão dotado de autonomia, participante do sistema de freios e contra pesos fixados pelo constituinte, e, portanto, não integra o quadro de nenhum dos poderes.

Autores como Hugo Nigro Mazzilli e Clèmerson Merlin Cléve apontam que o constituinte poderia ter evitado essas discussões se tivesse colocado o Ministério Público, “lado a lado com o Tribunal de Contas, entre os órgãos de fiscalização e controle das atividades governamentais”, ou como já o fizera a Constituição de 1934, “entre os Órgãos de Cooperação nas Atividades Governamentais”.

Se em nível constitucional não há entendimento quanto ao posicionamento do Ministério Público, na esfera da legislação infraconstitucional a instituição firmou-se gradativamente como defensora dos interesses indisponíveis da sociedade desvinculando-se do Estado-Administração, independentemente da definição do seu perfil nas Constituições Republicanas. Assim, na área criminal, o parquet adotou o papel de titular da ação penal pública e fiscal do cumprimento das leis e da execução das penas. A partir da vigência do CPP de 1941, esse órgão conquistou o poder de requisitar inquéritos policiais e de promover a ação de reparação de dano ex delicto em favor das vítimas pobres. Já na área cível, ele conquistou um grande leque de atuações, seja como órgão agente (autor de ações civis) ou como órgão interveniente (custos legis).

Com efeito, vislumbramos que a Constituição Federal de 88 não o elevou à categoria de Poder, mas dispôs que ele, no exercício de suas funções, é órgão obrigatoriamente independente. Por conseqüência, deve ter, como os três poderes, funções independentes, sem a interferência de qualquer um deles e sem posicioná-lo em nenhum dos poderes públicos.

Nessa perspectiva, importa registrar que o Ministério Público representa a sociedade político-juridicamente organizada no Estado, mas não a pessoa jurídica desse ou de seus governantes. Defende os interesses sociais da comunidade a que serve, salvaguardando os bens e os valores essenciais à prevalência da cidadania e do estado de direito. O Ministério Público é o fiscal da lei, sendo sua a missão de preservar a ordem democrática. Nessa diapasão, insta asseverar que o perfil constitucional do Ministério Público constitui-se como órgão do Estado a serviço da sociedade. É órgão de controle, que, atuando em conjunto com os poderes do Estado, depositários da legitimidade social, de forma autônoma e independente, tem como mister a defesa do ordenamento jurídico, da democracia, dos interesses da sociedade e dos direitos transindividuais ou metaindividuais. Encarrega-se, dentre outras atribuições, de fazer com que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, no exercício de suas funções, respeitem os direitos que a lei maior assegurou. E nesse Estado Republicano de Direito, representativo e democrático, cabe ao Parquet a principal tarefa da defesa indormida de sua integridade, e, sobretudo, da sociedade a quem se destinam os seus serviços e cuidados.

Por Janguiê Diniz, Procurador Regional do Trabalho/PE

***

O Procurador Regional da República/SP Pedro Taques também responde. Clique aqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Recentemente, o Ministro Ceza Peluso andou dizendo que o MP faz parte do Executivo.

Alvaro, advogado

Postar um comentário

Atuação

Atuação

Você sabia?

Você sabia?

Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)