
Durante seis anos, Márcia de Oliveira Jacintho (foto) investigou a morte do filho, Hanry, 16, com um tiro no peito, em novembro de 2002. Moradora do morro do Gambá, no Rio, ela colheu depoimentos, localizou testemunhas, enfim, fez trabalho de perita e advogada, e conseguiu provar que ele não morreu em troca de tiros com a polícia, mas sim assassinado. Na terça-feira, o 3º Tribunal do Júri confirmou o resultado da investigação de Márcia e condenou dois PMs a nove anos de prisão.
Esta mulher é uma obstinada, mas é uma vergonha que no Brasil a Justiça só seja feita dessa forma. Ao mesmo tempo em que admiro sua coragem, sinto pena deste país cada ver mais escroque, mais canalha.
Leia abaixo trecho da reportagem de Italo Nogueira, publicada na Folha de hoje (
para assinantes), contando a trajetória de Marcia por Justiça:
SagaA saga de Márcia começou em 21 de novembro de 2002, quando a PM registrou na 25ª Delegacia de Polícia a morte de um jovem pardo como "auto de resistência" em confronto numa operação que envolveu dez homens. Entregou um revólver 38 e um saco de maconha, apresentados como do "traficante".
Era Hanry. "Fiquei desnorteada. Sabia que havia sido a PM, mas não como tinha acontecido." Três semanas depois, ela conversava com outras mães quando foi abordada por um traficante de fuzil no ombro.
"Tia, você é a mãe do menino que morreu lá no alto, né? Um cana [policial] que me pegou [prendeu] disse que tava com ele na mão [rendido], colocou [a arma] no peito [de Hanry] e apertou. O filho da senhora era inocente, não tinha nada a ver [com o tráfico]. A senhora tem que correr atrás", disse ele.
Testemunhas
Ela correu. Procurou quem tivesse visto o filho antes da morte ou detalhes da operação policial e os convenceu a depor.
Um menino que soltava pipa lhe contou os últimos momentos do filho: ele voltava da comunidade vizinha, Boca do Mato, sem camisa, de bermuda.Ao ouvir um morador que havia encontrado no dia seguinte ao crime o chinelo e a chave de Hanry, Márcia identificou o local exato do crime: dentro do mato, a 44 passos da trilha que o estudante fazia. Tirou fotos do local, assim como via em séries policiais na TV.
Apenas com o ensino fundamental, ela fez trabalho de perita e advogada. Abandonou o emprego de vendedora e passou a cobrar investigação das autoridades. Contou com a ajuda da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia -onde hoje trabalha, como assessora do deputado Marcelo Freixo (PSOL)- e da ONG Justiça Global. A casa passou a ser sustentada pelo marido, faxineiro.
Quatro meses após o crime, ela enviou carta à então governadora Rosinha Garotinho. Na semana seguinte, foi chamada a depor na 25ª DP. Sua investigação passou a ser oficial.
No final de 2004, abordou o chefe de Polícia Civil à época, Álvaro Lins, no Palácio Guanabara. O inquérito passou para a Delegacia de Homicídios.
Com as informações que colheu com moradores -e "oficializadas" em depoimentos à polícia-, viabilizou a realização da perícia no local, com a presença dos PMs envolvidos, dois anos e um mês depois.
Com base em depoimentos de moradores, placas e números de veículos anotados, Márcia afirma que 11 PMs participaram da operação. Apenas a dupla que assumiu ter atirado foi denunciada -e condenada.
Ao final da investigação, já havia se formado no ensino médio e cursado o primeiro período de direito -trancado atualmente. "Tinha que me instruir para saber como agir."
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