Também consta no artigo 227 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Desse dispositivo constitucional nasceu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que completou 18 anos em 13 de julho. A maioridade do ECA se alcança com problemas recorrentes, com presença marcante na cena de crianças e adolescentes pobres, negros e pardos:
– Meninos e meninas em situação de rua,
– Internação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em unidades muitas vezes superlotadas e carentes de infra-estrutura mínima, que não oferecem ensino ou profissionalização,
– Falta de transporte adequado para os estudantes da zona rural;
– Acesso e permanência ao ensino fundamental de qualidade;
– Insuficiência de programas e equipamentos de lazer e esportes;
– Falta de assistência médica, odontológica e psicológica, que poderiam ser realizadas na própria escola;
– Ausência de programa de prevenção e tratamento do uso de substâncias psicotrópicas por crianças e adolescentes;
– Ocorrência do trabalho infantil no campo (cafezais, carvoarias, olarias, canaviais), e nas cidades, a maioria com empregos domésticos - uma face ainda oculta dessa violação de direito;
– Adolescentes do sexo feminino presas em celas masculinas;
– Exploração sexual, pedofilia, abuso – principalmente no seio familiar. Crimes esses ainda de difícil punição na sociedade atual.
O que fazer depois dos 18 anos da vigência de uma lei que ainda clama por adoção e que vem sendo afrontada por descaso das autoridades públicas, da sociedade e da própria família?
1- Espera-se do Estado, arrecadador e gestor de tributos, contemplar, prioritariamente, como determina a Constituição, o repasse de recursos e a execução de políticas públicas.
2- O Estado-Juiz terá de instalar varas especializadas da infância e da juventude onde forem demandadas e tornar realidade as estipulações do ECA.
3- A inserção curricular do ECA nos concursos públicos para defensores públicos, juízes, Ministério Público (MP), delegados de polícia e, ainda, nos respectivos cursos preparatórios para a carreira.
4- É preciso estar em pleno funcionamento – nos três níveis de governo – os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e também os Conselhos Tutelares.
5- As entidades de atendimento governamentais e não governamentais devem planejar e executar os programas, de tal forma, que recursos disponibilizados não deixem de ser empregados por falta de planos de ações, como já foi detectado.
6- Os Ministérios Públicos devem priorizar, em face de suas inúmeras atividades, a cobrança das políticas públicas previstas para a proteção integral da criança e do adolescente.
7- A comunidade deve auxiliar na implementação da proteção integral com trabalhos voluntários.
8- Os órgãos públicos e as empresas poderiam incluir em seus quadros, como estagiários, adolescentes que cumprem ou já cumpriram medidas socioeducativas.
9- A mídia, formadora de opinião, pode também ajudar a desconstruir condutas tidas como de costume ou toleradas em face à cultura machista.
10- É importante que exemplos de boas práticas sejam inseridos num banco de dados público para fomentar a sua utilização pelos operadores da lei (governantes, MP, juízes, conselheiros, sociedade, escola e família).
Enfim, chega a maioridade do ECA e, com ela, maior responsabilidade de todos nós no cumprimento das obrigações para com as crianças e os adolescentes do nosso País.
Por Gilda Pereira de Carvalho – subprocuradora-geral da República e procuradora federal dos Direitos do Cidadão, é mestre em direito pela USP e pós-graduada em direito internacional dos conflitos armados pela ESMPU e UnB. – Jornal do Comércio/PE de 25/07/08.
Um comentário:
Belo discurso. E tão útil quanto um porta-aviões boliviano, bonito mas não funciona. Depois dos milhares de assassinatos, estupros e outros crimes que o povo brasileiro presenciou cometidos por parte dos "de menor" ao longo desses 18 anos de estatuto, que sabem que nada vai lhes acontecer, com uma lei dessas, pode-se saber quando o "de menor' vai querer ter responsabilidade social e jurídica nesse país, como um "de maior" qualquer: Nunca! Só vai querer cometer crimes e dizer para a polícia: "Ah, não pode me prender, sou de menor". E que tal perguntar a um estuprador "de menor" o que ele acha da cultura machista? Ou ao matador "de menor" de Porto Alegre, que matou 12 pessoas o que ele entende por boas práticas?
Vellker
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