A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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1 de agosto de 2008

A maioridade do ECA


Em clima de muita fé e esperança de mudanças no nosso País, a Constituição Federal de 1988, há 20 anos, fez constar no seu texto que constituem objetivos fundamentais da República a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor ou idade.

Também consta no artigo 227 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Desse dispositivo constitucional nasceu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que completou 18 anos em 13 de julho. A maioridade do ECA se alcança com problemas recorrentes, com presença marcante na cena de crianças e adolescentes pobres, negros e pardos:

– Meninos e meninas em situação de rua,

– Internação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em unidades muitas vezes superlotadas e carentes de infra-estrutura mínima, que não oferecem ensino ou profissionalização,

– Falta de transporte adequado para os estudantes da zona rural;

– Acesso e permanência ao ensino fundamental de qualidade;

– Insuficiência de programas e equipamentos de lazer e esportes;

– Falta de assistência médica, odontológica e psicológica, que poderiam ser realizadas na própria escola;

– Ausência de programa de prevenção e tratamento do uso de substâncias psicotrópicas por crianças e adolescentes;

– Ocorrência do trabalho infantil no campo (cafezais, carvoarias, olarias, canaviais), e nas cidades, a maioria com empregos domésticos - uma face ainda oculta dessa violação de direito;

– Adolescentes do sexo feminino presas em celas masculinas;

– Exploração sexual, pedofilia, abuso – principalmente no seio familiar. Crimes esses ainda de difícil punição na sociedade atual.

O que fazer depois dos 18 anos da vigência de uma lei que ainda clama por adoção e que vem sendo afrontada por descaso das autoridades públicas, da sociedade e da própria família?

1- Espera-se do Estado, arrecadador e gestor de tributos, contemplar, prioritariamente, como determina a Constituição, o repasse de recursos e a execução de políticas públicas.

2- O Estado-Juiz terá de instalar varas especializadas da infância e da juventude onde forem demandadas e tornar realidade as estipulações do ECA.

3- A inserção curricular do ECA nos concursos públicos para defensores públicos, juízes, Ministério Público (MP), delegados de polícia e, ainda, nos respectivos cursos preparatórios para a carreira.

4- É preciso estar em pleno funcionamento – nos três níveis de governo – os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e também os Conselhos Tutelares.

5- As entidades de atendimento governamentais e não governamentais devem planejar e executar os programas, de tal forma, que recursos disponibilizados não deixem de ser empregados por falta de planos de ações, como já foi detectado.

6- Os Ministérios Públicos devem priorizar, em face de suas inúmeras atividades, a cobrança das políticas públicas previstas para a proteção integral da criança e do adolescente.

7- A comunidade deve auxiliar na implementação da proteção integral com trabalhos voluntários.

8- Os órgãos públicos e as empresas poderiam incluir em seus quadros, como estagiários, adolescentes que cumprem ou já cumpriram medidas socioeducativas.

9- A mídia, formadora de opinião, pode também ajudar a desconstruir condutas tidas como de costume ou toleradas em face à cultura machista.

10- É importante que exemplos de boas práticas sejam inseridos num banco de dados público para fomentar a sua utilização pelos operadores da lei (governantes, MP, juízes, conselheiros, sociedade, escola e família).

Enfim, chega a maioridade do ECA e, com ela, maior responsabilidade de todos nós no cumprimento das obrigações para com as crianças e os adolescentes do nosso País.

Por Gilda Pereira de Carvalho – subprocuradora-geral da República e procuradora federal dos Direitos do Cidadão, é mestre em direito pela USP e pós-graduada em direito internacional dos conflitos armados pela ESMPU e UnB. – Jornal do Comércio/PE de 25/07/08.

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo discurso. E tão útil quanto um porta-aviões boliviano, bonito mas não funciona. Depois dos milhares de assassinatos, estupros e outros crimes que o povo brasileiro presenciou cometidos por parte dos "de menor" ao longo desses 18 anos de estatuto, que sabem que nada vai lhes acontecer, com uma lei dessas, pode-se saber quando o "de menor' vai querer ter responsabilidade social e jurídica nesse país, como um "de maior" qualquer: Nunca! Só vai querer cometer crimes e dizer para a polícia: "Ah, não pode me prender, sou de menor". E que tal perguntar a um estuprador "de menor" o que ele acha da cultura machista? Ou ao matador "de menor" de Porto Alegre, que matou 12 pessoas o que ele entende por boas práticas?
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