A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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5 de agosto de 2008

José Afonso da Silva: "Garantia de inviolabilidade é mais do cidadão que do advogado"


"O projeto é importante, pois protege o advogado, o seu escritório, o seu local de trabalho e todas essas garantias, na verdade, são feitas muito mais em função do cliente do que do próprio advogado. Porque o cliente é que tem direito a que a sua correspondência, a sua vida, a sua relação com o advogado não seja divulgada e nem seja motivo de invasão".

A afirmação foi feita no dia 01 pelo renomado constitucionalista José Afonso da Silva, ao defender a sanção do projeto 36/2006, que prevê a garantia da inviolabilidade dos escritórios de advocacia no Brasil.

O jurista lamentou o fato de ser necessário, nos dias de hoje, que se edite uma nova lei para dirimir conflitos atinentes a essa inviolabilidade, uma vez que a Constituição e as leis já existentes bastam, segundo ele, para garantir a inviolabilidade do local de trabalho, das correspondências e arquivos dos profissionais da advocacia. No entanto, ele afirma que o projeto de lei acabou se tornando importante em face dos abusos e invasões ilegais recentes a escritórios de advogados em vários Estados. "O projeto é importante, pois é uma garantia para os advogados, e acho que deve ser sancionado".

Ainda segundo o jurista, o referido projeto de lei - já aprovado no Congresso Nacional e à espera apenas de sanção pelo presidente Lula - não protege ou "blinda", como têm afirmado algumas carreiras, o advogado criminoso. "Não se pode proteger o escritório do advogado e seus instrumentos quando ele é quem pratica crime. Quando ele pratica um crime, nesse momento ele deixa de ser um advogado para ser um criminoso. Nesse caso, é necessário que se tome as providencias para que ele responda pelo delito que tenha cometido".

A seguir a íntegra da manifestação do renomado constitucionalista, sobre o projeto de lei sobre a inviolabilidade dos escritórios de advocacia:

"Vejo como necessária uma lei desta em face dos abusos que vêm sendo cometidos, mas lamento muito que seja necessário uma lei especial para isso porque o ordenamento jurídico brasileiro já dá todas as garantias necessárias aos escritórios de advogados, quer no sigilo da correspondência, previsto como direito individual, quer na garantia da inviolabilidade do domicílio. Todas as normas, além de outras do Código de Processo Penal, por si já garantem a inviolabilidade do local de trabalho dos advogados e das correspondências que ele expede ou recebe no exercício da sua profissão.

No entanto, ultimamente ocorreram vários abusos e invasões de escritórios de advogados, que eram uma violação grave. Daí é que surgiu realmente esse projeto de lei. Nas circunstâncias atuais, o projeto é importante, pois é uma garantia para os advogados, e acho que deve ser sancionado. Não vejo nenhum motivo para qualquer veto. O projeto define, também, o que é instrumento de trabalho, de sorte que as coisas ficam razoavelmente claras, não havendo margem para interpretações que possam desvirtuar a previsão da inviolabilidade do local de trabalho e de seus instrumentos.

O projeto é importante, pois protege o advogado, o seu escritório, o seu local de trabalho e todas essas garantias, na verdade, são feitas muito mais em função do cliente do que do próprio advogado. Porque o cliente é que tem direito a que a sua correspondência, a sua vida, a sua relação com o advogado não seja divulgada e nem seja motivo de invasão.

Por outro lado, o projeto também não protege o advogado criminoso. Não se pode proteger o escritório do advogado e seus instrumentos quando ele é quem pratica crime. Quando ele pratica um crime, nesse momento ele deixa de ser um advogado para ser um criminoso. Nesse caso, é necessário que se tome as providencias para que ele responda pelo delito que tenha cometido.

Mesmo nesse particular, o projeto de lei traz as garantias. Isso só pode se dar pela via da autoridade judiciária. Não é a polícia que tem o direito de invadir o escritório do advogado porque ele é criminoso ou porque se percebeu que ele está envolvido em crime. Se isso acontecer, tem-se que recorrer à autoridade judiciária para que ela quebre a inviolabilidade a fim de que se possa fazer, aí sim, a busca e apreensão do que for necessário para se obter as provas dos crimes cometidos.

Ressalvo, também, a atuação dos eventuais sócios ou companheiros de escritório do advogado que, por ventura, tenha cometido um crime, não se estendendo a esses a quebra da inviolabilidade. Se os demais colegas não têm nada a ver com a prática criminosa, não podem sofrer nenhuma reprimenda, nenhuma invasão, por causa do outro colega".

Jornal Carta Forense - 1 de agosto de 2008.


***


Veja Nota Técnica emitida e pela CONAMP, AMB et al contra o citado projeto

Ref. ao Projeto de Lei da Câmara nº 36/2006, que dá nova redação ao art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB), que trata da inviolabilidade do escritório de advocacia.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM), Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) solicitam a Vossa Excelência o veto total ao Projeto de Lei da Câmara n.º 36/2006, por mostrar-se inconstitucional e contrário ao interesse público, pelos motivos que passam a expor:

Na redação atual, o art. 7º, inciso II, da Lei n.º 8.906/94 - em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional - garante a inviolabilidade do escritório, ou do local de trabalho, do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo no caso de busca e apreensão determinada por magistrado e acompanhada por representantes da OAB.

Pela nova redação conferida ao citado dispositivo legal pelo PLC n.º 36/06, a garantia de inviolabilidade foi ampliada, tornando permitida a sua quebra, somente, quando o mandado de busca e apreensão tiver como objetivo buscar e apreender objetos e elementos de prova de crime praticado por parte do advogado (§ 6º) ou de seus clientes que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores (§ 7º).

Este projeto, caso se transforme em lei, inviabilizará a persecução penal que eventualmente envolver advogados, mas também tornará substancialmente mais fácil para os criminosos fazer uso de escritórios de advocacia - destes causídicos que também são criminosos - para esconder provas do cometimento de seus ilícitos, tornando-os imunes à ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Dentro desse contexto, constata-se, de início, a inconstitucionalidade do projeto. Primeiro, porque o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal já estabelece restrição à expedição e cumprimento de mandado de busca e apreensão, sem que se mencione qualquer ressalva quanto a algum lugar específico. Ou seja, a própria Constituição Federal não ousou colocar a salvo da persecução penal qualquer local ou ambiente, permitindo, em observância às suas normas e à legislação de regência, a expedição e o cumprimento de mandado de busca e apreensão onde se localizem objetos e demais provas de crimes. Caso seja sancionada por Vossa Excelência, esta lei criará uma nova exceção a ser adicionada àquela que já consta da Constituição Federal, inovando, via lei ordinária, uma matéria que já tem tratamento constitucional.

Segundo, porque a proteção à liberdade de defesa e do sigilo profissional proporcionada pelo Projeto de Lei n.º 36/2006 limita de forma desproporcional a prerrogativa constitucional dos órgãos estatais de promover a persecução das infrações penais, sendo certo que, inviabilizada a apreensão de objetos e outras provas de crimes, um número considerável de investigações se tornarão infrutíferas. Como será visto adiante, a legislação atualmente em vigor (Lei n.º 8.906/94 e Código de Processo Penal) já promove uma ponderação equilibrada entre a liberdade de defesa e a garantia do sigilo profissional de um lado e a efetivação da persecução penal de outro.

Ultrapassados os vícios de inconstitucionalidade, é de se ver que o Projeto de Lei n.º 36/2006 se apresenta totalmente contrário ao interesse público, ao estabelecer locais imunes à persecução penal, que, certamente, serão explorados pela crescente criminalidade organizada. É que a inviolabilidade assegurada pelo novo inciso II, do artigo 7º, da Lei n° 8.906/94, na redação dada pelo Projeto de Lei nº 36/2006, estaria com suas exceções devidamente constantes dos §§ 6º, 7º e 8º que lhe sucedem. Mas estes parágrafos não são suficientemente abrangentes e padecem de graves imperfeições redacionais que, afinal, tornam a mencionada “inviolabilidade do escritório”, na prática, absoluta.

Vejamos os porquês. :

Seria necessário que o projeto excepcionasse igualmente a possibilidade de busca e apreensão caso surgissem indícios de que o escritório do advogado estaria sendo utilizado por criminoso para ocultar provas da atividade criminosa, inclusive o corpo de delito ou o instrumento do crime.

A prevalecer o pretendido no projeto, por exemplo, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio. Da mesma forma, um pedófilo, que registrasse em vídeo o abuso sexual de uma criança ou de um adolescente, poderia igualmente encontrar refúgio seguro desde que entregasse o material para ser guardado em um escritório de advocacia. Alguém que se dedicasse à prática de interceptações telefônicas ilegais, poderia igualmente ver-se salvo da investigação caso guardasse o resultado de seu trabalho no escritório de um advogado. Em nenhum desses casos o advogado estaria praticando um crime, e, portanto, não haveria, nos termos do projeto, a possibilidade de buscar e apreender tais materiais se fossem guardados no seu escritório, mesmo quando houvesse conhecimento certo e seguro a respeito de sua localização.

Mais sábio, razoável e consentâneo com a Constituição Federal de 1988 é o atual Código de Processo Penal - CPP, que, ao não estabelecer qualquer inviolabilidade do escritório do advogado, apenas ressalva a inadmissibilidade de apreensão de documento em poder do defensor do investigado, em homenagem à liberdade de defesa e à garantia de sigilo profissional. Mesmo aqui, porém, o CPP ressalvou a possibilidade de apreensão quando o documento constituir elemento do corpo de delito (art. 243, § 2.), garantindo, assim, a efetividade da persecução penal.

No § 6º do projeto, a exigência de que o mandado de busca e apreensão seja “específico e pormenorizado” não se ajusta à realidade da persecução criminal, apresentando-se, na verdade, como um obstáculo muitas vezes intransponível ao sucesso da investigação. Como saber de antemão, por exemplo, qual o número de computadores que existem em um escritório, de modo a descrevê-los “pormenorizadamente”? Como descrever, antecipadamente, em quais móveis se realizará a busca? Será necessário se dizer, exemplificativamente, que “fica deferido o mandado de busca e apreensão a ser realizado em uma estante de 1,50 m de altura por 2,0 m de largura, com 5 gavetas, que fica do lado direito da escrivaninha do advogado”? A impropriedade da proposição é patente.

Logo em seguida, dentro do mesmo § 6º, temos a vedação da utilização “dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes”. Não está esclarecida, na redação do dispositivo, a que clientes ele está se referindo, o que se faz apenas no seguinte § 7º. Se o cliente em questão for partícipe ou co-autor do crime praticado pelo advogado, logicamente o mandado se estende ao mesmo e o material encontrado poderá ser utilizado como prova na persecução penal (§ 7º).

Chega-se, então, à conclusão de que o artigo se refere a clientes que não estão entre aqueles que são objeto daquela persecução penal, em participação ou co-autoria com o advogado investigado. Mas, e no caso de, durante o ato de busca e apreensão, o agente policial ou o Delegado de Polícia se deparar, por exemplo, com objetos utilizados na prática de crime ou documentos que comprovem a execução de delito por parte de um cliente que não é objeto específico daquela investigação, juntamente com o advogado? A polícia não poderá apreender os objetos e documentos? Como fica a determinação de que o inquérito policial, no caso de ação penal pública, deverá ser iniciado pela Autoridade Policial “de ofício” (artigo 5º., I, do CPP) e de que esta autoridade, ao ter conhecimento de um crime, tem o dever de “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato” (artigo 6º., inciso III do CPP)? Deverá o agente policial ou Delegado “fingir que não viu” a prova do crime?

O § 8º, na prática, inviabiliza totalmente a execução dos mandados de busca e apreensão em escritórios, ao dizer que a quebra de inviolabilidade somente poderá se referir ao local e aos instrumentos privativos de trabalho do advogado averiguado. A persecução penal do advogado criminoso será impossível. Bastará ele ter um sócio e, ao tomar conhecimento de que pode eventualmente ocorrer o cumprimento de um mandado de busca e apreensão, colocar toda a documentação que o incrimina na gaveta ou no armário deste sócio. Com a chegada da políicia, bastará dizer que tal móvel, ou tal cofre, não lhe pertence, mas sim ao seu sócio e, portanto, não pode ser verificado pelos policiais em cumprimento ao mandado de busca e apreensão.

Em resumo, da forma como está redigido, o diploma legal termina por conferir aos clientes do advogado inviolabilidade de tal grandeza que nem mesmo a ordem judicial poderá determinar acesso aos objetos utilizados na prática de crime e aos documentos que comprovem a sua execução, que estejam guardados em escritório de advocacia, em flagrante contrariedade ao interesse público.

Insta consignar, no que se refere à restrição na atuação da autoridade judiciária para expedir mandados de busca e apreensão, que a inviolabilidade que se pretende assegurar aos escritórios de advocacia pelo Projeto em comento não encontra similares na ordem constitucional e legal vigente em relação a outros órgãos públicos ou privados detentores de informações sigilosas de terceiros, como é o caso das instituições financeiras, de saúde, de ensino, de imprensa ou mesmo das casas legislativas.

É forçoso reconhecer que é necessário proteger a relação advogado-cliente de indevidas ou excessivas intromissões estatais, como garantia de princípios constitucionais inarredáveis como o devido processo legal e a ampla defesa. Entretanto, o Projeto de Lei da Câmara n.º 36/2006, sob o fundamento de fortalecer essa relação, peca por estabelecer uma inviolabilidade inconstitucional e contrária à ordem pública em favor dos escritórios de advocacia.

Vale frisar que, caso sancionado o projeto na forma como encaminhado pelo Senado Federal, corre-se o risco, inclusive, de que criminosos desejosos de ocultar sua atividade delituosa busquem transformar advogados em depositários de provas de toda a espécie, incluindo o corpo de delito e instrumentos do crime. Expõe-se, aliás, a profissão a risco, pois criminosos podem valer-se de meios coercitivos para conseguir que advogados disponibilizem seus escritórios, às vezes mesmo contra sua vontade, para ocultar atividades criminais.

Em suma, estes os motivos – prementes e de extrema gravidade – que fazem com que as entidades abaixo requeiram à Vossa Excelência, já que não há possibilidade no momento dos reparos ou reajustes necessários no âmbito do Poder Legislativo, o VETO TOTAL do Projeto de Lei da Câmara n. 36/2006, aprovado pelo Parecer n. 659/2008, do Senado Federal, sem prejuízo de se iniciar um debate amplo e profundo entre todos os segmentos da sociedade civil organizada e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em busca de nova regulamentação sobre a matéria, que preserve a confiança da relação advogado-cliente sem inviabilizar a persecução penal.

Brasília-DF, 18/07/2008.


José Taumaturgo da Rocha
Presidente em exercício da ANPR

Carlos Alberto Cantarutti
Presidente da AMPDFT

Marcelo Weitzel Rabello de Souza
Presidente da ANMPM

Fábio Leal Cardoso
Presidente da ANPT

José Carlos Cosenzo
Presidente da CONAMP

Airton Mozart Valadares Pires
Presidente da AMB

João Bosco de B arcelos Coura
Presidente em exercício da ANAMATRA

Sandro Torres Avelar
Presidente da ADPF

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