A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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27 de agosto de 2008

A inversão de valores

As matérias jornalísticas veiculadas na imprensa nacional nos últimos dias têm destacado os supostos abusos da Polícia Federal no uso de algemas e interceptações telefônicas, devido principalmente à edição em tempo recorde de uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) e diversas especulações sem fundamento.

A "gota d'água" teria sido o uso de algemas nos presos da Operação Dupla Face, realizada pela Polícia Federal no dia 12 de agosto para coibir casos de corrupção em procedimentos de funcionários do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). Contudo, a origem de tal pendenga está diretamente ligada a Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas e desencadeou momento único na história do STF, no qual juízes, procuradores, delegados e até a Central Única dos Trabalhadores (CUT) se rebelaram contra decisão do presidente da Corte.

Sempre me pergunto, após mais de 15 anos de serviço policial: qual a necessidade do uso de algemas e por que os poderosos e autoridades tanto as temem? As algemas servem para a segurança dos policiais, da população em torno da ocorrência e do próprio preso sob influência de drogas e perturbações psicológicas. Quem pode atestar o grau de influência de uma prisão, seja em flagrante ou mesmo cautelar, na mente de uma pessoa naquele momento? Existem vários relatos de pessoas que tentaram ou se suicidaram na presença de autoridades, que mataram policiais e testemunhas ao menor descuido e, até mesmo, na tentativa de fugir se lesionaram gravemente ou morreram.

Concordo plenamente que o uso de algemas depreende-se do bom senso do policial que está no local, pois somente ele é que pode avaliar, mesmo que superficialmente, as condições mentais do preso. Agora é importante destacar que não me recordo de nenhuma prisão de chefões do tráfico de drogas, tidos como empresários do crime, nas quais utilizei algemas e, imediatamente, o Supremo Tribunal Federal se indignou e editou medidas vinculantes para os tribunais e juízos de 1.ª instância. Qual a diferença do traficante de drogas de alto nível (financiador) e da autoridade pública ou privada corrupta, no contexto do uso de algemas? Em linguajar popular: quem mata mais, o traficante de drogas ou a autoridade que "rouba" dinheiro público de hospitais e colégios? Eu também não sei, todos são horrendos, porém é mais importante discutirmos súmulas vinculantes que coíbam com mais rigor os casos de corrupção e desvio de dinheiro público do que o uso de algemas no senhor Daniel Dantas, que remeteu bilhões de reais (públicos) do mensalão para o exterior!

A clandestinidade deve ser punida severamente como toda ação criminosa, contudo porque não podemos saber o que se fala nos gabinetes e telefones das autoridades do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário? Qual a preocupação? Ouvirmos um bom dia da esposa! Os filhos relatando notas da faculdade! Um amigo convidando para uma pescaria! Colegas de profissão discutindo interesses públicos! Essa é a intimidade violada que majora a importância da discussão sobre interceptação telefônica e algemas em detrimento do combate à corrupção e ao tráfico de influência nos poderes constituídos. Graças a Deus este não é o entendimento da grande maioria dos juízes, procuradores, promotores e policiais em nosso País que se indignam diante de tal inversão de valores.

A Polícia Federal é composta, em seus quadros, de um substrato da própria população brasileira que está cansada e indignada com o domínio da corrupção e da impunidade. Infelizmente, na maioria das vezes e na visão de muitos, a única pena que uma autoridade corrupta pode ter é a divulgação de suas imagens com os pulsos algemados dentro de um camburão policial. Não é à toa que a Polícia Federal é uma das instituições de maior credibilidade perante a população brasileira. O problema das autoridades com gravações clandestinas em seus gabinetes pode ser facilmente resolvido: basta não cometer crimes, pautar-se pela ética e moral não utilizando sua função para beneficiar interesses pessoais ou privados. Em suma, ser honesto e íntegro, requisitos básicos que esperamos de uma pessoa pública.

Por Fernando Francischini, delegado da Polícia Federal em Curitiba - Jornal "O Estado do Paraná" de 26/08/08.

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)