A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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14 de julho de 2008

A necessidade de mobilização dos novos prefeitos e do sistema de justiça para a expansão da educação infantil


O descaso como historicamente os administradores têm tratado a educação infantil no Brasil e a ausência de uma inserção comprometida do sistema de justiça com sua efetividade frustam expectativas da sociedade brasileira por justiça social.

Isto porque, embora o direito fundamental à educação esteja assegurado a todas as crianças (CF, art. 208, IV), muitas das escolas responsáveis pela fase inicial do aprendizado, quando existentes, ainda guardam nítido caráter de assistência social, desmerecendo a vivência escolar como parte essencial do desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida, bem como o fato de que o processo formativo da pessoa humana é contínuo, dinâmico e crescente, acompanhando-a desde os primórdios de seu nascimento.

A educação tem seus contornos delineados na Constituição de 1988, na Seção I, do capítulo III, do Título VIII (Da Ordem Social) e foi organizada a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, isto é, a Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1.996, que, por sua vez, define a educação infantil como “primeira etapa da educação básica” (art. 29), a ela delegando a finalidade de “desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.
Apesar disso, ainda são tímidos os investimentos na educação infantil, especialmente no ensino público, uma responsabilidade essencialmente dos municípios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[i], menos de 14% das crianças de 0 a 3 anos de idade encontravam-se em creches no ano de 2004, enquanto que, na faixa de 4 a 6 anos, tínhamos 70% das crianças na pré-escola. A estatística também mostra que o número de excluídos do universo escolar, nessa faixa etária, chegava a mais de 11,5 milhões. Os resultados demonstram, ainda, significativas diferenças regionais nas taxas de escolarização e de frequência a creche[ii]. Portanto, estamos muito longe da universalização e, pior, essa é uma fase da educação na qual o tempo integral seria fundamental. E só 20% das crianças matriculadas nessa faixa etária estudam em escola em tempo integral.

Em outubro deste ano a população irá escolher os prefeitos em todos os 5.562 municípios do Brasil e já há movimentações nos partidos para a elaboração dos programas de governo – obras e ações que os candidatos se comprometem a realizar durante o processo eleitoral. Isto tudo num cenário em que, conforme demonstrado, a procura pela educação infantil excede em muito o número de vagas oferecidas e no qual muitas das escolas em funcionamento são da rede conveniada - mantida por associações e demais entidades do terceiro setor que prestam atendimento ao município por meio de parcerias – e, não da própria prefeitura, o que reflete a situação de estagnação do atendimento na rede pública municipal.[iii]

O estágio de letargia quanto a políticas efetivas nessa área e a pressão de especialistas, educadores, pesquisadores e segmentos da sociedade civil levou à edição da Emenda Constitucional nº 53, que criou o FUNDEB - que impõe obrigações aos três níveis da Federação Brasileira quanto a educação infantil - e à inclusão do tema como um dos itens do Compromisso Todos pela Educação[iv], encampado pelo Ministério da Educação (MEC) e parte integrante do Plano de Desenvolvimento da Educação.

Partindo da premissa de que os gestores públicos comprometem pouco de seus orçamentos com gastos na educação infantil, o que se espera, seja revertido com as novas regras do FUNDEB, logo chega-se à conclusão de que sem uma reestruturação dos orçamentos públicos, com busca de eficiência na realização de despesas, será difícil ocorrer melhoria no nível da educação infantil.[v]

De um bom prefeito espera-se, além da experiência administrativa, da honestidade e da liderança política, a fidelidade aos seus compromissos de campanha e ao seu povo, que se expressa no cumprimento do seu programa de governo e no atendimento das demandas populares. É o poder municipal que essencialmente cuida da educação infantil[vi] e a obrigação com a área da educação compromete parcela considerável dos gastos municipais.

Estamos no ano de 2008 e, como demonstrado, possuímos índices vergonhosos de atendimento da demanda na educação infantil. É fundamental que os prefeitos eleitos estejam à altura dos novos desafios criados no país com o novo ciclo de desenvolvimento, preparando os cidadãos para a inserção nesta realidade, impulsionando políticas de inclusão social, com ações e programas voltados para o fortalecimento e a expansão da educação infantil.

Daí a necessidade da formulação de políticas articuladas que tenham como principal meta a expansão do atendimento na rede pública municipal e que envolva não só a construção de novas unidades, como, também, melhores critérios para o preenchimento das vagas, priorizando as crianças com maior vulnerabilidade social. Pelo menos as crianças menores, entre zero e três anos, devem ficar na creche em período integral, garantindo a permanência destes alunos na escola. Há de se buscar, ainda, a formação mínima exigida pelo Ministério da Educação para os profissionais que atuam nesta área, acabando com a improvisação.

Dentro desta perspectiva, não há dúvida da necessidade de maior envolvimento do Ministério Público e do Poder Judiciário nas situações de descumprimento do dever jurídico de implementar a educação infantil. Aliás, por oportuno, a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabeleceram a educação como direito humano fundamental, que deve ser implementado e pode, inclusive, ser judicializado.

A questão ganha importância à medida em que tal enfrentamento exigirá dos membros do sistema de justiça uma atuação positiva enquanto agentes públicos de transformação social, uma vez que a Constituição de 1988 também redefiniu o papel destas instituições, permitindo, por meio de instrumentos como a ação civil pública, a judicialização de demandas que coíbam práticas ou omissões da administração violadoras de direitos sociais.

Essa nova formatação também insere o sistema de justiça na responsabilidade de garantir que as propostas constitucionais de transformação social, de fato, pautem as ações do administrador e do Estado como um todo. A idéia de atos de governo, atos políticos, discricionariedade administrativa e tantas outras concepções construídas a partir de modelos teóricos superados, com o objetivo de evitar um compartilhamento de poder, restam afastadas quando no centro das discussões residem os direitos fundamentais e, mais acentuadamente, quando o cenário é constituído por deliberadas condutas de violação às promessas de ampliação do acesso e da qualidade da educação infantil.

Por Carlos Eduardo da Silva, Promotor de Justiça/MT


[i] Aspectos complementares de Educação 2004. Suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Disponível em <www.ibge.gov.br.>. Acesso em 28 de janeiro de 2008.
[ii] O Norte, por exemplo, apresentou a maior parcela (94,3%) de crianças de 0 a 3 anos de idade fora da creche, enquanto o Sul (81,5%) e o Sudeste (83,8%) tiveram os menores resultados neste indicador (vide tabela 2 da publicação na pesquisa PNAD).
[iii] As primeiras instituições brasileiras de atendimento às crianças de zero a seis anos surgiram ainda no Império com o intuito de amparar as que eram abandonadas nas ruas das cidades, como os orfanatos. A idéia dos Jardins da Infância, transplantada da Europa, desenvolve-se no início do século XX e inspirou a criação de instituições de atendimento à criança em praticamente todo o país. A partir daí, muitas creches são instaladas para atender à população mais carente e aos filhos dos trabalhadores urbanos, sempre ligadas à área da Assistência Social. Na década de 80 a sociedade passa a discutir a inclusão das creches e pré-escolas na Educação Básica, intenção concretizada na Constituição de 1988 (art. 208, IV). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ratifica essa decisão.
[iv] “O Todos pela Educação” é um movimento da sociedade civil, da iniciativa privada, de organizações sociais, de educadores e de gestores públicos de Educação, com o objetivo de garantir Educação Básica de qualidade para todos os brasileiros até 2.022, bicentenário da independência do Brasil (vide http. www.todospelaeducação.com.br). Em vários Estados há iniciativas semelhantes. Em Minas Gerais, por exemplo, a sociedade civil organizada lançou o movimento intitulado sugestivamente como “Conspiração Mineira pela Educação”.
[v] Há de se registrar, que o Brasil investe tão-somente 4% do PIB em educação. Comparado com outros países pode até ser um valor acima da média, mas o problema é a massa de gente que temos fora da educação infantil e de outros estágios da educação, afora, obviamente, o passivo histórico.
[vi] O regime de colaboração estatuído pela LDB estabelece que a educação infantil e os quatro primeiros anos do ensino fundamental ficam sob a responsabilidade dos municípios; a segunda parte do ensino fundamental e o ensino médio, para os estados. O governo federal praticamente não tem ação sobre esses campos, com exceção de algumas escolas técnicas, mas tem uma forte ação indutora e distributiva de recursos.

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