A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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1 de julho de 2008

Legislação Bêbada e na Contramão: Sobre a “Lei Seca”


“De boas intenções o inferno está cheio”, diz o ditado popular. A entrada em vigor da Lei 11.705/08 (a “Lei Seca”) torna este brocardo ainda mais verdadeiro, no plano jurídico. É que, com o propósito louvável de combater os malefícios causados pelo álcool nas estradas brasileiras – que de há muito ultrapassaram qualquer margem de tolerabilidade –, eis que o legislador pátrio acaba de “brindar” a sociedade com mais uma norma flagrantemente inconstitucional.

Desde logo, devo enfatizar que minha hostilidade à dita lei não decorre do fato de que sou potencial candidato a ir parar atrás das grades por causa dela (bastam 2 bombons com recheio de licor para estourar o limite legal, noticiou a Folha). Na verdade, o que estarrece e causa perplexidade é o total desconhecimento demonstrado sobre o art 5º, LXIII da CF, que assegura a qualquer acusado a prerrogativa de ”permanecer calado”, ou seja: o direito fundamental de não produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).

A lei alterou o § 3º do art. 277 do Código de Trânsito para sujeitar às penalidades previstas no art. 165 do CTB (multa, suspensão do direito de dirigir por um ano, retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação) o condutor que “se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos” previstos no caput do mesmo artigo: “testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.

Sem muito esforço constata-se que o diploma está na “contramão” da jurisprudência do STF. A Corte tem prestigiado o mencionado inciso LXIII do art. 5º em diversos julgados. No HC 83.096 (Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 18.11.03), assentou que “o privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável.” O precedente permite concluir, então, que o Pretório Excelso não admite a coerção física e pessoal como meio de produção de prova, mormente contra a própria pessoa.

A matéria nos remete a julgamento histórico do STF sobre a garantia contra a auto-incriminação, a saber, o Habeas Corpus nº 71.373-4/RS, que teve como relator para o acórdão o Min. Marco Aurélio. Discutia-se a possibilidade de se compelir coercitivamente o investigando a realizar exame de DNA, para aferir a paternidade. No caso, mesmo diante de outro direito fundamental de indiscutível relevância – o de conhecer a própria origem, componente essencial do desenvolvimento da personalidade –, o STF manteve o privilégio supracitado. Por outro lado, estabeleceu que a negativa implicaria em presunção de paternidade, entendimento que veio a cristalizado na Súmula 301 do STJ. Desta forma, o Pretório Excelso “balanceou” os direitos fundamentais em conflito: preservou o direito a não se auto-incriminar, mas deixou claro que a recusa injustificada ensejaria conseqüências processuais. Nada mais razoável.

A Lei 11.705, por outro lado, não cria mera “presunção de culpa” contra o condutor: pune, simplesmente, a recusa em si mesma. Ora, tamanha violação contra o direito fundamental em estudo não pode se sustentar. A simples idéia de aplicar penalidades e/ou medidas administrativas a alguém pelo fato de se recusar a “soprar no bafômetro” é de uma truculência singular. É preciso dar um basta à “legislação de pânico”, que agride frontalmente os direitos fundamentais e nada resolve. Somente os colegas advogados que atuam na área penal têm motivos para sorrir com a “Lei Seca”, pois deverão ter finais de semana bastante movimentados até que sobrevenha a declaração de inconstitucionalidade (assim espero).
E eu achando que nunca mais teria que fugir de blitz…

Por Adriano Costa, in http://direitosfundamentais.net/

2 comentários:

Ragassi disse...

Eu discordo totalmente, não existe “direito fundamental de não produzir prova contra si mesmo”, trata-se de uma interpretação, visto que a constituição não o menciona.

O “nemo tenetur se detegere” é um privilégio apenas porque o magistrado pode formar a sua convicção através de outros meios, sendo estes fora do domínio do acusado.

No caso da lei, entendo que não pode ser aplicado o “princípio” mencionado, visto que a perícia do bafômetro é necessária para que se constate uma situação de fato, sem a qual iria obstruir a aplicação da referida lei.

A lei traz sanção a qualquer quantidade de álcool no sangue: se não puder exigir os meios de constatar essa quantidade de alcool, fica inevitavelmente, sem aplicabilidade.

Isso é a força do principio da legalidade Art.5, II. Agora a lei determinou sanção ao descumprimento de qualquer dos mecanismo para constatar presença de alcool no sangue. O que anteriormente não fazia, dando margem a interpretação de que “ninguém era obrigado a produzir prova contra si mesmo”. A autoridade policial constatava isso pelo “achometro” muito pior do que se realizar um procedimento sério.

Anônimo disse...

A LEI SECA É BURRA, ANACRÔNICA E DIGNA DOS GOVERNOS AUTORITÁRIOS OU TOTALITÁRIOS.

O simples fato de uma pessoa tomar um ou dois copos de vinho ou de cerveja, num almoço com a família, e sair dirigindo normalmente sem desrespeitar nenhuma norma de trânsito ou colocar bens jurídicos em risco , não pode ser punido administrativa ou penalmente , sob pena de se incorrer numa aberração jurídica, já que a conduta, além de adequada às normas de trânsito, não representa qualquer lesão ou perigo efetivo ou potencial a qualquer objetividade jurídica.

“nulla necessitas sine injuria ou princípio da lesividade ou ofensividade - não há necessidade se não há também uma relevante e concreta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado; nulla injuria sine actione ou princípio da exterioridade da ação, que proíbe a criação de tipos penais que punam o modo de pensar, o estilo de vida. Há somente a punição pela ação ou omissão do homem, pois o direito penal é do fato e não do autor”
O CREMESP -Conselho Regional de Medicina do Estado São Paulo, afirma que : Substância Psicoativa é aquela que possui a capacidade de alterar o comportamento, o humor e a cognição de um ser vivo, dividida em dois grupos : as drogas ilegais (maconha, cocaína, crack e outras ) e as lícitas(como o álcool), assim, quem dirigir alcoolizado somente cometerá o delito se realmente por em risco a segurança do trânsito, ou seja estar sob a influência de substância psicoativa, já que álcool também é substância psicoativa.
Daí se há de concluir, num rigor de lógica aplicada, para que se configure a infração administrativa ou o crime de embriaguez ao volante (artigos 165 e 306 do CNT), não é suficiente a simples condução de veículo automotor após ter ingerido álcool, mister se faz que o motorista conduza o veículo, sob a influência do álcool, isto quer dizer : de forma anormal, irresponsável, ou perigosa, só assim restaria comprovada a ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado, isto é expor efetivamente em risco a segurança viária (perigo concreto indeterminado).
O Ministro VICENTE CERNICHIARO, no seu relato ao acórdão da 6ª Turma do STJ no Resp 46.424, contrário às presunções legais, assevera-se que:

"... não se pode punir alguém por crime não cometido . Por isso , a adoção de crimes de perigo abstrato não se mostra adequada ao moderno Direito Penal, que se fundamenta na culpabilidade ..."

Em suma, a lei dever punir rigorosamente aquele que, sob a influência do álcool ou não, venha conduzir veículo de forma anormal ou perigosamente, expondo a risco a segurança viária.

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