A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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8 de julho de 2008

Ativismo ou Hiperatividade?


A interpretação e a aplicação do Direito experimenta profundas transformações em todo o mundo ocidental desde as últimas décadas do século XX. A técnica jurídica abandonou o apego excessivo à forma e à letra e avançou no esforço de equilibrar previsibilidade e justiça. Os princípios, antes considerados instrumentos de manejo exclusivo da teoria moral e do discurso político, foram incorporados à gramática jurídica e passaram a repercutir nas decisões judiciais. As Constituições assumem, enfim, a função normativa protagônica que o Estado de Direito há muito lhes prometia.

O Poder Judiciário participa desse processo e se transforma em consonância com seus desdobramentos. A função judicante passa a incluir a revisão, à luz de parâmetros mais abertos e menos literais, de opções legislativas e de critérios de implementação de políticas públicas. O juiz é chamado, na aplicação do direito, a um diálogo mais direto com o Legislativo e o Executivo.

Parte dessa transformação do Poder Judiciário redundou na formação de uma nova referência cultural no mundo jurídico, conhecida como ativismo judiciário. Mais proposto aos juízes que por eles gestado, o ativismo judiciário é o contraponto à idéia de que os juízes devam deferência aos critérios e às opções dos outros Poderes: se a lei é inconstitucional ou o ato administrativo é ilegal, que sejam assim declarados, sem esforço interpretativo em contrário. Essa nova referência resulta das transformações do próprio Direito; exige dos mais tradicionais que ajustem sua compreensão das estruturas do Estado; mas, mantida em limites razoáveis, é natural e não preocupa.

Nós, brasileiros, não somos imitadores; somos criativos e gostamos de sê-lo. Temos experimentado intensamente as transformações do Direito e do Poder Judiciário, dando-lhes, inclusive, cor local, ora para o bem, ora para o mal. O deslocamento para o âmbito dos processos judiciais de discussões que só faziam sentido no plano da política partidária, fenômeno conhecido como judicialização da política, é filho dessas transformações; ganhou, por aqui, acentuada cor local, em razão da amplitude de nosso texto constitucional e da acessibilidade nossos mecanismos de controle de constitucionalidade.

Mas os limites de nossa criatividade estão à prova na pessoa do Ministro Gilmar Mendes, que tem delineado, na presidência do Supremo Tribunal Federal, os vetores de sua plataforma pessoal para a Nação. Em recente entrevista coletiva, o Ministro defendeu a manutenção das prerrogativas de foro, propôs a adoção de nova lei sobre o abuso de autoridade, elogiou o mérito da lei seca para os motoristas e sugeriu prioridade para o tema da segurança pública, com coordenação federativa e políticas sociais. Além disso, praticamente antecipou voto sobre a divulgação de listas de candidatos a mandatos eletivos que ostentem antecedentes criminais, rotulando como populista a interpretação diversa. Já na presidência do STF, o Ministro também lançou diatribes contra o manejo presidencial das medidas provisórias, a atuação do Ministério Público e as regras sobre o orçamento público. Mais uma partida apagada da seleção brasileira de futebol, e o veredicto do presidente do STF será inevitável.

Em mais um tento de nossa era das novidades, podemos dizer que nunca antes na história deste país a presidência do STF foi tão vocal. Mas há perigo na esquina: é intuitiva a fragilidade moral da posição de quem se arvora ao arbitramento de um debate de que participou.

É louvável que o presidente do Supremo Tribunal Federal mantenha comunicação social fluida e moderna. Mas a habitual economia verbal dos magistrados não é um simples cacoete profissional nem está ultrapassada; é, antes, importante instrumento de legitimação do Poder Judiciário, pois evita a confusão entre opinião e julgamento. E a noção de que os julgamentos resultam de processos intelectuais mais rígidos e metódicos que as opiniões tende a ruir quando um magistrado de alta visibilidade emite, reiteradamente, opiniões que revelam, mais adiante, convergência com seus julgamentos.

Ao Ministro Gilmar Mendes, portanto, a escolha: ou a magistratura, com a devida circunspecção, ou a política partidária, com as inevitáveis luzes e sombras. Para qualquer das duas, sobra-lhe talento. Para ambas juntas, não há caminho.

Por Marcello Miller, Procurador da República-RJ

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)