A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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10 de abril de 2008

ILUSÃO DE ISOTOPIA


Já manifestamos nosso entendimento de que a vida é vivida em um ambiente de insegurança. Inexiste o ambiente de segurança, seja em nosso país, seja em qualquer ponto do planeta, porque em cada lugar há uma peculiar matriz de insegurança.

Contudo, objetivando melhorar a qualidade de vida ou impedir sua deterioração, o ambiente de segurança, embora seja uma utopia, deve ser incansavelmente perseguido. Para essa busca, a sociedade dispõe de instrumentos de proteção e de mecanismos de defesa. Os primeiros (a família, a escola, a igreja, a economia, o Estado) visam a mitigar vulnerabilidades, situações que ensejam surgimento e ampliação de ameaças ao país, ao povo, o que é feito através pregação do respeito a valores (ética, solidariedade, amizade, patriotismo, civilidade) e da obediência a regras de convivência em vigor (consuetudinárias e leis). Os mecanismos visam a mitigar ameaças que possam afetar a vida nacional ou perturbar a vida social. Grosso modo, riscos e perigos são ameaças físicas, materiais, enquanto que receios e medos são ameaças psicológicas, emocionais.

O imponderável e o inopinado, que cercam as ameaças, asseveram a utopia de se viver em um ambiente de segurança. Diante dessa inexorabilidade, é o caso de cruzar os braços? Evidentemente que não! Visto o Art. 144 da Constituição Federal, sociedade civil e sociedade política têm o dever de ir à luta, visando restringir, minimizar ou, até mesmo, eliminar os riscos e os receios (ameaças latentes) e/ou os perigos e os medos (ameaças iminentes). Para isso, se atuar na causalidade é importante, fundamental é que se atue no nascedouro de causas e no refluxo dos efeitos geradores de ameaças à sociedade. Assim, é absolutamente necessário que a prioridade seja a proteção social, porém, o foco está voltado, equivocadamente, apenas para o trabalho da polícia e, principalmente, da policia criminal. A prevenção e a repressão policiais estão sendo mais notícia por três motivos: Primeiro, as informações sobre os trabalhos de proteção social têm mínima ressonância subjetiva e pouca repercussão objetiva junto à sociedade, porque são mínimamente divulgados, se comparados com o sensacionalismo que emoldura as notícias de crimes. Segundo, o corpo social está deformado, física e moralmente, em razão de comportamento impróprio de grande parte da população, por não compreender o pacto social ou não praticá-lo. Forte origem estaria no descaso que envolve a educação em nosso país. Mais direto, com o educador, esse extraordinário agente formador do caráter dos cidadãos, que necessita ter resgatada sua grandeza profissional, iniciando-se pela restauração de sua dignidade salarial. Terceiro, a sociedade está com muito medo, por mais que, objetivamente, esteja protegida. Ou seja, ainda que, em tese, todas as ameaças à população estivessem corretamente controladas, isso não seria suficiente porque não há a crença nesse fato, as pessoas não acreditam que isso é verdade, por não estarem adequadamente informadas acerca do fenômeno da insegurança.

As notícias sobre crimes têm, cada dia mais, efeito arrasador no corpo social. O receio, relativo a ameaças latentes, tem perdido espaço para o medo, como se estivéssemos, permanentemente, frente a ameaças iminentes, gerando uma estranha neurose. O medo tem contribuído muito mais para o aumento da sensação de insegurança que os riscos e perigos, porque, não havendo suficiente informação sobre o ambiente em que se vive, não há correta preparação e adequada adaptação. O medo do desconhecido é causa de distresse em quase 60% dos brasileiros, provocando tensões nas pessoas e nos ambientes que freqüentam, corroborando BAUMAN: “os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo”. Assim, os criminososo sáo vistos como mais destemidos, possivelmente porque manipulam o medo (consciente ou inconscientemente) em intensidade bem maior que a vontade do cidadão em vencê-lo.

A notícia de que um pedófilo está atuando no sul causa inquietação não apenas em famílias locais, mas, também nas do centro e norte do país; se a notícia é de que houve fuga de presos em uma cidade do centro, famílias do norte e do sul correm para fechar portas e janelas; se há um assalto no norte, pessoas do centro e no sul pensam em comprar uma arma. Essa ocorrência, a Ilusão de Isotopia, é aquela sensação de que se está vivendo naquele lugar onde aconteceu o fato, ou o sentimento de que, onde se vive, inevitavelmente ocorrerá o mesmo evento, gerando a “síndrome de próxima vítima” (Isotopia, do étimo grego: ísos = igual e tópos = lugar, de uso mais comum na física e nas correntes do estruturalismo nos anos 60/70).

Enfim, todo trabalho de proteção social, aqui incluida a prevenção criminal, ao contrário do que é propalado, não visa “aumentar a segurança”, mas, sim, reduzir as fontes de insegurança a patamares toleráveis. Além do aspecto material, é necessário restaurar a crença na população através massificação de informações sobre a insegurança, programas e projetos de proteção social em andamento, êxitos alcançados, participação da comunidade, comportamentos e procedimentos a serem adotados pela população, criando condições para surgimento de uma ilusão de isotopia positiva, que passe a ser objetivo social a ser alcançado.

Por Amauri Meireles, Coronel da Reserva da PMMG, http://www.direitopenalvirtual.com.br/

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