A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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14 de abril de 2008

A eficiência do sistema penal


Muitas vezes ouvimos de diversos segmentos sociais que a diminuição da violência e da criminalidade no país passa necessariamente por uma reforma da legislação penal. Atribui-se ao Código Penal de 1940 uma urgente atualização e debate-se a função da sanção penal como reparadora e de caráter preventivo ou como um abuso estatal dos direitos humanos. Nesse sentido, há duas correntes doutrinárias que defendem teses opostas.

De um lado, os adeptos do direito penal mínimo -chamados alternativos ou garantistas-, que acreditam que o direito penal, no que se refere à sanção, só deve ser utilizado em casos extremos, em delitos considerados graves -discute-se até a necessidade e a utilidade da aplicação da pena.

A outra corrente é a dos defensores do direito penal máximo, os legalistas, que apregoam a tese de que o indivíduo está em um contexto social, as normas são construídas nesse contexto a partir dos valores dessa sociedade e devem ser cumpridas e respeitadas por todos, dentro do princípio de que todos são iguais perante a lei.

A essas duas correntes é acrescido um terceiro componente, que, para muitos especialistas e operadores do direito, é efetivamente a causa do aumento da criminalidade: a profusão de recursos jurídicos que protelam a execução da pena, gerando, em alguns casos, sua prescrição.

Recursos como progressão de regime, liberdade provisória, liberdade condicional e indulto, entre outros, acabam por deixar em liberdade criminosos que não farão outra coisa senão voltar às ruas para assaltar, roubar e matar (recente pesquisa aponta que 25% dos delitos nas grandes metrópoles do país são cometidos por egressos do sistema penitenciário foragidos ou em liberdade provisória).

Um exemplo é a progressão de regime prisional por bom comportamento. Outra alteração recente deixou de exigir o exame criminológico, como era antigamente necessário, para a progressão do regime fechado para o aberto e o semi-aberto. Outro fator que também pode ser considerado decisivo para o agravamento desse quadro foi a declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, da exigência de cumprimento integral da pena em regime fechado, tal como era previsto para autores de crimes hediondos.

Tais alterações legais permitiram menor prazo de cerceamento da liberdade para autores de crimes graves, que, na prática, foram incluídos no mesmo sistema dos crimes comuns, agora com possibilidade de progressão, o que antes era vedado para os crimes hediondos.

As alterações e os recursos vigentes propiciam a impunidade e contribuem para uma desestabilização da paz pública e para o descrédito do sistema penal brasileiro.

Dessa forma, a mudança na legislação penal não terá grandes repercussões no atual quadro de violência e criminalidade, mas o rigorismo penal, sim. Este se traduz pelo cumprimento estrito e fiel da legislação penal, sem meandros jurídicos, sem benesses de nenhuma espécie, sem sentimentos de parcialidade em relação ao réu ou em relação à vítima.

A fiel observância será uma prova evidente de que o crime não compensa. As polícias deixarão de efetuar a prisão do mesmo delinqüente, reiteradamente, no espaço de semanas ou meses pela prática dos mesmos crimes. E os criminosos aprenderão que existem outras maneiras de obter bens móveis e imóveis.

Obviamente, para os garantistas, o rigorismo penal e a não-utilização das medidas recursais são um grave abuso aos direitos humanos, às garantias e liberdades individuais.

Entretanto, a questão maior é: de que adianta o Estado proteger os direitos de criminosos se os direitos dos cidadãos não são garantidos? Sabemos que existem graves deficiências de infra-estrutura no sistema prisional. Porém, o Estado não pode se omitir na adoção de providências protetivas à sociedade enquanto esse sistema não for substituído por outro de melhor eficácia.

Apenas como exemplo, o programa Tolerância Zero na cidade de Nova York conseguiu reduzir em 46% a prática de delitos baseado no princípio do rigorismo penal e na constatação de que delitos de menor gravidade, se não duramente combatidos, acabam se transformando em crimes de natureza grave.

Por ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN, 43, analista de inteligência estratégica pela Escola Superior de Guerra, especialista em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa (EUA) e em ciências penais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é major da Polícia Militar do RS. andre.woloszyn@terra.com.br - Jornal A Folha de S. Paulo, 14/04/08.

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