- Em voto antológico, relator diz que embrião não é vida
Carlos Direito pede vista do processo e adia ‘veredicto’
Ellen Gracie antecipa o voto e ‘acompanha’ Aires Britto
Celso de Mello dá indicação de que vai no mesmo rumo
Logo que Ayres Britto concluiu a leitura de seu voto, um de seus colegas, Celso de Mello, pediu a palavra. Não era sua vez de votar. Mas ele pronunciou comentários que não deixam dúvidas quanto à posição que irá adotar: “O voto que acabamos de ouvir representa a aurora de um novo tempo [...]. É a celebração solidária da vida e da liberdade. E restaura em todos nós a certeza de que milhões de pessoas não mais sucumbirão à desesperança e à amarga frustração de não poder superar obstáculos de patologias incuráveis até o presente.”
O primeiro da fila a votar, depois do relator, seria o ministro Carlos Alberto Direito. Como já era esperado, ele pediu vista do processo, para analisá-lo com mais vagar. Não há prazo que os autos sejam devolvidos ao plenário. Como evidência de que tem pressa –o processo tramita desde março de 2005—, a presidente do Supremo, Ellen Gracie resolveu antecipar o seu voto.
Gracie acompanhou a posição do relator. Ou seja, dos 11 ministros que integram o plenário do STF, pelo menos três discordam da ação do Ministério Público. Bastam mais três votos para que as pesquisas com células-tronco embrionárias sejam preservadas.
O relator Ayres Britto escorou o seu voto na Constituição e no ordenamento jurídico dela decorrente. Concluiu que: 1) os casais têm o direito de recorrer à fertilização artificial; 2) não há lei que obrigue o aproveitamento de todos os embriões; 3) os embriões excedentes podem ser utilizados em pesquisas científicas; 4) o aproveitamento científico não constitui desrespeito à Constituição, já que embrião descartado “não é nem jamais será uma vida.”
O ministro recorreu, por analogia, à lei que regulou os transplantes de órgãos no Brasil. Nesse texto, ficou consagrado o entendimento de que a vida humana se encerra no instante em que há um diagnostico de morte cerebral. Faltam aos embriões congelados, concluiu Ayres Britto, “todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas.”
“Não há cérebro”, afirmou o relator, “nem concluído nem em formação. Pessoa humana não existe nem mesmo em potencialidade”. Embora “valioso”, prosseguiu Ayres Britto, o embrião, quando “confinado” no frio tubo de ensaio, “jamais será alguém.”
A certa altura de seu voto, Ayres Britto construiu o seguinte raciocínio: Se os casais têm o direito de recorrer à fertilização in vitro e se desse processo resultam embriões excedentes, quais seriam as alternativas? O ministro listou apenas três: 1) “Condenar os embriões à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de ensaio; 2) “Deixar que jogassem no lixo todos os embriões não aproveitados”; ou 3) Autorizar o uso científico dos embriões, como fez o artigo 5º da Lei de Bissegurança.
Britto optou pela terceira alternativa. Considerou que, longe de “desmerecer”, a lei que o Ministério Público tenta derrubar “protege o embrião”. Seria triste, disse o ministro “concluir que, no coração do direito brasileiro, já se instalou o mostro da indiferença.” Perguntou: “Nosso ordenamento jurídico deixa de se colocar do lado dos que sofrem para se postar do lado do sofrimento?”
Melhor, disse o ministro, permitir que os embriões “sirvam à causa humana”, conferindo “sentido a milhões de vidas pré-existentes” que padecem de males que podem vir a ser curadas pela terapia celular. Pressionando aqui, você chega à íntegra do voto do ministro Ayres Britto. São 72 páginas de viva lucidez. Vale a leitura. Se não tiver tempo agora, reserve um naco do seu final de semana para fazê-lo.
Fonte: http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/
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