Saiu ontem na Folha de S. Paulo:
Conselheiro do TCE é réu em 50 ações civis
Réu em 50 ações civis e acusado em oito ações penais por irregularidades, o deputado estadual Humberto Bosaipo (DEM) é, desde ontem, um dos dois novos conselheiros do Tribunal de Contas de Mato Grosso. Segundo o Ministério Público Estadual, os atos de Bosaipo, 53, causaram danos ao erário de cerca de R$ 97 milhões.
Bosaipo, que passará a ganhar um salário de R$ 22.111, sempre negou as irregularidades. A Folha não conseguiu localizá-lo.
Qual é o espanto?
(Espanto, aliás, já é palavra em desuso: ninguém mais se espanta com coisa alguma)
Em Mato Grosso, como em todo o Brasil, diante dos incontáveis escândalos envolvendo dinheiro público e dos índices galopantes de criminalidade, espanto, ao que parece, é coisa revogada.
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, diante do caso, totalmente espantado e indignado com a situação, agiu.
Através de seu Procurador-Geral de Justiça, Dr. Paulo Prado, ladeado por combativos promotores de justiça, impetrou junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso Mandado de Segurança(*) mirando obstar a nomeação do referido deputado ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, eis que o mesmo não preenchia os requisitos da idoneidade e da reputação ilibada, reclamados pelo texto constitcuional.
O Desembargador Licínio Carpinelli Stefani indeferiu a liminar (veja
aqui a íntegra da decisão).
Grafou em seu voto que "a hipótese ou caso se situa como controvertido com o dissenso jurisprudencial, caminhando mais acentuadamente a jurisprudencia, no sentido tradicional e majoritário de não se poder prescindir da sentença judicial para se reconhecer a inidoneidade e reputação maculada do pretendente ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas como se assim se procede quanto aos Cargos Eletivos".
Ora, não é necessário ser um hermenêuta especializado ou jurista de ponta, senão apenas alfabetizado, para extrair-se a ilação de que um sujeito que possui contra si dezenas de ações civis por improbidade administrativa e outras tantas de natureza penal (crimes contra a administração pública), que ocasionou desfalque de cerca de 100 milhões de reais aos cofres públicos, não é detentor de idoneidade e de reputação ilibada.
O resto é balela. É justificar o injustificável!
Para começo de conversa, é necessário conhecer uma verdade atual: a sociedade brasileira contemporânea carece de agentes públicos verdadeiramente comprometidos com a causa social. Precisamos de hermenêutas que atuem pela sociedade. Que verguem a toga como instrumento de transformação social.
Chega de malabarismos verbais em desfavor da sociedade, que homenageiam, de forma exarcebada, o garantismo de um lado só: daquele que anda à magem da lei. Esquecendo-se do outro lado: a sociedade, o homem e a mulher de bem.
Em outro dizer, nos dias que correm, podemos acompanhar um fato curioso: gasta-se um amazonas de tinta e uma amazônia de papel em prol da impunidade, muitas vezes, sob o emprego errôneo do escudo da dignidade da pessoa humana ou do princípio da presunção da inocência. É a imutável supremacia dos direitos do indivíduo sobre os direitos da sociedade.
Já passou da hora de acordar e mudar esse estado das coisas.
A pergunta: Como?
Empregar o Direito como deve ser empregado. Ou seja, como instrumento de controle da sociedade, instrumento realizador da paz social.
Ora vejam.
Como é curial, o Direito é uma ciência dialética, que, em regra, não comporta verdade absoluta.
Daí que basta uma pesquisa na jurisprudência para se descobrir que a “Torre de Babel”, em sua versão atualizada, tem morada nos Tribunais pátrios. É o adágio: "a lei reina, mas é a jurisprudência que governa".
Isso tem explicação na filosofia...
O Direito é uma ciência que, amiúde, envolve o que em filosofia se denomina desacordo moral razoável - pessoas bem intencionadas e esclarecidas professam convicções totalmente opostas, mas plausíveis -, ou seja, quase sempre haverão pensamentos contrapostos, podendo, ainda assim, ambos serem defensáveis.
Logo, é importante e necessário a figura de membros do Poder Judiciário assaz conectados à causa maior: a causa social.
Vale dizer, quando se trata de proteger a sociedade, a interpretação das leis não deve ser fria e descompromissada, antes de tudo, deve ser real e socialmente útil (a Lei de Introdução ao Código Civil assim determina).
Melhor explicando, deve o aplicador do Direito optar pela interpretação que mais atenda às aspirações do Texto Constitucional, da Justiça e do Bem Comum.
É dizer, ao analisar a norma legal, deve o interprete lançar mão das seguintes indagações:
Ø Qual será o efeito da interpretação da norma no âmbito social?
Ø Estará a interpretação propiciando pacificação social?
Ø Estará a interpretação concretizando os direitos fundamentais da sociedade?
Ø Estará a interpretação salvaguardando os valores da República?
Ø Estará a interpretação ratificando o papel do Direito como instrumento de controle da sociedade (pacificação social)?
Ø Enfim, estará a interpretação garantindo uma vida social mais justa?
Respondido sim a todas as perguntas, estaremos diante de uma interpretação legítima.
Vejamos, então, a infelicidade do julgador supracitado.
O professor José Cretela Jr., in Comentários à Constituição de 1988, vol. 5, assegura que "idoneidade moral é o atributo da pessoa que, no agir, não ofende os princípios éticos vigentes em dado lugar e época. É a qualidade da pessoa íntegra, imaculada, sem mancha, incorrupta, pura".
Não destoando disso, De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, vol. II, 12ª edição, Forense, ensina que idoneidade e boa reputação são termos que se completam e idoneidade moral "é a que se gera da honestidade ou dos modos de ação das pessoas no meio em que vivem, em virtude do que é apontada como pessoa de bem".
De tal arte, não reconhecer, de cara, a inidoneidade e a reputação maculada por força da tramitação de vários processos de natureza civil (improbidade administrativa) e criminal (crimes contra a administração pública) é o mesmo que negar o óbvio.
Em português claro, a inidoneidade ou reputação maculada não necessitam de sentença judicial transitada em julgada para suas existências. Dito de outro modo, não se aplica o principio da presunção de inocência, que é coisa diversa.
É verdade que existe dissenso jurisprudencial. É o desacordo moral razoável.
Mas, uma coisa é certa: frente ao desacordo moral razoável, o desembargador mencionado filiou-se àquela corrente que, certamente, não vai de encontro aos conceitos mais primitivos do senso social de justiça.
Que dirá o cidadão comum se perguntado se acha legal ou justo um político, que ostenta contra si várias ações judiciais (civeis e criminais) por malversação e desvio de dinheiro público, julgar as contas públicas?
Se ainda se espantar, certamente, achará o cúmulo do desrespeito à sociedade, tão combalidade pela alta carga tributária.
Vale indagar: será que sua excelência lançou mão da melhor hermenêutica sob à ótica da sociedade?!
Fica a pergunta como reflexão.
No mais, ainda que na UTI, entubada e em estágio terminal, a esperança subsiste, com olhos voltados ao julgamento do mérito do mandamus.
Por César Danilo Ribeiro de Novais, promotor de justiça - MPMT.
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