A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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15 de agosto de 2007

Estado Corrupto, múltiplas leis.


Na edição 2021 da revista Veja (15 de agosto de 2007), foi publicada a seguinte matéria:

“Frágil como papel” - A Justiça brasileira é incapaz de manter presos assassinos confessos e corruptos pegos em flagrante. Na origem da impunidade está a própria lei”. “A lógica da impunidade, no Brasil, independe da natureza do crime em questão. Tanto nos delitos de corrupção quanto nos chamados crimes do colarinho-branco e ainda nos que implicam violência contra a pessoa, como o homicídio, ela segue o mesmo roteiro: começa com a precariedade da investigação policial e continua na fase processual – quando entram em cena advogados contratados a peso de ouro não para atestar a inocência dos clientes, mas para protelar a todo custo seu julgamento [...]”.

A revista acertou em cheio. O problema processual penal no Brasil é crônico. São muitos. Já dissemos e alertamos muitas vezes. O nosso Código de Processo Penal vem de 1942, e, mesmo arcaico, idealizado e produzido para uma sociedade de 65 anos atrás, continua em vigência. A reforma processual penal é inadiável. É questão de segurança pública.

Sobre o baixíssimo índice de elucidação de crimes, os números e dados falam por si. Reproduzo outra parte da reportagem:

“Em relação ao trabalho da polícia, é sobretudo nos crimes violentos que ela mostra seu mais alto grau de ineficiência. Em capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, menos de 2% dos casos de homicídio apurados resultam na condenação do assassino. Em países como Japão e Inglaterra, esse índice chega a 90%”.

A fórmula da investigação precisa mudar no Brasil, e o MP (Ministério Público) tem que participar mais ativamente, ou realizar por si determinados casos, na via de mão da evolução do mundo. Mas isto precisa estar previsto expressamente no nosso Código de Processo Penal, para evitar —incríveis— posições contrárias.

Em relação aos processos penais, cite-se o doutrinador austríaco, Francisco Klein, (1854-1926), que notabilizou-se como codificador-metodologista. Foi autor das importantes obras: "Die Jurisdiktionsnorm" e "Zivilprozessordnung", de 1895; "Exekutionsordnung", de 1896; e "Gerichtsorganisationgesetz" e "Gewerbegerichtsgesetz", ambas de 1896"; o grande mérito de Klein foi descobrir as causas da lentidão processual e aplicar-lhes a solução adequada. Ele dizia que estas causas são principalmente três: A promoção de incidentes, a interposição de recursos, e as denominadas "etapas mortas", nas quais o processo fica esquecido nas prateleiras dos cartórios.

Existem ainda os intermináveis recursos, hábeas corpus e mandados de segurança apresentados pelos batalhões de advogados que os réus “peixes grandes” contratam, só mesmo um “juízo de avaliação preliminar” para que sejam todos autuados em autos apartados para serem decididos em eventual preliminar de recurso, ou previamente analisados em juízo de cabimento. Senão o processo não anda mesmo.

Especificamente em relação aos “habeas corpus”, que deveriam ser exceção, mas tornaram-se regra, estamos com Pontes de Miranda:

“Só os sofismas desabusados, a trica e o subjetivismo impenitente podem ver nas expressões “liberdade pessoal”, protegida pelo habeas-corpus, outro significado mais amplo que o de liberdade física. Em manter o seu conceito clássico são contestes, não somente os juristas inglêses de todos os tempos, como também os americanos, franceses e alemães”....

“Alguns publicistas, ao examinarem as instituições modernas, cotejando-as com as antigas, concluem pela extensão do conceito de liberdade pessoal, quando não foi isso absolutamente, o que se deu, e sim a aplicação dos mesmos institutos, em certo momento, não acastelados por eles, ou direitos outrora, ou ainda há pouco, tutelados insuficientemente. Entre nós, por exemplo, não foi a liberdade pessoal que se dilatou ali pelo segundo e terceiro decênios do século: foi o habeas-corpus abusivo que se estendeu, sob a oratória de homens políticos, a novos casos”.

“Liberdade pessoal, aí, é (e sempre será) a liberdade de locomoção, the power of locomotion, a liberdade física: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque”.

Enfim, “Estado Corrupto, múltiplas leis” Montesquieu em O Espírito das leis.

www. ultimainstancia.com.br - Autor: Marcelo Batlouni Mendroni é promotor de Justiça em São Paulo. Formado pela PUC-SP em 1987, é doutor pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha) em direito processual penal e pesquisador pós-doutorado pela Universidade de Bologna (Itália). Escreveu os livros Curso de Investigação Criminal, Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais e Crime de Lavagem de Dinheiro.

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