A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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8 de junho de 2007

Sociedade da decepção - a dura realidade


Maio chegou ao fim. E com ele alguns momentos que emocionaram este colunista. E os leitores que me desculpem, mas alguns fatos devem ser relatados: o primeiro deles é que este mês, em especial, é o responsável por grandes acontecimentos. Geralmente é o mês em que ocorrem casamentos com maiores freqüência, devido ao fato de ser conhecido como o mês das noivas.

Fora isto, temos o aniversário deste colunista, fato que não deveria ser mencionado e, tampouco, levado em conta, exceto ao fato de ter ganhado de presente o lançamento de meu terceiro livro: “Temas atuais do Direito Penal”. Fato também a ser desprezado, se neste mês ainda não tivesse tido o prazer e o requinte de ir ao coquetel do lançamento do livro de um grande escritor francês: Gilles Lipovetsky.

E todas estas digressões aparentemente sem a menor importância são os escopos que remontam para o arcabouço da discussão do lançamento da referida obra que inspirou o surgimento desta coluna: “A Sociedade da Decepção”.

Gilles proferiu uma palestra na qual apresentava do que se referia, e, como cheguei um pouco atrasado, não concatenei o começo do raciocínio. O autor afirma que a sociedade atual, baseada no consumo está fadada à decepção.

Ouvindo aquelas palavras comecei há refletir um pouco sobre a realidade que enfrentamos atualmente: uma sociedade erigida sob os ditames da globalização o que propiciou avanços e irreparáveis retrocessos à civilização.Um dos avanços é a quebra de fronteiras e com isso a mítica de que os reinos distantes são intransponíveis e inatingíveis. Entretanto, em concomitância se desenvolveu um novo fenômeno o do consumo.

É cada dia mais fácil adquirir bens de consumo advindos das mais variadas partes do globo. O que propicia uma tendência à banalização. Afinal, se não existem mais barreiras rígidas, e se pode comprar absolutamente qualquer coisa der qualquer lugar, alcançamos o estado ideal, não é mesmo?

Sobre esta digressão foi a que o autor falava quando cheguei. O quanto o sucesso contribui para um fracasso.

O ser humano é competitivo por natureza, e estabelece metas que reputa inatingíveis para serem obtidas e passa a persegui-las inabalavelmente.

Entretanto, o que ocorre quando se ultrapassa uma meta? A decepção de não haver nada mais além.

Este foi o sentimento que motivou uma das maiores promessas da natação a parar de competir, me refiro a Ian Thorpe. Um jovem que ganhou tudo que era possível a um atleta. Ao chegar ao posto máximo parou e se perguntou: e agora?

Resolveu ser apenas um jovem e aproveitar os sabores e dissabores inerentes à sua idade. Decepcionou-se por não ter um objetivo maior a alcançar.

O discurso não é novo e já ocorreu com outras personalidades: Michael Jordan, Pelé, Catalina Ponor etc. E, no esporte, os exemplos são mais fáceis de encontrar devido ao alto nível de exigência e competitividade.

Nesta esteira também temos as modelos: muitas páram com seus desfiles porque se consideram “velhas”, no auge de seus vinte e poucos anos.

Todavia, transmutando esse sentimento de competitividade para a nossa realidade estaríamos tão desconexos da verdade? Para meu espanto, descobri que não. As pessoas tendem a estabelecer metas disparadas, quase foram da realidade, justamente para não se deparem com a decepção.

Por isso, para uma mulher é muito mais difícil atingir uma meta de ser uma modelo do que se sentir “apenas” bonita. Porque se assim o for, onde estará o prazer? Ser amada por seu marido, filhos é ótimo, mas não seria ideal ser, além disso, a melhor e mais bela de todas?

Confesso que no início considerei esses ideais um pouco extremados, mas numa análise mais intimista, este extremo é muito mais presente em nosso cotidiano do que poderíamos aventar.

Quantas vezes um funcionário não deseja ter o cargo do chefe, porque deseja mudar uma estrutura e expor suas idéias, e, quando finalmente consegue, às vezes, é pior do que seu antecessor.

O ser humano estipula metas para si próprio, sem perceber, ou se importar, de fato. Por isso as celebridades são içadas à condição de ídolos inatingíveis. Quando, na verdade, são tão ou mais humanos quanto qualquer outra pessoa.

E, ao terem seus erros expostos aos fãs existe um sentimento de desaprovação, mas ao mesmo tempo, insuficiente para exterminar a idolatria.

Michael Jackson é um outro bom exemplo: esta celebridade teve sua reputação seriamente maculada quando de seu julgamento por pedofilia, fora todas as outras esquisitices que acercam esta excêntrica personalidade.

O cantor foi absolvido, mas a ironia é que o mesmo receberá um cachê de US$ 7 milhões, apenas para aparecer numa festa...infantil...e a pedido do aniversariante...fã do cantor.

Confesso que esta coluna me pareceu um tanto quanto sem sentido, mas numa sociedade como a nossa, na qual, a exigência por uma repressão penal é cada vez maior, e, a redução de crimes cada vez menor, me pergunto, se o sentimento de impunidade que tanto impera no imaginário da cultura brasileira não é, na verdade, decepção.

Gilles Lipovetsky está certo. Não é impunidade que ronda os brasileiros, é decepção. Por tanta corrupção, violência, e, até mesmo impunidade. Em concomitância, o único sentimento que poderia acalentar um pouco a alma destas pessoas se encontra ainda mais abalado: a fé.

Como refutar tal pensamento, se o maior país católico do mundo tem de presenciar vossa santidade pregar dogmas como o casamento virgem, o não uso de camisinha, e outros dogmas tão antigos quanto à própria igreja?

E o pior pensamentos advindos de um papa que era tido como o arrebatador do rebanho. O responsável pela reafirmação da igreja católica. Nem isso mais o cidadão comum têm certeza. Como negar uma decepção?

Ou pior: como negar uma decepção globalizada? Por isso os céticos e os críticos constantes com os defensores dos direitos humanos tendem a se sentir cada dia mais forte. A decepção está a nossa frente. E o que podemos fazer para derrotá-la? Gilles não disse. A globalização também não. Eu ainda não tenho essa resposta. E você?

Tenho uns exemplos: Michael Jordan, George Foreman e Silvester Stallone, ao insistir em interpretar seu maior sucesso décadas depois: Rocky Balboa. Homens ricos, que ganharam tudo e retornaram, e por quê? Por não aceitarem a decepção e se imporem uma vez mais o desafio.

Por Antonio Baptista Gonçalves, advogado do escritório Gonçalves Advogados Associados, em São Paulo. Bacharel em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduado em direito penal econômico na FGV, é também membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM e da Associação Internacional de Direito Penal - AIDP. www.ultimainstancia.com.br - 7 de junho de 2007

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