A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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26 de junho de 2007

Crime improvável contra uma vítima 'sem interesse'


Aconteceu no Rio de Janeiro. Seria apenas mais um crime. Mas um inusitado detalhe o transformou num crime atípico. Cinco criminosos bem-nascidos, jovens universitários, atentaram contra uma empregada doméstica. Crime espantoso. Contra uma vítima que não costuma despertar o menor interesse.

Sirley Dias Carvalho Pinto, 32, estava no ponto de ônibus. Aguardava a condução que a levaria para uma consulta médica. Súbito, foi apresentada ao horror ilógico de um espancamento improvável, seguido de um assalto desnecessário. Sinais eloqüentes de uma sociedade em decomposição.

Sirley, agora, merece toda a atenção de um país inteiro. Sob pena de o Brasil emitir um novo atestado de sua própria inviabilidade. Quatro dos cinco criminosos já foram à garra. O pai de um deles, consternado, diz que, a despeito do erro, não merecem ficar atrás das grades. Têm a universidade, os empregos e uma vida por viver.

O pai de Sirley, igualmente consternado, pensa diferente. Diz que as famílias abastadas oferecem liberdade e mordomia aos seus filhos, mas não se preocupam com o que eles fazem além da porta de seus confortáveis lares. Advoga a punição devida. Encarna a figura do humilde que tem muito a ensinar ao bacana (assista aqui).



Um comentário:

Anônimo disse...

Quando se trata de Pobre, Preto, Prostituta, tudo vale no país da classe média fascista. Vale espancar, roubar, agredir a honra (aliás, quem disse que para os moçoilos e seus papais existe honra em pobre? Para eles, honra é privilégio de quem tem status, não é mesmo?). Tanto é verdade, ficamos sabendo, que o doce de coco que espancou covardemente uma pessoa frágil (que se dirigia ao médico) "tem caráter, estuda". E, lógico, não pode ser misturado aos "bandidos", pois certamente será estuprado na prisão, para falar o mínimo. Tem caráter....tem caráter...tem caráter...a frase bate na consciência filosófica como uma tapa : caráter é um dos elementos essenciais da moral kantiana. Depois, no século 20, foi analisado por E. Mounier (O Tratado do Caráter) e finalmente exposto, na sua crueza, por Richard Sennet: A Corrosão do Caráter.

Na verdade, a coisa é mais comezinha e brutal. Tenho um amigo sociólogo e economista de primeira plana que me disse, tempos atrás, depois de mesa redonda que partilhamos: o certo é que a classe média brasileira, ou o que se entendia por ela (trata-se de conceito difícil, em todos os sentidos, mas a realidade empírica é patente), com o modelo de desenvolvimento econômico (?) dos últimos tempos, desde pelo menos o final do governo militar, está perdendo as gorduras, acumuladas na era do Estado forte e do Brasil pequeno em termos urbanos. Quem tinha "gorduras" (casa, apartamento, casa de praia, terrenos, poupanças, etc. ) na classe média, as está gastando rápido devido ao desemprego, à veloz modificação tecnológica com padrões de consumo exigentes (não mais se trata de comprar eletrodomésticos americanos, como na era Dutra, mas de objetos caros e que dão visibilidade), modas, restaurantes, tudo acima do nível das entradas mensais. Os pais se penduram em dívidas, ficam desempregados e imaginam manter as aparências a todo custo. A todo custo. Os filhotes, todos com muito caráter, de compradores das drogas passam, muito rápido, a vendedores. partilhando o destino dos "sem caráter ou estudo". Note-se que os bonitinhos agrediram PARA ROUBAR. E quem rouba, nestas condições, é porque não tem dinheiro para pagar as suas necessidades, sejam elas físicas ou imaginárias. Enfim, os docinhos de coco são entes duplos: de classe média, estudam e podem ter acesso às benesses sociais, políticas, econômicas. Eles ainda não descobriram o filão petista, por enquanto aberto apenas aos "companheiros". Mas há um encontro no meio do rio, das águas: os "companheiros", também à mingua de recursos lícitos, aceitam jipes presenteados, pegam milhões de empréstimos sigilosos, etc. Tornam-se ilegais e seguem à margem dos procedimentos visíveis e justificáveis. Os moçoilos da classe média assumem a ilegalidade para cobrir um modus vivendi acima dos padrões do contra cheque de papai ou mamãe: a roupa de marca é cara, os carros mais ainda, a TV, os restaurantes, as namoradas, etc. Alguém paga a conta, pois como dizem os norte-americanos, sábios em muitas coisas que ignoramos, não existe almoço grátis. E a sugestão do papai, para que as drogas sejam legalizadas? É possível assumir várias atitudes em relação ao problema. O argumento Ad hoc do genitor magnânimo é evidente. O filhotinho deve ser tratado como doente, não como criminoso. Ah! O mesmo papai diz, ele é "uma criança". Se é criança, o que fazia ele, altas horas da noite, embriagado em companhia de seus iguais? Papai estava nanando? Que sono pesado!

Em todo caso de violência, roubo, etc. é importante usar a misericórdia. Não desejo que os rapagões torturadores sejam torturados no xilindró. Desejo acreditar que estejam de fato arrependidos. Quero o seu retorno ao trato civil, sobretudo em se tratando do que estuda DIREITO. Mas a entrevista de papai mostra a origem dos males. É sempre o raciocínio dos que vivem nos porões da Casa Grande: disciplina? Só para os de baixo. Prisões? Só para os de baixo. Respeito? Só para os que "não têm caráter".

Onde estão os que botaram fogo no indio Galdino? Coitadinhos! A notoriedade sumiu, absolvendo o seu ato.

Isto é Brasil. Isto é fascismo. Isto é falta de lei e de efetiva democracia.

No mesmo dia, na mesma edição de jornal (Folha de São Paulo), os que seguem os preceitos democráticos podem ler as seguntes frases, dignas de um país com tradição ditatorial (no século 20, sofremos sob duas ditaduras, é bom lembrar), pronunciadas por alguém que deveria zelar pelo Estado de Direito, mas que não faz por seguir ordens do "governo companheiro" :" A privacidade é garantida na Constituição, como também há garantias constitucionais para a vida, o patrimônio público e pessoal. Não há valores absolutos quando estão em questão interesses sociais" (Paulo Lacerda).

Atenção! Alerta! Com tal pensamento jurídico, logo os "interesses sociais" determinarão quem merece, ou a quem deve ser negada as garantias da Lei. Os jornalistas que servem como linha auxiliar de semelhantes procedimentos, leiam alguns volumes das histórias "revolucionárias" (de esquerda ou direita). Os que operam como linha auxiliar são os primeiros a serem fuzilados. E bem merecem tal sorte.

Roberto Romano

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)