A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



Pesquisar Acervo do Blog

6 de junho de 2007

A Coruja e a Águia [ 1 ]


“Conta uma fábula portuguesa que a coruja encontrou a águia e lhe disse:

– Oh, águia, se vires uns passarinhos muito lindos num ninho, com uns biquinhos muito bem-feitos, olha lá, não os coma, que são os meus filhos!

A águia, que lhe prometeu não os comer, encontrou numa árvore um ninho e comeu todos os filhotes. Quando a coruja chegou e viu que lhe tinham comido os filhos, foi ter com a águia, muito aflita:

– Oh, águia, tu foste-me falsa, porque prometeste que não me comias meus filhinhos, e mataste-os todos!

Respondeu a águia:

– Eu encontrei uns pássaros pequenos num ninho, todos depenados, sem bico e com os olhos tapados, e comi-os. Como tu me disseste que os teus filhos eram muito lindos e tinham os biquinhos bem-feitos, entendi que não eram esses.

– Pois eram esses mesmos. – disse a coruja.

– Então queixa-te de ti, que me enganaste com a tua cegueira. – respondeu a águia.”[2]

A partir dessa conhecida fábula portuguesa, podemos fazer uma reflexão sobre a responsabilidade da mãe ao exercer o seu papel de educadora e, principalmente, formadora do caráter de seus filhos.

O autor, de certa forma, procura redimir a cegueira de que é tomada a “mãe coruja” da fábula e tão facilmente identificada em qualquer tempo e em qualquer meio. Para os olhos da mãe, o seu filho é alguém especialmente belo, particularmente caro, extensão do seu próprio corpo, do seu próprio eu – seu anelo maior e natural, transformado em ser concreto, humano e, como tal, imperfeito.

Sob a ótica da mãe, consciente da individualidade de seu filho como pessoa, o seu papel fundamental consiste em estar pronta, disponível, atenta, convicta de que deve ajudar o seu filho, sem coerção nem complacência extremadas, a amadurecer no compromisso, à medida que se realiza como homem ou mulher.

Em vez de “proteger camuflando”, como faz a coruja, prepara o seu filho para ir além de si mesmo, a fim de realizar a sua “aspiração de totalidade”[3]. Do contrário, estará prejudicando-o, assim como a coruja, que, com a mentira, indiretamente, causou a morte dos seus filhotes no ninho. Como condenar a águia se, enganada, atacou os pequenos seres?

O homem, como o passarinho, nasce imperfeito e dependente. É “lançado ao mundo”[4] e necessita dos cuidados do adulto que dele toma conta. Ao adulto, responsável pela iniciação do homem na vida, cabe reconhecê-lo como realidade inacabada, incompleta, tendendo naturalmente para a própria realização, completude e autonomia.

[1] Texto de autoria desconhecida. Alterei a redação em alguns trechos.

[2] Consta que dessa fábula surgiu a expressão “mãe coruja”.

[3] LAPASSADE, G. L’entrée dans la vie: essai sur l’inachèvement de l’homme. 3. ed. Paris: Minuit, 1969. p. 38-39.

[4] HEIDEGGER, M. El ser y el tiempo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1951.

Como citar este artigo: JESUS, Damásio de. A coruja e a águia. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jun. 2007. Disponível em: <http://www.damasio.com.br/>

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Atuação

Atuação

Você sabia?

Você sabia?

Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)