A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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14 de maio de 2007

Um ano da crise de maio: nada mudou


Um ano após a maior crise já vivida no país, acontecida entre maio e agosto de 2006 no Estado de São Paulo, praticamente nada mudou na área da segurança pública, poucos avanços foram realizados e melhorias que, a médio e longo prazo, poderiam minimizar o risco de novas crises não foram alcançadas.

É reveladora a inércia, a resistência a alterações no funcionamento dos aparatos de segurança pública, Justiça criminal e administração penitenciária mesmo depois das mudanças de governo em 2007.

Disso resultam duas conclusões trágicas. 1) Para as autoridades, não se muda porque não há necessidade. Polícia, prisão e Justiça funcionam com problemas, mas a contento. Não se reconhece, portanto, a contribuição de cada uma delas na geração das crises na área de segurança. 2) Sem mudanças, os detonadores da crise de 2006 continuam em seus lugares.

O balanço das ações é modesto. Em 2007, o governador José Serra manteve Antônio Ferreira Pinto na Secretaria da Administração Penitenciária e nomeou Ronaldo Marzagão para a Segurança Pública. Nomeou Luiz Antonio Marrey para a Justiça e Defesa da Cidadania e criou o Conselho de Governo de Justiça e Segurança, integrado pelos três secretários, vice-governador, chefe da Casa Civil e secretários da Fazenda e da Economia e Planejamento.

Na Segurança Pública, as principais ações foram: a criação de um centro integrado de inteligência no gabinete do secretário, a continuidade das Operações de Saturação por Tropas Especiais e o início de uma articulação com organizações da sociedade civil, municipais e internacionais visando auxiliar e dar continuidade às operações de saturação por meio de ações sociais.

Em 29/3/2007, o presidente da República sancionou duas leis aprovadas às pressas pelo Congresso. A primeira tipificou como falta disciplinar grave do preso e crime do agente público o porte e o uso de telefones celulares e radiocomunicadores nas prisões. A segunda restringiu os direitos dos autores de "crimes hediondos", dando a eles o benefício de progressão de pena e liberdade provisória apenas depois de cumpridos 40% da pena, se primários, e 60%, se reincidentes.

Os órgãos de segurança e as autoridades políticas parecem não reconhecer os principais problemas na área da segurança pública. Para conter e prevenir a emergência de novas crises, propuseram cardápios de medidas pontuais visando o endurecimento da legislação penal e penitenciária, absolutamente incapazes de desmobilizar e desorganizar grupos criminosos dentro e fora das prisões.

O governo federal, além de apoiar o endurecimento da legislação penal e penitenciária, ofereceu ao governo estadual recursos financeiros e tropas do Exército e da Força Nacional para apoiar as polícias estaduais.

A crise foi controlada, segundo as autoridades. Mas não se pode deixar de considerar que há uma mudança de estratégia por parte do principal grupo criminoso que atua nas prisões de São Paulo, mandando milhares de cartas para autoridades e ONGs com denúncias relativas às condições de encarceramento e não comparecendo a audiências nos fóruns.

Porém, persistem problemas estruturais que criam condições para novas crises: o número de presos cresce, as condições de encarceramento se deterioram (centros de detenção provisória com capacidade para 800 presos abrigam 2.000), o número de funcionários é insuficiente -o que deixa praticamente intacto o poder que os grupos organizados têm sobre os presos- e as iniciativas de enfrentamento à corrupção e às ilegalidades praticadas por funcionários são mínimas. Elementos subjacentes à crise de 2006, também presentes na de 2001, quando ocorreu a megarrebelião nas prisões paulistas, não foram devidamente avaliados para a adoção de políticas de médio e curto prazo:

1) resistências a reformas democratizantes e inovações na gestão das políticas de segurança pública, criminal e penitenciária que contribuem para manter um déficit de transparência na administração pública e de responsabilização de agentes públicos;

2) aumento do crime organizado;

3) crescimento da população prisional superior ao aumento do número de vagas e da capacidade de gestão do sistema penitenciário;

4) aumento da corrupção e da violência por parte de agentes públicos;

5) limitada mobilização da sociedade civil, do Ministério Público e do Poder Judiciário. A busca de respostas efetivas e articuladas a tais problemas poderia contribuir não só para evitar a eclosão de novas crises mas também para melhorar a segurança pública no Estado.

Por PAULO DE MESQUITA NETO, 45, doutor em ciência política pela Universidade de Colúmbia (EUA), é coordenador da área de Monitoramento de Direitos Humanos do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da USP); e FERNANDO SALLA, sociólogo, doutor em sociologia pela USP, é pesquisador sênior do NEV-USP, Folha de São Paulo - 13/05/07.

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