A pernambucana Tathiana Barros faz parte do grupo das pessoas hiperativas, aquelas que quase nunca relaxam. Aos 29 anos, se acostumou a andar na corda bamba dos desafios. O corpo magro, firme, quase franzino, esconde a força de uma mulher que se dedica, quase que 24 horas, ao combate à criminalidade. Delegada da Polícia Federal no Recife dos 24 aos 28 anos, ela combatia a prostituição infantil e o turismo sexual. Hoje, promotora de Justiça, enfrenta o crime no polígono da maconha, uma das regiões mais violentas do país.
A alma inquieta da moça foi o que a fez prestar – e passar – um dos concursos públicos mais concorridos de Pernambuco, o da promotoria de Justiça. A empreitada, no entanto, teve seu preço. De cara, ela teve de abrir mão do dia-a-dia com a família. De segunda a sexta-feira, deixa em casa Eduardo, o marido, e o pequeno Marcelo, que acabou de completar 3 anos. A saudade aperta o peito. “Sinto falta do baby, bem mais do que de Eduardo”, entrega. Coisa de mulher que preferiu a dor do parto normal à moda das cesarianas.
O trabalho de Tathiana é um baita de um abacaxi. Poderia ter recusado, mas diz que estava preparada para o desafio. Assumiu a Promotoria de Justiça da Comarca de Floresta, cidadezinha encravada bem no coração do polígono da maconha – região formada por dezenas de outros pequenos municípios do sertão pernambucano, quase todos às margens do rio São Francisco. Terra sem lei, conhecida zona de alta produção da erva cannabis. Entre 1997 e 1998, Floresta chegou a conquistar o título de município mais violento de Pernambuco. Hoje, perdeu posição no ranking, mas está longe de se ver livre da barbárie. Ali, fazer justiça é tarefa para poucos.
Por conta da impunidade, ninguém quer ir para Floresta. Ameaças fizeram o antecessor de Tathiana desistir. E ela, pouco depois de assumir o novo cargo, já teve uma experiência pra lá de emocionante. Nunca vai esquecer aquele 27 de setembro de 2006, uma terça feira de manhã em que tudo parecia normal e rotineiro. Apenas uma audiência com um acusado de homicídio trazia algum movimento ao fórum. Raimundo da Silva tinha sido preso em flagrante depois de matar a sangue frio dois primos de Klayton Feitosa, um jovem de 23 anos que, a todo custo, queria vingança. Determinado, Feitosa pegou seu revólver 38 e foi ao fórum esperar por Raimundo. Quando viu a escolta de policiais conduzindo o prisioneiro, percebeu que era hora de agir. A curta distância, quase à queima roupa, disparou três vezes. Dois tiros acertaram o alvo, no ombro. Klayton, dando o serviço como resolvido, entregou calmamente a arma a um dos policiais e disse: “Podem me prender”. A imagem, digna de faroeste, é vida real. Depois dessa, Tathiana pediu proteção especial ao Estado. Mas a vida não pára. E seu filho sabe disso, principalmente quando pede: “Mainha, não vá para Floresta, não. Lá é muito perigoso”. Ele ainda não percebe, mas esquarteja o coração da mãe. Alegria na sexta, saudade a partir de segunda feira. Toda semana é assim. A tal Floresta fica a 450 quilômetros do Recife, bem longe da praia, da família e dos amigos.
Uma pistola na cintura e um PM ao lado
Tathiana vence as distâncias de carro. No começo, ia armada e sozinha. Continua andando com a arma, mas agora na companhia do soldado da PM José de Ribamar, que sempre viaja ao lado e faz sua segurança com um 38 e uma pistola na cintura. Nas mãos, escopeta calibre 12. E, ao lado, uma mulher que sempre dirige nas BRs 232, 428 e na PE-360, que cortam o polígono da maconha e são sinônimos de perigo. Nessas estradas, assaltos são constantes, quase diários, assim como acidentes. “Não sei o que é mais perigoso, os bandidos ou os jumentos”, brinca a promotora. Como se não bastassem os crimes, jegues camicases estão por toda parte e também são ameaça. Pastam à beira da estrada e quase sempre se assustam com os carros que cruzam as estradas. Bater a 100 quilômetros por hora num animal com mais de 300 quilos quase sempre é fatal. Então, é preciso atenção redobrada.Durante a semana, Tathiana mora na única hospedagem da cidade, o barato e simples hotel Floresta. À noite, o PM Ribamar precisa descansar, por isso é substituído por outros dois, que fazem a guarda noturna. Tathiana não se incomoda com a falta de privacidade. “Isso faz parte do meu trabalho”, explica. “Pior seria se não pudesse contar com proteção.”
Mulher sem muita vaidade, Tathiana vai ao cabeleireiro no máximo três vezes por ano, não pinta as unhas, não gasta dinheiro com cremes nem gosta de roupas caras. O corpo torneado é resultado da obsessão pelos esportes. Do tempo da Polícia Federal guarda medalhas de atletismo, natação, vôlei e basquete. É também campeã brasileira de tiro. Nunca atirou para se defender, apenas por esporte. “Mas se precisar...” Apesar de ralar na promotoria – chega a passar mais de 12 horas por dia horas no gabinete –, ela sempre encontra tempo para malhar na única e “fulêra” academia de Floresta. Diariamente, se acaba em exercícios de aeróbica, power fight, step e boxe.
Durante os quatro dias em que esteve com a reportagem da Tpm , Tathiana tentou passar uma imagem de fortaleza. Quase sempre conseguiu, mas bastava a conversa mudar o rumo e cair para a vida pessoal que a muralha se mostrava mais frágil. Tímida, ela contou que o marido foi seu único homem – e que se casou virgem, aos 22 anos. Assumiu ser tradicional, dessas “que nunca praticaram nenhuma excentricidade sexual”. Tem uma bela família, sucesso profissional, um bom salário, mas não se sente realizada. Diz que uma espécie de vazio a incomoda. “Quase sempre realizo meus desejos, mas mesmo assim, pouco depois, bate uma frustração. Será que toda mulher é assim?”, questiona ela, que nunca fez análise, adora tomar uma cervejinha com os amigos e jamais usou outras drogas. Uma boa – e corajosa – menina. “Não sou destemida. O que tenho é coragem.”
_______________
Revista TPM - n.º 64
Um comentário:
quanto terrorismo...
recife é um paraíso, volta pra lá
muita falta de respeito com a cidade
Postar um comentário