A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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17 de abril de 2007

Ministério Público e desafios da proteção aos direitos humanos da mulher


Os direitos humanos pertencem a todos nós e por isso são considerados universais e inalienáveis. Estes direitos já não podem ser vistos pela nossa sociedade e, principalmente pelos operadores do direito, como “direito de presos” ou “criminosos”. O conteúdo dos direitos humanos é bem mais amplo, pois inclui uma grande variedade de áreas, como o direito das pessoas com deficiência, dos idosos, dos índios, das crianças, dentre outros.

O Ministério Público é órgão indispensável ao sistema internacional e nacional de proteção aos direitos humanos. Uma das áreas vitais na atuação ministerial consiste na defesa dos direitos humanos das mulheres. No plano do direito internacional, existem diversos instrumentos que são úteis para o desenvolvimento e proteção dos direitos humanos das mulheres, como os acordos, os tratados, os protocolos, as resoluções e os estatutos. Estes instrumentos foram desenvolvidos com o passar dos anos, destacando-se, na proteção dos direitos humanos das mulheres: a Carta das Nações Unidas (1945); a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979); a Declaração de Viena (1993); a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993); a Convenção de Belém do Pará (1995); a Declaração de Beijing (1995) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (2002).

O sistema internacional de direitos das mulheres necessita de muito aprimoramento. De fato, a existência de um conjunto de normas, não vem impedindo que mulheres do mundo todo continuem sendo constantes vítimas de violações destes direitos. No Brasil, estima-se que, de cada cem mulheres, 15 já foram vítimas de algum tipo de violência doméstica (os dados são da pesquisa de opinião do DataSenado, 2007). Atos violentos que afetam principalmente mulheres são muitos e representam uma grave forma de discriminação contra a mulher, como a mutilação genital, homicídio passional, violência contra as mulheres nos presídios, violência contra as mulheres em decorrência de conflitos armados e tráfico de mulheres para prostituição. Este último (tráfico de mulheres) é de particular relevância e interesse para o Brasil.

Alguns países têm progredido no combate à violência contra as mulheres. Por exemplo, na Austrália, atualmente o governo federal lançou campanha educativa que tem como slogan: “Violência contra as Mulheres — Austrália diz não”. A educação, sem dúvida, deve ser um dos pilares na construção de políticas públicas para as mulheres, em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil. Atualmente, o debate em torno da questão dos direitos das mulheres ganhou espaço na sociedade, em razão da Lei Maria da Penha. Esta surgiu, inclusive, fruto de pressão social, nacional e internacional, após a condenação do Brasil pela comissão interamericana de direitos humanos pela violação das obrigações referentes à prevenção da violência contra mulher, especialmente a violência doméstica. A decisão teve como fundamento jurídico a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Previnir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher). Os fatos consistiram no seguinte: Maria da Penha foi constantemente agredida por seu marido, durante vários anos, tendo ficado paraplégica, em razão das lesões, sem que o acusado sofresse a condenação definitiva e a vítima recebesse eventual compensação. A comissão recomendou ao Estado brasileiro que adotasse medidas no plano nacional para eliminar tolerância pelo Estado de atos de violência doméstica. No entanto, com a nova legislação, os maiores desafios dos promotores de Justiça e demais profissionais do direito (advogados, juízes, assistentes sociais, psicólogos...) consiste em trabalhar pela racionalização e modernização da justiça, para que novos casos similares ao de Maria da Penha não se repitam, enfrentando a impunidade e aperfeiçoando o sistema.

No âmbito nacional, no início de 2007, o Ministério Público do Estado de São Paulo saiu na frente. Ciente de sua importância como instituição e dos seus poderes na tutela dos direitos humanos das mulheres, membros do Ministério Público paulista reuniram-se com diversos setores da sociedade civil e autoridades, para debater a lei Maria da Penha. Sem dúvida, o debate é um forte aliado para dar efetividade à nova legislação.

O Brasil ratificou a maioria dos instrumentos de proteção à mulher. As obrigações assumidas pelo Brasil, por meio de tratados internacionais, devem servir de guia para a atuação dos promotores de Justiça. Os critérios estabelecidos pelas decisões das comissões internacionais são importantes para as seguintes finalidades:

1) gerar debates internos acerca do sistema jurídico e apontar as falhas;

2) estimular o desenvolvimento de novas políticas públicas preventivas;

3) inspirar a criação de novas leis, como por exemplo, a Lei Maria da Penha.

Em que pese algumas críticas justas formuladas por juristas brasileiros, a Lei 11.340/06 (Maria da Penha) representa um avanço na proteção das mulheres vítimas de violência. A batalha para o desenvolvimento dos direitos humanos das mulheres no Brasil necessita de um melhor aparelhamento do Ministério Público, do Poder Judiciário e da polícia, bem como planos de ações conjuntos entre os diversos órgãos do governo.

O promotor de Justiça deve agir de forma correta, transparente, e em consonância com os direitos humanos que asseguram, inclusive, o dever de fiscalizar, realizar a investigação ou propor a ação penal de forma regrada, justa e sem provas ilegais. O respeito aos direitos humanos nos protege a todos nós enquanto cidadãos. O Brasil firmou seus compromissos, cabe a população cobrar dos órgãos públicos o cumprimento dessas obrigações. Além disso, incumbe aos operadores do direito reconhecerem as nossas falhas e trabalhar no sentido de superá-las.

Cumpre, por fim, lembrar que o terceiro objetivo do milênio traçado pelo Programa Nacional das Nações Unidas consiste em “promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres”. Nos resta torcer para que o nosso país busque o desenvolvimento de políticas públicas sérias e de normas de proteção à mulher, assegurando igualdade entre os sexos. Os profissionais do direito, inclusive os promotores de Justiça, devem atentar a quaisquer sinais de violação destes direitos, seja por parte do Estado, de seus agentes, de setores da sociedade privada, de grupos de pessoas ou de um indivíduo e agir com firmeza, utilizando-se da legislação nacional e dos instrumentos internacionais. As mulheres, homens e crianças do nosso país têm o direito de viver e crescer livres, respeitando-se aquelas responsáveis pela criação da vida. A luta pela defesa dos direitos humanos das mulheres não é tarefa das “feministas”, mas deve engajar também os homens, pois todos merecem viver numa sociedade mais justa, harmônica, igual e sem discriminação.

Por Fabiana Dal’Mas Rocha Paes, promotora de Justiça de Porto Feliz, associada do Movimento do Ministério Público Democrático e doutoranda na Universidade de New South Wales, Sidney (Austrália) - www.ultimainstancia.com.br

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