Teleologia do Tribunal do Júri
O
Tribunal do Júri ocupa um lugar singular no Sistema de Justiça, especialmente
em sua relação com a vida humana, que é teleológica, ou seja, orientada por uma
finalidade intrínseca de proteção e valorização desse bem jurídico supremo.
Essa teleologia — esse fim último — norteia a própria razão de ser do Júri,
concebido constitucionalmente como o juiz natural dos “crimes de morte” (art.
5º, XXXVIII, “d”, CF) e a instituição responsável pela tutela jurisdicional penal da vida
humana. Vale dizer, trata-se de mandado constitucional expresso de jurisdição popular no caso de conduta dolosa contra o direito de viver.
O
que caracteriza essa relação é o reconhecimento da vida como um valor intangível,
cuja proteção demanda a máxima expressão da jurisdição penal. A proteção
integral da vida humana é imperativo moral e constitucional. A teleologia do
Tribunal do Júri não está apenas em julgar o ato em si, mas em reafirmar o
valor da vida como fundamento da ordem jurídica e da própria sociedade, em um Estado
Civilizado. É uma resposta social, articulada na figura de um Corpo de Jurados,
aos ataques que atentam contra a existência de um ser humano, dando voz, vez e poder
ao cidadão comum no papel de guardião da vida.
Ao
atribuir ao Tribunal do Júri a competência para julgar tais crimes, o
ordenamento jurídico confirma a ideia de que a vida humana é o bem mais
precioso, e sua violação exige um julgamento especial, onde a soberania dos
veredictos dos jurados simboliza o próprio peso e a responsabilidade que a
sociedade atribui à questão. A teleologia do Júri, assim, vai além da mera
aplicação da lei; ela busca restaurar, por meio do julgamento, o valor que foi
violado, reforçando que a vida é um direito que deve ser preservado com absoluta
prioridade e que a norma “não matarás” está plenamente vigente.
Além
disso, o Tribunal do Júri atua com função pedagógica e preventiva, transmitindo
à sociedade uma mensagem clara: crimes contra a vida humana não serão tolerados
e merecem uma resposta firme e decidida, reafirmando o pacto civilizatório de
respeito à vida. Em sua missão teleológica, o Júri encarna a defesa e a
reverência pela vida, estabelecendo-se não apenas como uma instância de
julgamento, mas como um símbolo de compromisso com a dignidade humana e com o direito
de cada indivíduo a existir.
Em última análise, o Tribunal do Júri não é apenas uma instância de julgamento e direito individual do acusado; ele é a voz da sociedade em seu compromisso mais profundo e intransigente com a vida humana. Repita-se: consiste em instituição responsável pela tutela jurisdicional penal da vida. Ao entregar a decisão final ao cidadão comum, ele resgata a ideia de que a vida é um valor absoluto, cuja violação exige uma resposta popular, solene e soberana. No Tribunal do Júri, não é apenas o acusado que está em julgamento, mas a própria essência de nossa humanidade. Cada veredicto proferido pelos jurados é um ato de resistência da sociedade contra a barbárie, que reafirma, com soberania e clareza, que a vida é inviolável e sua defesa e proteção devem ser prioridade absoluta em um Estado minimamente civilizado.
Por
César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor
do livro “A Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.