A evolução dos direitos fundamentais
pode ser analisada a partir da classificação em gerações apresentada por Karel
Vasak em conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de
Estrasburgo, na França em 1979. Ele se inspirou no lema da Revolução
Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade, correlacionando as três gerações dos direitos com os valores simbolizados na bandeira francesa:
o azul para a liberdade (primeira geração), o branco para a igualdade (segunda
geração) e o vermelho para a fraternidade (terceira geração). Cada geração
surge para atender a demandas históricas e sociais específicas, sem deixar de
complementar e fortalecer as anteriores.
No clássico A Era dos Direitos, Norberto Bobbio ensina que os Direitos Humanos são construções históricas que evoluem e se modificam ao longo do tempo, adaptando-se às necessidades dos povos e das épocas. Eles não surgiram de uma vez, mas foram moldados por circunstâncias históricas e podem ser continuamente ampliados e ressignificados.
Se bem examinado, percebe-se que o Tribunal do Júri, por sua vez, reflete essa evolução, abrangendo a proteção individual do acusado, a participação democrática da sociedade na justiça e a garantia do direito à vida, alinhando-se com os princípios que permeiam essas três gerações de direitos fundamentais.
Na primeira geração, o Tribunal do
Júri representa uma garantia individual do acusado. O direito de ser julgado
por seus pares remonta à Carta Magna de 1215, que consagrou o princípio do
julgamento justo e o devido processo legal, assegurando que as decisões sobre a
liberdade individual fossem tomadas por cidadãos comuns. Esse direito reflete a
ideia de liberdade, permitindo que o acusado tenha um julgamento justo e
equilibrado, livre de arbitrariedades. O Júri, nesse contexto, funciona como um
importante escudo contra abusos do poder estatal, resguardando a liberdade
individual e garantindo que a própria sociedade delibere sobre a condenação ou inocência do réu.
A segunda geração dos
direitos fundamentais, focada na igualdade, encontra sua expressão no Tribunal
do Júri por meio da participação do povo na administração da justiça. A figura
dos jurados, cidadãos escolhidos para atuar como juízes de fato, representa a
democratização do sistema de justiça, onde todos têm o direito de participar,
refletindo o princípio de igualdade. Essa dimensão social do Júri legitima o
processo, promovendo a inclusão e a cidadania ativa, ao permitir que o povo
exerça diretamente o papel de garantidor do direito, participando do julgamento
e da decisão sobre os fatos. O Tribunal do Júri, assim, vai além de uma
proteção individual, promovendo a justiça como um valor compartilhado e um
exercício democrático.
A terceira geração dos direitos, associada à fraternidade e aos direitos de solidariedade, é refletida no Tribunal do Júri através da proteção do bem jurídico mais precioso: a vida. Como juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, o Júri se torna essencial para a defesa da paz social e a promoção da justiça, garantindo que aqueles que atentam contra a vida sejam responsabilizados. Nessa dimensão, a instituição não apenas previne a violência, mas também atua como um catalisador para a resolução de conflitos e a manutenção da coesão social. O Tribunal do Júri se consolida, assim, como uma instituição de tutela jurisdicional penal da vida, garantindo que as decisões sejam proferidas com base no compromisso com a proteção do ser humano.
A Constituição Federal brasileira
reflete essa tríplice dimensão de garantias inerentes ao Tribunal do Júri. De
forma clara, consagra três pilares fundamentais: 1) o direito do acusado de ser
julgado por seus pares, reafirmando o princípio da liberdade e do devido
processo legal; 2) a participação democrática da sociedade na administração da
justiça, por meio dos jurados, reforçando a igualdade e a inclusão; e 3) a
garantia do direito à vida, já que o Tribunal do Júri é o juiz natural dos
crimes dolosos contra a vida, responsável pela tutela jurisdicional penal da
vida humana. Dessa forma, a Constituição consagra o Tribunal do Júri como um
mecanismo essencial para a proteção dos direitos fundamentais, equilibrando a
defesa do indivíduo, o exercício democrático e a preservação do bem jurídico
mais valioso.
Portanto, o Tribunal do Júri percorre
as três gerações dos direitos fundamentais, adaptando-se às mudanças históricas
e sociais para desempenhar um papel essencial na tutela dos direitos humanos.
Essa evolução evidencia sua função não apenas na proteção individual, mas
também na promoção de uma justiça democrática e na defesa judicial da vida,
consolidando-se como um pilar indispensável para uma sociedade mais justa e
solidária.
Por César Danilo Ribeiro de Novais,
Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A Defesa da Vida no
Tribunal do Júri”.
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