PUNIÇÃO COMO PILAR CIVILIZATÓRIO
Punir é ação afirmativa
de direitos humanos e fundamentais. Daí porque uma das funções mais essenciais
de qualquer Sistema Jurídico é garantir a ordem e a paz social como base para a
construção de uma sociedade justa. E como isso é feito? Através da
responsabilização. A punição não é apenas uma ferramenta funcional, é um
direito humano fundamental. Pois, sem ela, a estrutura social desmorona, e o
caos impera.
Quando falamos de
punição, muitos acusam os atores do Sistema de Justiça, sobretudo os membros do
Ministério Público, de “punitivistas”. O Ministério Público é, antes de tudo, o
guardião incansável da legalidade, o vigia que assegura que as leis sejam
aplicadas de forma justa e equitativa, para que todo aquele que viola as normas
de convivência responda por seus atos. É o fiscal da ordem jurídica. O que é o ordenamento jurídico, senão o
instrumento da ordem e da paz social? E como essas garantias são efetivadas?
Pela responsabilização e, sim, pela punição provocada pelo Ministério Público.
Não há civilidade, não há sociedade coesa sem a punição daqueles que ferem as
regras mais básicas.
É curioso observar a
antipatia que alguns nutrem contra o Ministério Público. Mas, afinal, quem
realmente se sente incomodado com a atuação vigilante de Promotores de Justiça?
A resposta é clara e objetiva: aqueles que temem a força da lei, que se sentem
acuados diante da iminência de serem responsabilizados por seus atos. Quem critica
o agente ministerial de maneira indiscriminada, na verdade, sustenta,
consciente ou não, uma lógica questionável. Sob o manto de discursos pseudo
garantistas, oculta-se o real interesse pela impunidade.
Mas o que significa, de
fato, o termo “punitivismo”, tão usado de forma pejorativa? Punitivismo, como
tentam fazer parecer, seria uma obsessão por punir, por encarcerar, por tirar
as liberdades de forma ilegal e injusta. Mas, na verdade, o que se critica não
é o excesso, mas a própria ideia de que quem comete crimes deve ser punido.
Como se a punição fosse um mal em si mesma, um ato desumano, e não um mecanismo
fundamental para proteger as pessoas das maldades das outras e garantir a ordem
social.
Ora, a punição, longe
de ser um mal, é imperativo decorrente de direitos humanos. Punir é uma das
formas mais básicas de assegurar que os direitos de todos os cidadãos sejam
respeitados. Quando um criminoso é responsabilizado por seus atos, o que está
em jogo não é a sua mera privação de liberdade, mas sim a proteção da sociedade
como um todo. Há a restrição da liberdade do criminoso como garantia da liberdade das pessoas ordeiras. Uma sociedade que não pune os delinquentes abre mão de sua
capacidade de se autoproteger e acaba, inevitavelmente, caminhando rumo à
barbárie.
Nelson Hungria já dizia
que o castigo imposto ao criminoso não pode ser visto como uma vingança, mas
como uma necessidade para a preservação da ordem e da justiça. Ele ensinou que
aquele que opta por delinquir deve estar ciente de dois perigos inevitáveis: o
da defesa privada e o da reação penal do Estado[1]. Ou seja, a punição é não
só uma resposta legítima do Estado, mas um reflexo da própria proteção social.
Retirar esse pilar de proteção significa permitir que o caos e a violência
prevaleçam. Significa fomentar a vingança privada e pavimentar o caminho
do regresso à guerra de todos contra todos.
Aqueles que criticam a
punição parecem se esquecer que, sem ela, não há justiça para a vítima e seus
familiares. Quando o foco se desvia completamente para os direitos do criminoso,
negligencia-se a necessidade de justiça para quem foi lesado. A punição,
portanto, não é sobre vingança ou retaliação, mas sobre justiça para a vítima,
para a sociedade e até para o próprio infrator, que precisa entender que suas
escolhas e seus atos têm consequências.
Alguns defensores de
teses pseudo garantistas dirão que o objetivo do Sistema Penal deve ser a
reabilitação do infrator, e não sua punição. Mas essa visão romântica ignora
uma realidade essencial: a sociedade não pode se dar ao luxo de esperar que
todos os criminosos se reabilitem enquanto vivem em liberdade. Alguns atos são
tão graves que a única resposta adequada e proporcional é a privação da
liberdade. Reabilitação e punição não são excludentes; ao contrário, a punição
é muitas vezes o primeiro passo para a reflexão e eventual reabilitação do
infrator. Mas, mais importante ainda, a punição garante que outros potenciais
infratores saibam que seus atos não ficarão impunes. Trata-se da dupla
penal tão cantada e decantada: retribuição-prevenção.
Uma sociedade que não
pune seus criminosos está, em essência, regredindo aos tempos do homem
primitivo, do homem das cavernas, onde não havia justiça ou segurança. Era a
lei do mais forte, em que os indivíduos viviam à mercê da violência e do medo.
O sistema penal moderno, ao garantir que os infratores sejam punidos de forma
justa e proporcional, é o que nos distingue de tempos de barbárie.
Vale destacar que a
Corte Interamericana de Direitos Humanos também reconhece a necessidade de
punição como um dos elementos da proteção efetiva dos direitos humanos. A Corte
estabelece que os Estados possuem obrigações processuais positivas, o que
significa que têm o dever de investigar, processar e punir adequadamente
aqueles que violam direitos humanos. O não cumprimento dessa obrigação implica
em uma falha no dever de proteção por parte do Estado, gerando impunidade e,
consequentemente, a erosão do Estado de Direito. Assim, a punição justa não só
atende às expectativas da vítima e da sociedade, mas é uma exigência para que
os Estados cumpram suas obrigações internacionais de proteção aos direitos
humanos.
Isso significa dizer
que punir é ato civilizatório. É ação de proteção social. Quem defende a
punição adequada não está sendo “punitivista”, mas realista, responsável e justo,
reconhecendo que uma sociedade civilizada é aquela em que as ações têm
consequências, e que aqueles que violam as normas mais básicas da convivência
social precisam ser responsabilizados por isso.
Portanto, longe de ser
um mal necessário, a punição é um pilar civilizatório. E é somente através da
aplicação correta e justa das penas que podemos garantir que a sociedade
permaneça civilizada, que os direitos das vítimas sejam respeitados e que a
ordem e a paz social prevaleçam.
Por César Danilo
Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri e autor do livro “A
Defesa da Vida no Tribunal do Júri”.
[1] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao
Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1979, v. I, t. II, p. 289.
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