A
Natureza Jurídica do Tribunal do Júri no Brasil
Muitos
escrevem sobre o Tribunal do Júri, mas poucos se dedicam a explorar sua
verdadeira natureza jurídica, o que é essencial para uma compreensão profunda e
precisa do instituto. Ignorar esse aspecto é correr o risco de cair em
distorções e interpretações equivocadas. Ao contrário do que alguns defendem, o
Júri não é uma simples garantia individual do acusado. Não mesmo! O Tribunal do
Júri transcende o direito individual, configurando-se como uma instituição de
tutela da vida. No Brasil, por força do art. 5º, XXXVIII, “d”, da Constituição
Federal, ele é o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, incumbido da
tutela jurisdicional penal da vida humana. Sua essência vai muito além da
defesa do réu: ele é uma garantia fundamental do direito à vida. O Júri cumpre
uma tripla função: protege a vida humana, assegura ao réu o direito de ser
julgado por seus pares e promove a participação ativa do povo na administração
da justiça, reafirmando a soberania popular.
A ligação entre a tutela jurídica e a tutela jurisdicional penal da vida é a
base de um sistema robusto de proteção integral da vida humana. A tutela
jurídica, em seu plano normativo, assegura o direito à vida como o bem mais
precioso, permeando todo o ordenamento jurídico. Já a tutela jurisdicional
penal é a concretização dessa proteção, executada pelo Estado através do
Tribunal do Júri, que garante a responsabilização daqueles que atentam contra
esse direito. Juntas, essas tutelas formam um arcabouço sólido que preserva a
vida, promovendo justiça de forma a valorizar a existência humana. O Júri, como
expressão da soberania popular, assegura que os julgamentos sobre crimes
dolosos contra a vida sejam representativos da sociedade, protegendo não só o
réu, mas principalmente a própria vida humana.
Reduzir
o Tribunal do Júri a uma mera prerrogativa defensiva é desconsiderar sua
importância vital no Estado Democrático de Direito. O Júri vai muito além da
defesa individual; é uma instituição que representa a própria comunidade,
servindo como pilar da ordem social. Ele garante que a vida seja resguardada
por um julgamento justo e legítimo, que transcende a esfera individual para
envolver a sociedade como um todo. Nesse sentido, o Júri se destaca como um
verdadeiro guardião da vida, bem como uma forma de participação democrática,
assegurando que as decisões sobre os crimes mais graves sejam tomadas pelo
povo.
Norberto Bobbio ensinou que os direitos e garantias fundamentais evoluem com o
tempo. O Tribunal do Júri é um exemplo claro dessa evolução. Originalmente
concebido como um direito e garantia individual, voltado à defesa do acusado, o
Júri avançou para se consolidar como uma garantia social, refletindo a
necessidade de proteger a vida em sociedade. No Brasil, um país que tristemente
lidera os rankings de homicídios, o Júri não é apenas um instrumento de defesa,
mas uma instituição vital para a proteção da vida. Ele assegura que os crimes
dolosos contra a vida sejam julgados por representantes da sociedade,
reafirmando o compromisso do Estado em proteger o bem mais valioso: a vida
humana.
Essa visão do Tribunal do Júri como uma instituição de garantia da vida, e não apenas de defesa individual, tem um impacto direto na interpretação jurídica dos institutos e normas que regulam os crimes dolosos contra a vida e o rito processual do Júri. Ao contrário da visão equivocada de que tudo deve ser interpretado em favor do acusado, com base no princípio da plenitude de defesa, é preciso reconhecer que o Júri cumpre uma função central de proteção à vida. A hermenêutica jurídica deve levar em consideração essa tripla função, garantindo tanto os direitos do réu quanto a preservação da vida e a participação ativa da sociedade na administração da justiça. O princípio da plenitude de defesa, ainda que essencial, não pode suplantar o caráter social do Júri, que visa garantir justiça não apenas para o acusado, mas também para as vítimas e a sociedade como um todo, consolidando-se como um importante mecanismo no sistema de proteção integral da vida humana.
Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri.
Nenhum comentário:
Postar um comentário