A habilidade para viver em sociedade
está diretamente relacionada à capacidade de engolir sapos. Os conflitos
interpessoais são inerentes à vida social. Aborrecimentos, desaforos,
provocações, frustrações, decepções, estresses etc. fazem parte da existência
humana. Na realidade, a vida é a arte de engolir sapos[1]. Quem não engole
sapos, tem grandes dificuldades para viver em comunidade.
A civilização existe para limitar os
apetites naturais (instintos, desejos, vontades, taras e impulsos) dos humanos, sendo
o principal deles o denominado killing instinct. A concretização
deste (animus necandi) é a prova de que a pessoa não está apta a viver
em sociedade.
A maior arma do sapiens é
o cérebro. Eventuais conflitos devem ser resolvidos pela razão, palavra e pelo
diálogo. A solução não está no uso de armas brancas ou de fogo. A violência não
é o caminho.
Todavia, há pessoas que diante de
reveses e dissabores não engolem sequer rãs muito menos sapos e, por isso,
envolvidas pela raiva, cogitam praticar o ato extremo, que é o
ataque à vida de outrem.
Infelizmente, existe gente que
rompe a cogitação e parte para a preparação e execução do crime. Pensa em
matar, deseja matar e atua para matar outra pessoa. Aliás, não se deve
esquecer que matar alguém é o fato mais sério de uma sociedade civilizada.
Exterminar um ser humano é o auge do egoísmo, do ódio, da prepotência e da maldade.
Em muitos casos, com olhos voltados ao
êxito na sua consumação, o sujeito premedita o crime de sangue.
Segundo Houaiss, premeditar significa
“armar, arquitetar, delinear, engenhar, esboçar, galivar, idealizar, maquinar,
planejar, preparar, programar, projetar, tramar, urdir”[2].
A premeditação foi por Carmignani
definida como “occidendi propositum frigido pacatoque animo susceptum, et
moram habens atque ocasionem quaerens, ut crimen veluti exoptatum finem
perficiat”[3].
Não há dúvida de que a premeditação
reclama a exasperação da pena em razão de maior reprovabilidade da conduta do
agente, pois ficam patentes a frieza, obstinação e perversidade na prática do
crime, qual seja, o ataque à vida alheia. Logo o homicídio preordenado revela
maior intensidade do dolo.
Não bastasse isso, ao premeditar a
prática do crime, o agente também visa dificultar a futura apuração dos fatos
pelo Estado. Não raro, almeja desenhar o crime perfeito, sem deixar rastros, em
busca da impunidade. E, por óbvio, tal circunstância deve militar em seu
desfavor, ao ser sancionado.
No Brasil, ao contrário do que ocorre
em outros países[4], a premeditação não constitui circunstância agravante ou
qualificadora do crime de homicídio. Mas isso não significa que a premeditação
seja indiferente à aplicação e ao incremento da pena.
Segundo a lição de Aníbal Bruno, “a
persistência na deliberação criminosa torna mais grave o dolo”[5]. No lugar de
desistir, o agente persiste na ideia, busca os meios necessários, planeja a
execução e escolhe o melhor lugar e momento para o ataque à vítima.
É inconteste que o homicídio
premeditado é mais grave do que aquele que acontece sem premeditação. A
persistência na sanha assassina, apesar da passagem do tempo, e o plano macabro
traçado merecem maior reprovação.
Está claro no artigo 59 do Código Penal
que a valoração das circunstâncias (v.g., premeditação) deve incidir na
primeira fase do cômputo da pena, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime.
Por isso, na dosimetria penal, uma vez
detectada a premeditação, torna-se impositivo ao Judiciário o incremento da
pena-base.
Cumpre anotar que o fato de o crime ser
premeditado não se confunde com a qualificadora prevista no artigo 121, §2º,
IV, do Código Penal (recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da
vítima). Ainda que possam parecer semelhantes, são figuras distintas. Logo, não
há que se falar em bis in idem[6].
Portanto, a preordenação
assassina leva à exasperação da pena em razão da maior censurabilidade
da conduta. A premeditação é idônea para aumentar a pena-base, pois espelha a
intensa culpabilidade do agente e demonstra a existência de circunstância
desfavorável[7] no crime de homicídio, tentado ou consumado. É preciso
individualizar a pena e punir com seriedade o homicídio - consumado ou tentado
- premeditado para a necessária reprovação e prevenção do crime. Quem não
engole sapo e, por conseguinte, faz uso de violência sanguinária e atenta de
forma calculada e fria contra a vida de alguém deve ser séria e gravemente
punido.
Por César Danilo
Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri.
[1] ALVES, Rubem. Palavras para
desatar nós. Campinas: Papirus, 2011.
[2] HOUAISS, Antônio. Dicionário
houaiss: sinônimos e antônimos. 2ª ed. São Paulo: Publifolha, 2008, p. 652.
[3] CARMIGNANI, Giovanni. Elementi
di diritto criminale. Milano: 1863, p. 328.
[4] A exemplo da Itália que prevê a
premeditação como agravante no homicídio e que impõe a prisão perpétua
(“ergastolo” - arts. 575 e 577 do Código Penal italiano).
[5] BRUNO, Aníbal. Direito penal:
pena e medida de segurança. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, t. 3, p.
156.
[6] Cf. STJ: HC 276.357/SP e HC 204.144/TO.
[7] Esse é o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça (v.g. HC 118.267/PB, HC 87.028/MS e EDcl no
REsp 252.613/SP)
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