O
Tribunal do Júri é por excelência o ponto culminante da democracia no âmbito do
Poder Judiciário. É a “Arena da Palavra”
que contempla o debate democrático entre as partes sobre o processo para que ao
final o povo decida sobre morte, vida, liberdade e justiça. É, noutro dizer, o
palco da construção democrática da justiça.
Nessa
toada, dispõe o artigo 476 do Código de Processo Penal que encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público,
que fará a acusação nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que
julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de
agravante.
Da
leitura desse dispositivo, de súbito, surge a indagação: Como expor a tese do
Ministério Público aos jurados?
Certamente,
há inúmeras formas.
Mas
existem alguns marcadores que devem ser observados pela oração do Ministério
Público nessa instância de julgamento.
De saída,
cumpre destacar que as teses ministeriais são frutos de convicção,
ao passo que as da defesa, com todo o respeito, amiúde, são pautadas pela
conveniência, já que um dos princípios reitores do Tribunal do Júri é a
plenitude da defesa (defesa completa),
esfera em que o defensor tem por principal objetivo melhorar a situação
jurídica do acusado, ainda que, pessoalmente, não concorde com isso (artigo 21
o Estatuto de Ética e Disciplina da OAB).
Assim,
falar com convicção aos jurados é de suma importância para a promoção da Justiça.
Em corolário, a opinião de convicção do Ministério Público é um importante
trunfo para o triunfo no Tribunal do Júri, já que cabe ao Promotor de Justiça
convencer o jurado para que aja em conformidade com a convicção que lhe foi
transmitida.
Como
disse Ralph Waldo Emerson, “nada grandioso jamais foi realizado sem
entusiasmo”.
A
propósito, a história registra que os maiores Promotores do Júri
não tiveram um “emprego”. Eles tiveram uma paixão, uma obsessão, uma vocação,
mas não um emprego. Eles carregavam em suas entranhas a missão de promoverem a
Justiça por meio do compartilhamento de suas ideias e de suas convicções.
Tinham devoção pelo Tribunal do Júri e pela causa da Justiça.
Mirando o
passado, extrai-se a lição de que o Promotor de Justiça militante no Tribunal
do Júri deve ser um missionário obstinado pela promoção da Justiça, que se
entrega de corpo e alma ao mister.
Ao bom
tribuno não é dado expelir as palavras a esmo.
Bem por isso que o discurso ministerial deve ser meticulosamente projetado.
Toda cautela é necessária no que diz respeito a sua forma e ao seu conteúdo. A
escolha das palavras certas e a comunicação não verbal – gestos, expressões
faciais e linguagem corporal – são medidas a serem cuidadosamente observadas.
Fábio
Quintiliano, na obra Instituições
Oratórias, ensina que o discurso forense tem a seguinte composição (taxis): (1) exórdio (início), (2) narração
(exposição), (3) confirmação (meta)
e (4) peroração (conclusão).
Gabriel
Chalita, no livro A Sedução no Discurso,
explica referida composição desta forma: (1) O exórdio introduz o tema ou resgata uma questão apresentada em outro
momento, e deve suscitar no espírito da audiência um interesse pelo problema;
(2) A narração desdobra o tema em
todas as suas possibilidades, dentro dos limites do discurso, expondo-o de
maneira favorável e clara; espera-se que a narração conquiste o auditório para
a causa defendida e, assim, o predisponha a escolher a solução que é mostrada
pelo orador; (3) A confirmação vem
para sustentar a alternativa almejada pelo orador; nela, são apresentados os
prós e os contras de cada opção, de modo a mostrar a resposta desejada como a
solução correta para a questão; e (4) A peroração,
finalmente, exorta a audiência a tomar a decisão defendida pelo orador; ela
deve revelar como a solução proposta corresponde ao problema analisado.
J. B.
Cordeiro Guerra, no livro A Arte de
Acusar, aconselha: (1) que o exórdio
seja simples, que desperte atenção; (2) que a exposição seja clara e sincera; (3) que a argumentação seja cerrada e psicológica; e (4) que a peroração seja vibrante, enérgica e
incisiva.
Oportuno,
neste ponto, este simples esquema[8]: fale sobre o que vai falar → diga-o → fale o que disse
Vale
dizer, primeiro, fale ao receptor a respeito do que vai falar. Sendo o tema de
seu interesse, ele se manterá atento. Então, faça a exposição. Por fim,
recapitule o que acabou de falar de fato.
Quanto à
técnica oratória seguida no Júri, é importante destacar que ela se desenvolve
em duas fases distintas: (1) Afirmativa ou Construtiva, em que são apresentados os
fatos e os argumentos favoráveis ao orador (tese); e (2) Refutativa ou Destrutiva
(antitese), em que se procura aniquilar o que disse (ou dirá) o adversário na
fase afirmativa.
Na arte
do convencimento, Aristóteles ensina a articular os argumentos (heresis) e ordená-los (taxis) com estilo (lexis) para o discurso (hypocrisis)
a quem fala.
Ou seja,
ao lado da organização ou ordem do discurso (taxis), apresenta-se o estilo de linguagem e o tipo de fala a serem
empregados na oração (lexis). Em
geral, o vocabulário do falante deve se harmonizar ao máximo como o vocabulário
da plateia.
No
plenário, o Promotor de Justiça, valendo-se de discurso instrutivo e persuasivo[9] deve
ter como meta convencer os jurados a concordarem com seu ponto de vista.A
retórica aristotélica apresenta três principais ferramentas[10] para que
esse objetivo seja atingido, ei-los: Ethos,
Pathos e Logos. O primeiro representa a credibilidade (reputação) e a
confiança transmitida pelo orador-emissor para o público-receptor da mensagem
(honestidade intelectual). O segundo é a provocação dos sentidos dos ouvintes,
envolvendo-os de emoção.
O terceiro, e último, são os motivos, razões, provas, lógica, dados etc. que
fundamentam a tese.
Não à toa que Cícero considerava essenciais na arte oratória:
probare,
conciliare e
movere – vale dizer, provar, convencer e comover.
Logo,
deve haver a comoção e a instrução das mentes. O discurso deve ter tanta força
emocional quanto intelectual. Por outras palavras, as pessoas ouvem com a
cabeça e com o coração.
Com
efeito, no Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça, calcado nas provas dos
autos, na lei e na sua consciência, deve ter por objetivo persuadir os jurados
em busca da concretização da Justiça, por meio do acolhimento de sua tese absolutória
ou condenatória.
Para tanto, é essencial que a peça oratória do
Ministério Público aos jurados mantenha unidas a razão e a emoção, o argumento
lógico e o apelo do espírito.
Por fim,
cumpre deixar anotado que o discurso do Ministério Público no Tribunal do Júri
deve estar de antemão estruturado e não decorado. O método dá precisão e
clareza à exposição oral, evitando que eventuais apartes da defesa prejudiquem
o seu curso.
Feito
isso, a chance de êxito na promoção da Justiça é potencializada.
Por César
Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso, Presidente da
Confraria do Júri, Coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri do Ministério
Público de Mato Grosso e Editor do blogue Promotor de Justiça.
3 comentários:
Olá, Gostei muito. Muito útil pra mim que estou iniciando no mundo jurídico e pretendo me tornar Promotor de Justiça.
Fantástico!!!!
Muito importante, mas ainda estou perdida, entendi todos os requisitos, sei que os tenho, mas não sei como dar inicio a tese de acusação do Juri, o qual farei parte em minha faculdade.
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