A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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1 de setembro de 2015

O discurso do Promotor de Justiça no Tribunal do Júri


O Tribunal do Júri é por excelência o ponto culminante da democracia no âmbito do Poder Judiciário. É a “Arena da Palavra” [1] que contempla o debate democrático entre as partes sobre o processo para que ao final o povo decida sobre morte, vida, liberdade e justiça. É, noutro dizer, o palco da construção democrática da justiça[2].

Nessa toada, dispõe o artigo 476 do Código de Processo Penal que encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de agravante.

Da leitura desse dispositivo, de súbito, surge a indagação: Como expor a tese do Ministério Público aos jurados?

Certamente, há inúmeras formas.

Mas existem alguns marcadores que devem ser observados pela oração do Ministério Público nessa instância de julgamento.

De saída, cumpre destacar que as teses ministeriais são frutos de convicção[3], ao passo que as da defesa, com todo o respeito, amiúde, são pautadas pela conveniência, já que um dos princípios reitores do Tribunal do Júri é a plenitude da defesa (defesa completa[4]), esfera em que o defensor tem por principal objetivo melhorar a situação jurídica do acusado, ainda que, pessoalmente, não concorde com isso (artigo 21 o Estatuto de Ética e Disciplina da OAB[5]).

Assim, falar com convicção aos jurados é de suma importância para a promoção da Justiça. Em corolário, a opinião de convicção do Ministério Público é um importante trunfo para o triunfo no Tribunal do Júri, já que cabe ao Promotor de Justiça convencer o jurado para que aja em conformidade com a convicção que lhe foi transmitida.

Como disse Ralph Waldo Emerson, “nada grandioso jamais foi realizado sem entusiasmo”.

A propósito, a história registra que os maiores Promotores do Júri[6] não tiveram um “emprego”. Eles tiveram uma paixão, uma obsessão, uma vocação, mas não um emprego. Eles carregavam em suas entranhas a missão de promoverem a Justiça por meio do compartilhamento de suas ideias e de suas convicções. Tinham devoção pelo Tribunal do Júri e pela causa da Justiça.

Mirando o passado, extrai-se a lição de que o Promotor de Justiça militante no Tribunal do Júri deve ser um missionário obstinado pela promoção da Justiça, que se entrega de corpo e alma ao mister.

Ao bom tribuno não é dado expelir as palavras a esmo[7]. Bem por isso que o discurso ministerial deve ser meticulosamente projetado. Toda cautela é necessária no que diz respeito a sua forma e ao seu conteúdo. A escolha das palavras certas e a comunicação não verbal – gestos, expressões faciais e linguagem corporal – são medidas a serem cuidadosamente observadas.

Fábio Quintiliano, na obra Instituições Oratórias, ensina que o discurso forense tem a seguinte composição (taxis): (1) exórdio (início), (2) narração (exposição), (3) confirmação (meta) e (4) peroração (conclusão).

Gabriel Chalita, no livro A Sedução no Discurso, explica referida composição desta forma: (1) O exórdio introduz o tema ou resgata uma questão apresentada em outro momento, e deve suscitar no espírito da audiência um interesse pelo problema; (2) A narração desdobra o tema em todas as suas possibilidades, dentro dos limites do discurso, expondo-o de maneira favorável e clara; espera-se que a narração conquiste o auditório para a causa defendida e, assim, o predisponha a escolher a solução que é mostrada pelo orador; (3) A confirmação vem para sustentar a alternativa almejada pelo orador; nela, são apresentados os prós e os contras de cada opção, de modo a mostrar a resposta desejada como a solução correta para a questão; e (4) A peroração, finalmente, exorta a audiência a tomar a decisão defendida pelo orador; ela deve revelar como a solução proposta corresponde ao problema analisado. 

J. B. Cordeiro Guerra, no livro A Arte de Acusar, aconselha: (1) que o exórdio seja simples, que desperte atenção; (2) que a exposição seja clara e sincera; (3) que a argumentação seja cerrada e psicológica; e (4) que a peroração seja vibrante, enérgica e incisiva.

Oportuno, neste ponto, este simples esquema[8]fale sobre o que vai falar → diga-o → fale o que disse

Vale dizer, primeiro, fale ao receptor a respeito do que vai falar. Sendo o tema de seu interesse, ele se manterá atento. Então, faça a exposição. Por fim, recapitule o que acabou de falar de fato.

Quanto à técnica oratória seguida no Júri, é importante destacar que ela se desenvolve em duas fases distintas: (1) Afirmativa ou Construtiva, em que são apresentados os fatos e os argumentos favoráveis ao orador (tese); e (2) Refutativa ou Destrutiva (antitese), em que se procura aniquilar o que disse (ou dirá) o adversário na fase afirmativa.

Na arte do convencimento, Aristóteles ensina a articular os argumentos (heresis) e ordená-los (taxis) com estilo (lexis) para o discurso (hypocrisis) a quem fala.

Ou seja, ao lado da organização ou ordem do discurso (taxis), apresenta-se o estilo de linguagem e o tipo de fala a serem empregados na oração (lexis). Em geral, o vocabulário do falante deve se harmonizar ao máximo como o vocabulário da plateia.

No plenário, o Promotor de Justiça, valendo-se de discurso instrutivo e persuasivo[9] deve ter como meta convencer os jurados a concordarem com seu ponto de vista.A retórica aristotélica apresenta três principais ferramentas[10] para que esse objetivo seja atingido, ei-los: Ethos, Pathos e Logos. O primeiro representa a credibilidade (reputação) e a confiança transmitida pelo orador-emissor para o público-receptor da mensagem (honestidade intelectual). O segundo é a provocação dos sentidos dos ouvintes, envolvendo-os de emoção[11]. O terceiro, e último, são os motivos, razões, provas, lógica, dados etc. que fundamentam a tese.

Não à toa que Cícero considerava essenciais na arte oratória: probareconciliare e movere – vale dizer, provar, convencer e comover.

Logo, deve haver a comoção e a instrução das mentes. O discurso deve ter tanta força emocional quanto intelectual. Por outras palavras, as pessoas ouvem com a cabeça e com o coração.

Com efeito, no Tribunal do Júri, o Promotor de Justiça, calcado nas provas dos autos, na lei e na sua consciência, deve ter por objetivo persuadir os jurados em busca da concretização da Justiça, por meio do acolhimento de sua tese absolutória ou condenatória.

Para tanto, é essencial que a peça oratória do Ministério Público aos jurados mantenha unidas a razão e a emoção, o argumento lógico e o apelo do espírito.

Por fim, cumpre deixar anotado que o discurso do Ministério Público no Tribunal do Júri deve estar de antemão estruturado e não decorado. O método dá precisão e clareza à exposição oral, evitando que eventuais apartes da defesa prejudiquem o seu curso.

Feito isso, a chance de êxito na promoção da Justiça é potencializada. 

Por César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça em Mato Grosso, Presidente da Confraria do Júri, Coordenador do Núcleo do Tribunal do Júri do Ministério Público de Mato Grosso e Editor do blogue Promotor de Justiça.



[1] Metáfora concebida por Edilson Mougenot Bonfim ao Tribunal do Júri.
[2] Daí a correlação do princípio da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, da CF)  com o princípio da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”, da CF).
[3] O Promotor de Justiça buscará a absolvição do inocente ou a condenação do culpado, nos limites da sua culpabilidade.
[4]  Alegar tudo o que for favorável ao acusado, argumentos jurídicos e extrajurídicos.
[5] "É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado".  (Destacamos)
[6] Como exemplo, os principais: Galdino Siqueira, Roberto Lyra, Émerson Luís de Lima, J. A. César Salgado, J. B. Cordeiro Guerra e o genial Edilson Mougenot Bonfim.
[7] Paralinguagem significa a forma que as palavras são ditas (tom, velocidade e volume da voz e sinais relacionados).
[8] Regra de ouro para manter a atenção e tornar a mensagem memorável e compreendida.
[9] Persuasão positiva e ética.
[10] Cícero, por sua vez, afirma que a persuasão é composta pela tria officia, qual seja, convencer (ação lógica - logos), comover (ação afetiva - pathos) e agradar (ação estética - ethos). O primeiro vem de cum + vincere e significa derrotar o adversário com sua participação pelo uso da razão, da indução (exemplos) ou da dedução (argumentos), ou seja, é a conquista da mente do ouvinte através de apresentação de provas lógicas; o segundo vem de cum + movere e significa vencer o opositor através da emoção, “tocando o coração”; e o terceiro equivale ao vocábulo latino placere e significa agradar afetivamente.
[11] Contar histórias (metáforas, analogias, fábulas) é uma maneira bastante eficaz de se conectar emocionalmente com os jurados. É o que os anglo-americanos denominam por “Storytelling”, que é uma ferramenta de comunicação estruturada em uma sequência de ocorrências que acionam os cinco sentidos.

3 comentários:

Eduardo Nogueira Costa disse...

Olá, Gostei muito. Muito útil pra mim que estou iniciando no mundo jurídico e pretendo me tornar Promotor de Justiça.

Unknown disse...

Fantástico!!!!

sabrina marrafon disse...

Muito importante, mas ainda estou perdida, entendi todos os requisitos, sei que os tenho, mas não sei como dar inicio a tese de acusação do Juri, o qual farei parte em minha faculdade.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)