Meus queridos, vamos esquecer os ranços classistas. Escrevo longe de olhos corporativistas. O coração aberto e a cabeça livre são as maiores armas contra os discursos de opinião direcionados. O que está em jogo não é disputa por poder, mas sim o Brasil! Como todos sabem, há algum tempo vem sendo discutida a famosa PEC 37, que pretende conferir à Policia a exclusividade das investigações criminais.
Aproveita-se a deixa da PEC 37 para argumentar que o MP não pode investigar, que abusa, que excede, que somente quer holofotes, e que seria mesmo melhor que a polícia ficasse sozinha com esta atribuição.
Mas, vamos lá. Afora os argumentos jurídicos, que serão tratados mais abaixo, será que o MP é mesmo o grande vilão, o culpado dos males processuais?
A Polícia aparece no Fantástico com colete estilizado prendendo, falando. Apreendendo drogas, falando das operações? Ou estou enganado? É só Promotor ou Procurador que dizem que faz isso?
O governo vai à televisão fartamente se gabar de seus programas sociais, que fez isso, acabou com aquilo. Ou estou enganado? É só Promotor ou Procurador que dizem que faz isso?
A Defensoria Pública vai ao Fantástico, por 12 minutos, falar de sua atuação, chega até atender uma pessoa para dizer que não pode atendê-la. Ou estou enganado? É só Promotor ou Procurador que dizem que faz isso?
E isso acontece o tempo todo, ou estou enganado? Todos querem holofotes, ou só o MP que é acusado a todo o tempo disso?
Vamos lá, sejamos críticos neste ponto.
A Polícia excede e abusa? . Claro que sim, em casos pontuais, como todos sabem. Para quem gosta do Fantástico, basta lembrar dos últimos dois domingos, e do cotidiano nas ruas. Acabemos com a polícia então!
O governo se omite em questões cruciais, nos sufoca de impostos? Sim, então acabemos com o governo!
O Congresso Nacional tem péssimos exemplos lá dentro, claro que tem! Observamos isso! Acabemos com o Congresso!
O MP excede e abusa? Também o faz pontualmente, claro. Acabemos com o MP então!
A OAB, por exemplo, cujo senso crítico é apurado, às vezes, ácido, critica a falta de transparência dos demais, mas seus processos disciplinares são sigilosos. Acabemos com a OAB?
O ser humano mata, rouba, estupra, corrompe? Acabemos com o ser humano de uma vez então!
O que não dá de engolir, é que argumentos que são inerentes ao ser humano, sejam usados contra uma única instituição, para retirar-lhes atribuições. E o campo da hipocrisia não pode ser tão grande, não é mesmo? Sabem o que há de comum nisso tudo? Todas as instituições são humanas, feitas de humanos, com acertos e falhas, de maneira que justificar nesses argumentos a mudança da Constituição, num ponto ta delicado, é rasgar toda a segurança jurídica que vivemos buscando.
Diz a polícia, e mais alguns, que o poder de investigação do MP não está na Constituição. Ora, então devemos estar todos loucos, pois o Supremo (e outros Tribunais) vem reconhecendo a investigação ministerial gradativamente, em vários acórdãos. Aliás, cuidar dos DETRANs, e de emissão de documentos, também não está no art. 144 da Constituição, e a Polícia faz! Diz a Polícia agora que a PEC nada muda para o MP. Então, por que querem tanto mudar o texto da Constituição? Para não mudarem nada?
Ahhh, ou será então, que não querem que o MP investigue? Não é conveniente que o MP investigue? Mas por quê? O que é investigar? Investigar é apurar fatos, acontecimentos, para, mais adiante, tomar providências. Por que é interessante que a Polícia seja a única que pode apurar fatos classificados como crime? Qual justificativa?
Então, o MP é parte, dizem, não é imparcial. E a polícia, que é comandada pelo Executivo, com possibilidades de influências partidárias e políticas, é imparcial, por acaso? Investiga e prende! Prende e concede fiança! Ao ser imparcial, a polícia deveria investigar provas de inocência do suspeito, e por que não o faz? O MP pode pedir absolvição (e o faz com frequência).
O MP abusa, denuncia de forma temerária, dizem. Então, para justificar este argumento, apenas invertemos a ótica. Proponham um projeto de lei para criminalizar investigações policiais temerárias ou infundadas. Os delegados vão gostar? E o que dirão contra isso? Proponham um crime para os parlamentares que instauram CPIs sem fundamento. Imaginem o furdunço que dá. Ou seja, são discursos de ocasião, não passam disso, por que muitas das reclamações são formas de ataques para se defender. No Brasil, todos são vítimas, e viram logo acusadores, mesmo quando filmados e gravados em safadezas.
Então, centralizar a investigação de fatos que podem ser considerados crime na mão de um Poder, de uma instituição, é uma porta ao autoritarismo. Ahh, e com armas de fogo na cinta. O MP não deseja retirar NENHUMA atribuição da polícia. Não deseja mudar a Constituição. Então, por que o MP não pode apurar fatos para oferecer denúncias? O MP não preside inquérito, nem tem a pretensão de fazê-lo. Inquérito policial é da polícia e ponto final.
O MP não é exclusivo na ação penal pública, não é exclusivo na ação civil pública, nem na ação de inconstitucionalidade, nem na de improbidade. Por que a polícia tem que ser exclusiva na investigação?
Mas, voltando ao tema. O Ministério Público pode investigar? Claro que pode! O STF está reconhecendo isso, está na lei, em várias leis! O MP nunca defendeu ausência de regras, ou a não criação de novas.
O que é crime? Crime é um fato, certo? Fato este que só é crime porque encontra adequação na lei penal, mas é um fato, que tem repercussão em várias áreas. Vigilância sanitária apura fatos. Receita Federal, Estadual, COAF, Conselho Tutelar, Polícia, Ministério Público, Tribunal de Contas, de Justiça, CNJ, CNMP, e por aí adiante. Caso tais fatos sejam TAMBÉM crime, não podem ir direto ao MP para denúncia? Se sim, é óbvio que o MP também pode apurar seus fatos. Se não, como dito antes, a Policia controlará a todos.
Mas onde está na lei e na Constituição que o MP pode investigar? Em várias passagens. Comecemos pelo Código de Processo Penal:
Art. 4º – Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
Ou seja, o CPP diz que a polícia não é exclusiva.
Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra.
Fica claro novamente que o inquérito não é indispensável.
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Observem a expressão “peças de informação”. Ou seja, o Juiz pode arquivar uma apuração criminal de algo que não seja o inquérito policial.
Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;
Mais uma vez, peças de informação, afora o inquérito. Mas, prossigamos na lei de drogas, de 2006:
Art. 54. Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências:
Novamente está aí a lei que comprova e demonstra a vontade do legislador de que o inquérito policia não seja o único meio de se apurar crimes, ou melhor, fatos que podem se classificar como crimes.
Mas, que carambolas são peças de informação? Claro que são as investigações de outras instituições, documentos que não estão compreendidos no conceito de inquérito policial, ou na atividade da polícia, pois a lei fez questão de diferenciar. Então, já sabemos que a ação penal pode ser promovida com produção de documentos de outros lados, que não os policiais.
Mas então, onde está escrito que o MP pode produzir suas peças de informação? Está na Constituição, e na lei, oras.
Art. 129. São funçõesinstitucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Então, visto isso, o que diz a Lei Orgânica do MP?
Art. 26. No exercício de suas funções (que funções? As do art. 129 I e IX), o Ministério Público poderá:
I – instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
Ou seja, no exercício da ação penal pública, e de outras funções conferidas, como diz a Constituição, pode o MP instaurar outras medidas e procedimentos administrativos. E sabem por quê? Para apurar fatos, para produzir peças de informação, porque o art 4º do CPP, tampouco a Constituição, não conferem exclusividade à Polícia para tanto. Pelo contrário, ampliam. E tudo, porque, ao desconsiderar a atividade de todas as outras instituições, estar-se-ia impedido de levar ao Judiciário, lesão ou ameaça de lesão a direito. Só seria denunciado o que a polícia quisesse ou produzisse. E isso é democracia? É isso que queremos?
Como então que não está na lei? E ainda, está o MP sujeito a amplo controle, com publicidades e prazos instituídos pelo CNMP, lei orgânica, sujeito a Habeas Corpus, Mandado de Segurança, devendo obedecer às prerrogativas legais, dos advogados, por exemplo, sujeito o Membro do MP à responsabilidade pessoal, controle judicial de arquivamento, de requerimento de medidas como prisão, interceptação, busca, e etc…
Claro que não tenho a pretensão de ser o dono da razão, ou me impor, mas, ao que parece, o entrave em torno da PEC 37 ganhou contornos de lado contra lado. Fazem desta PEC um embate, o que não pode ser aceito. Humildemente, meu ponto de vista.
Então, vamos perguntar de novo.
O MP pode investigar? Ou alguns não querem que ele investigue?
Por Henrique da Rosa Ziesemer, Promotor de Justiça em Santa Catarina. Mestre em Ciência Jurídica. Especialista em Processo Penal e Direito Administrativo. Professor da Escola do Ministério Público em SC e Escola da Magistratura. Coordenador estadual da campanha “O que você tem a ver com a corrupção?”.
Fonte: Atualidades do Direito
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