A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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11 de setembro de 2012

A missão institucional de investigar

 
Diversos temas revelam uma tensão acentuada entre a Constituição e a expectativa da sociedade. Um deles é a possibilidade de a investigação criminal, historicamente a cargo da Polícia, vir a ser promovida pelo Ministério Público. Essa tensão não existe apenas pela complexidade da matéria jurídica em questão, mas também pela expectativa popular, que clama pelo combate pleno à corrupção diante do baixo ou inexistente comprometimento republicano (e ético) de certas autoridades e mandatários de cargos públicos.
 
Juridicamente falando, tem-se que a controversa recai sobre a existência de amparo constitucional às investigações gerais, de ordem penal, realizadas pelo Ministério Público. Objetivamente falando, o art. 144 da Constituição brasileira não atribui poderes expressos de investigação ao MP. Essa missão foi conferida, diretamente, à chamada polícia judiciária. Entretanto, o art. 129, VIII, da CB, atribui, também diretamente, ao MP, a faculdade de requisitar diligências investigatórias.
 
O tema foi pacificado inicialmente no Superior Tribunal de Justiça, que não apenas decidiu pela possibilidade de o MP realizar as investigações penais gerais, mas foi além, considerando ainda que a participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal sequer acarretaria seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia, entendimento consagrado na súmula 234 do STJ.
 
Mas no STF não se tem ainda uma posição uníssona a respeito. O tema recorrente no Supremo Tribunal Federal encontrou entendimento parcialmente predominante na 2ª Turma do STF, ocasião em que ficou decidido, em 10/03/2009, que o Ministério Público pode promover essas investigações, no HC 91.661/PE, sendo relatora a Min. Ellen Gracie “5. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito… 7. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos ‘poderes implícitos’, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que ‘peças de informação’ embasem a denúncia.”
 
Mais adiante, em 20/10/2009, pelo HC 89.837/DF, sob relatoria do Min. Celso de Melo, nota-se que a 2ª Turma apontou para a possibilidade de investigação subsidiária do Ministério Público: “O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de ‘dominus litis’ e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a ‘opinio delicti’, em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública”.
 
Recentemente, em 13/12/2011 nos autos do HC 84.965/MG, sob a relatoria do Min. Gilmar Mendes, também na 2ª Turma do STF, foi sistematizada a matéria estabelecendo enfaticamente as diferenças entre inquérito policial e eventuais diligências realizadas pelo MP, em procedimento por este diretamente instaurado, restando afirmado, na decisão do Pretório Excelso, que esta “atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior”.
 
Com o leading case HC 593.787 foi reconhecida a repercussão geral do tema e, em Plenário, no dia 21/06/2012, foi apresentado o voto do Relator Min. Cezar Peluso, que conheceu e deu provimento ao pedido, tendo considerado, para tanto, que não há previsão constitucional para o MP exercer investigações criminais em substituição à Polícia Judiciária, a não ser em casos excepcionais, pois, “A regra da Constituição é que a atividade de poder de polícia cabe às polícias federal e civis. Porém, a Constituição abre algumas exceções que são sistemáticas e que permitem reconhecer esse poder ao Ministério Público.” Essas exceções, segundo o Ministro, surgem nas ocasiões em que a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não instaurar o devido inquérito policial.
 
Seja como for, o procedimento investigatório deverá obedecer, por força constitucional analógica, as normas que regem o inquérito policial, que deve ser, em regra, público e sempre supervisionado pelo Poder Judiciário.
 
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o Relator afirmando que “Há sim bases constitucionais dentro de limites”. Suspenso o julgamento o debate foi retomado em 27/06/2012 com o Min. Gilmar Mendes, cuja decisão foi no sentido de que cabe ao MP investigar, de forma subsidiária, crimes de polícia, crimes contra a Administração Pública, além da possibilidade de realizar investigações complementares, nos seguintes termos: “Reservando-me o direito de eventualmente mudar de posição após o voto do ministro Fux, mas tendo em vista uma doutrina que se consolida na Segunda Turma, vou me manifestar no sentido da possibilidade sim de investigação por parte do Ministério Público de forma subsidiária”.
 
O Min. Celso de Mello também votou pela possibilidade de o MP investigar em caráter subsidiário, explicando que “A função investigatória do Ministério Público não se converte em uma atividade ordinária. Essa instituição atua excepcionalmente”. As situações excepcionais que ensejariam a investigação do MP residem nos casos que envolvem abuso de autoridade, prática de delito por policiais, crimes contra a Administração Pública, inércia dos organismos policiais ou procrastinação indevida do desempenho da atividade de investigação penal.
 
O Min. Luiz Fux pediu vista dos autos, ocasião em que o Min. Ayres Britto, antes de suspender o julgamento, decidiu antecipar seu voto ao lembrar que talvez, por força da aposentadora compulsória, não estará no Supremo quando a matéria retornar ao Plenário. Votou reconhecendo que o Ministério Público tem competência constitucional para, por conta própria, de forma independente, fazer investigações em matéria criminal: “com essa interpretação que amplia o espectro das instâncias habilitadas a investigar criminalmente é que o Ministério Público serve melhor a sua finalidade constitucional de defender a ordem jurídica, inclusive e sobretudo em matéria criminal”. Ainda nesta sessão, o Min. Joaquim Barbosa afirmou que está entre aqueles que reconhecem o poder de investigação do MP, mas abordará com detalhes quando voltar a ser debatido pelo Plenário. Mas o Min. Marco Aurélio posicionou-se de maneira diversa: “Não reconheço a possibilidade de o Ministério Público colocar no peito a estrela e na cintura a arma para investigar” (Fonte: Notícias do STF, disponível em www.stf.jus.br, acessado em 23/07/2012).
 
Na Constituição brasileira encontra-se suporte à atuação do Ministério Público como agente investigador criminal, por força da recohecida tese (desde McCulloch v. Maryland, mas desenvolvida em termos mais amplos) dos poderes implícitos, ou seja, “onde a Constituição dá os fins, ela também oferece os meios adequados ao seu alcance.” (André Ramos Tavares. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. Saraiva). A atuação, contudo, não pode ser considerada como a missão central do Parquet, como se percebe. E a todos exercentes do Poder – inclua-se o MP – há de se estabelecerem balizas, regramentos que se revelam limitações bem-vindas e desejadas.
 
Mas esta questão, tão delicada, por envolver alta complexidade social, jurídica e ética, necessita de maior precisão e detalhamentos jurídicos, cujas condições apenas o Supremo Tribunal Federal, no sistema pátrio e nas circusntâncias constitucionais atuais, pode oferecer. Fixadas as premissas constitucionais, Lei (complementar) haverá de retomar o tema das atribuições do Parquet e Lei (ordinária) sua forma de realização. Enquanto isso, o transcurso do tempo e a multiplicação dessas investigações podem elevar, ainda mais, as dificuldades de uma adequada e ponderada solução.
 
Por André Ramos Tavares, Livre Docente em Direito pela USP. Professor da PUC/SP, do Mackenzie, do CEU-SP e da ESA-SP; Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais, autor do Curso de Direito Constitucional (Saraiva, 7. ed.).
 
Via Carta Forense

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