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23 de julho de 2012

Lei da Informação Pública


Por Márcio Florestan Berestinas, Promotor de Justiça (MPMT)

As implicações jurídicas da novel exigência de publicação dos editais de licitação na internet, formulada pela Lei nº 12.527/2011 (Lei da Informação Pública:

No presente artigo, interessa-nos analisar uma importante inovação contida na referida Lei, direcionada a regrar o início da fase externa das licitações.

- Do disposto no artigo 8º, §1º, IV, e § 2º, da Lei nº 12.527/2011:

Inicialmente, afigura-se oportuno transcrever os dispositivos legais supramencionados:

“Lei nº 12.527/2011 (Lei da Informação Pública) - Art. 8º. É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.

“§ 1o Na divulgação das informações a que se refere o caput, deverão constar, no mínimo:

“I, II, III – omissis;

IV - informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais1 e resultados, bem como a todos os contratos celebrados;

§ 2o Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)”.

Esses comandos normativos preveem, portanto, a necessidade de os órgãos e entidades públicas realizarem a divulgação, em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet), de informações concernentes a procedimentos licitatórios, e de efetuarem a publicação, na internet, dos editais e dos resultados das licitações, bem como dos contratos celebrados.

É consabido que o edital é o ato pelo qual a Administração divulga a abertura do certame, estabelece os requisitos para a participação na licitação, define o objeto licitado e as condições essenciais do contrato a ser celebrado e convida a todos os interessados a disputar a licitação.

A exigência de que os editais de licitação passem a ser divulgados em sites da internet contribuirá para que os procedimentos licitatórios tenham maior transparência, prestigiando o princípio da competitividade, que deve nortear a disputa, a bem da seleção da proposta mais vantajosa sob o ponto de vista do interesse público e da probidade administrativa.

Além disso, a referida exigência estimula e facilita o exercício, pelo cidadão, do direito de impugnar o edital, previsto no § 3º do artigo 41 da Lei nº 8.666/93, in verbis: “Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação desta Lei...”.

- Do alcance da exigência legal em apreço:

Em princípio, uma exegese meramente gramatical do inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011 parece afastar a exigência de que, na licitação na modalidade de convite, o ato que dá início à chamada fase externa do certame seja divulgado em site da internet. Isso porque o referido preceito normativo menciona a exigência de publicação de edital de licitação, que inexiste nos convites...

Trata-se de hipótese em que Lex minus dixit quam voluit2, uma vez que não existe nenhum motivo plausível a justificar que, apenas nos convites, seja afastada a necessidade de publicação, em site da internet, do ato inaugural da fase externa da referida modalidade licitatória.

Sem embargo dessa dificuldade, criada pela redação do preceito normativo em questão, entendemos, salvo melhor juízo, que o inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011 exige, também nos casos de licitação na modalidade de convite, a publicação, em site da internet, na íntegra, do instrumento convocatório, conferindo-se ao referido comando legal uma interpretação lógico sistemática, efetuada sob o influxo dos princípios regentes das licitações, especialmente os da publicidade e da probidade administrativa, expressamente consignados no caput do art. 3º da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

É oportuno ressalvar: ainda que não se admita a possibilidade da interpretação lógico sistemática acima propugnada, a incidência do disposto no inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011 decorreria da aplicação do vetusto brocardo jurídico: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio (onde há a mesma razão ou fundamento, aplica-se o mesmo Direito).

Concluímos, dessarte, que a exigência legal em apreço destina-se a todas as modalidades de licitação, independentemente de qual seja o nomen juris atribuído ao ato que dá início à fase externa do procedimento licitatório (edital, aviso, instrumento convocatório...).

- Das consequências jurídicas que podem advir do descumprimento dessa novel exigência legal:

Antes de começarmos a apontar as referidas consequências jurídicas, calha discorrer sobre a possibilidade ou não de aplicação da teoria das nulidades do direito privado ao Direito Administrativo, pois existe controvérsia doutrinária a esse respeito.

O jurista José dos Santos Carvalho Filho lembra-nos de que “as nulidades no direito privado obedecem a um sistema dicotômico, composto de nulidade e de anulabilidade, a primeira figurando no art. 166 e a segunda no art. 171 do vigente Código Civil3”.

Explica, ainda, o mencionado autor, que “são duas as diferenças básicas entre a nulidade a anulabilidade. Primeiramente, a nulidade não admite convalidação, ao passo que na anulabilidade ela é possível. Quanto a esse aspecto, o Código Civil é peremptório, proclamando: 'O negócio jurídico nulo não é passível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo' (art. 169). Além disso,o juiz pode decretar ex officio a nulidade ou mediante alegação de qualquer interessado ou do Ministério Público, ao passo que a anulabilidade só pode ser apreciada se houve provocação da parte interessada (arts. 168 e 177 do Código Civil)4”.

A teoria monista repele essa possibilidade, sustentando ser inaplicável ao Direito Administrativo a teoria das nulidades do Direito Privado. Segundo os autores que perfilham essa corrente doutrinária, o ato é nulo ou válido, de maneira que a ocorrência de vício de legalidade gera todos os efeitos que naturalmente emanam de um ato nulo, conforme leciona o precitado jurista.

Por sua vez, a teoria dualista reputa que os atos administrativos podem ser nulos ou anuláveis, a depender da maior ou menor gravidade do vício. Os atos anuláveis seriam passíveis de convalidação.

Encerrada essa digressão, independentemente da teoria adotada a respeito da invalidação dos atos administrativos, em nosso modesto pensar, a ausência de publicação, em site da internet, do edital ou do instrumento convocatório do certame licitatório, exigida pelo disposto no inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011, gera a nulidade absoluta do procedimento licitatório, uma vez que a referida exigência normativa configura norma cogente, cujo cumprimento não pode ser afastado por mera vontade ou capricho da Administração Pública.

Com efeito, a publicidade do edital ou instrumento convocatório deve ser efetuada em estrita conformidade com os ditames legais regentes da matéria, pois visa a assegurar a existência de ampla competitividade nos procedimentos licitatórios, possibilitando que um número maior de pessoas possa tomar conhecimento da abertura da licitação, o que é essencial para que a Administração Pública possa selecionar a proposta mais vantajosa sob o ponto de vista do interesse público.

Dessarte, eventual afronta à necessária publicidade que a legislação prevê quanto à divulgação do edital ou do instrumento convocatório do certame licitatório maculará toda a licitação, gerando a sua nulidade absoluta, passível de ser reconhecida de ofício pelo Poder Judiciário em sede de processo judicial, impossibilitando a sua ulterior convalidação.

A conclusão no sentido de que a ausência de publicação do edital ou do instrumento convocatório do certame gera a nulidade absoluta do procedimento licitatório é reforçada a partir da constatação de que a exigência contida no inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011 guarda estreito vínculo de pertinência com a norma constitucional insculpida no artigo 37, inciso XXI, da Lex Major5.

Demais disso, não se pode olvidar que essa exigência de publicação na internet do ato inaugural da fase externa do procedimento licitatório prestigia os princípios da publicidade e da competitividade, ambos erigidos, pela doutrina e jurisprudência pátrias, à condição de princípios cardeais das licitações.

Discorrendo a respeito da incidência do princípio da publicidade nas licitações, o renomado Marçal Justen Filho leciona6:

“A publicidade desempenha duas funções. Primeiramente, objetiva permitir o amplo acesso dos interessados ao certame. Refere-se, nesse aspecto, à universalidade da participação no processo licitatório. Depois a publicidade orienta-se a facultar a verificação da regularidade dos atos praticados”.

Salta aos olhos, portanto, a necessidade inarredável de a publicidade legalmente exigida para os procedimentos licitatórios ser integralmente observada pela Administração Pública, sob pena de se macular todo o certame de jaça insanável.

Há de se acrescentar que a nulidade absoluta do procedimento licitatório deflagrado em desconformidade com a publicidade exigida pelo disposto no comando normativo em apreço implicará a nulidade de eventual contrato entabulado entre a Administração Pública e o vencedor da licitação, por força do artigo 49, § 2º, da Lei nº 8.666/937.

Na hipótese cogitada, caso o contrato venha a ser declarado nulo, o contratante de boa-fé que venceu a licitação fará jus ao recebimento de indenização, nos exatos termos do artigo 59, parágrafo único, da Lei de Licitações8.

Outra consequência jurídica que pode advir do descumprimento do disposto no inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011 consiste na possibilidade de os integrantes da comissão de licitação e da autoridade responsável pela homologação do certame virem a responder pela prática de ato de improbidade administrativa, nos termos dos artigos 9, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Evidentemente, nesse caso, o enquadramento da conduta ímproba numa das modalidades previstas no referido diploma legal dependerá das especifidades do caso concreto.

Ademais, ainda tendo em vista a repercussão que o descumprimento do disposto no inciso IV do § 1º do art. 8º da Lei nº 12.527/2011 poderá ter na seara da improbidade administrativa, e também com o propósito de fiscalizar o cumprimento dessa inovação legislativa, reputamos possível e aconselhável o encaminhamento, pelo Ministério Público, de recomendação ao Poder Executivo e aos integrantes da comissão de licitação com a finalidade de cientificá-los a respeito da entrada em vigor das normas supramencionadas, solicitando informações no tocante às medidas administrativas adotadas para conferir concretude à exigência legal acima debatida.

Saudemos, enfim, a entrada em vigor da benfazeja Lei de Informação Pública, cuja aplicação poderá nos ajudar a rumar para o caminho do reinado permanente da justiça e da claridade, aquele descrito nos Estatutos do Homem, do poeta Thiago de Mello.

NOTAS:

1Grifo nosso.

2A Lei disse menos do que queria...

3Manual de Direito Administrativo, 25º edição, Editora Atlas S. A., 2012, página 152.

4Da mesma obra acima citada, página 153.

5“Art. 37, XXI: - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

6Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14º edição, Editora Dialética, 2010, página 76.

7“§ 2o A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei”.

8“Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa”.

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