A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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10 de junho de 2011

Violência contra a mulher

Ciclo da Violência
O ciclo da violência é perverso.

Primeiro vem o silêncio seguido da indiferença. Depois surgem as reclamações, reprimendas, reprovações e começam os castigos e as punições. Os gritos transformam-se em empurrões, tapas, socos, pontapés, num crescer sem fim. As agressões não se cingem à pessoa da vítima, o varão destrói seus objetos de estimação, a humilha diante dos filhos. Sabe que estes são os seus pontos fracos e os usa como massa de manobra, ameaçando maltratá-los.

No entanto, socialmente o agressor é agradável, encantador. Em público se mostra um belo companheiro, a não permitir que alguma referência a atitudes agressivas mereça credibilidade. O homem não odeia a mulher, ele odeia a si mesmo. Muitas vezes ele foi vítima de abuso ou agressão e tem medo, precisa ter o controle da situação para se sentir seguro. A forma de se compensar é agredir.

Facilmente a vítima encontra explicações. Acredita que é uma fase, que vai passar, que ele anda estressado, trabalhando muito, com pouco dinheiro. Procura agradá-lo, ser mais compreensiva, boa parceira. Para evitar problemas, afasta-se dos amigos, submete-se à vontade do agressor, só usa as roupas que ele gosta, deixa de se maquiar para não desagradá-lo. Está constantemente assustada, pois não sabe quando será a próxima explosão, e tenta não fazer nada errado. Torna-se insegura e, para não incomodar, começa a perguntar a ele o que e como fazer, torna-se sua dependente. Anula a si própria, seus desejos, sonhos de realização pessoal, objetivos próprios. Nesse momento, a mulher vira um alvo fácil. A angústia do fracasso passa a ser o seu cotidiano. Questiona o que fez de errado, sem se dar conta de que para o agressor não existe nada certo. Nã o há como satisfazer o que nada mais é do que desejo de dominação, de mando, fruto de um comportamento controlador.

O homem sempre atribui a culpa à mulher, tenta justificar seu descontrole na conduta dela: suas exigências constantes de dinheiro, seu desleixo para com a casa e os filhos. Alega que foi a vítima quem começou, pois não faz nada certo, não faz o que ele manda. Ela acaba reconhecendo que a culpa é sua. Assim o perdoa. Para evitar nova agressão, recua, deixando mais espaço para a agressão. O medo da solidão a faz dependente, sua segurança resta abalada. A mulher não resiste à manipulação e se torna a prisioneira da vontade do homem, surgindo o abuso psicológico.

Depois de um episódio de violência, vem o arrependimento, pedidos de perdão, choro, flores, promessas. Cenas de ciúmes são recebidas como prova de amor, e ela fica lisonjeada. O clima familiar melhora e o casal vive uma nova lua-de-mel. Ela sente-se protegida, amada, querida, e acredita que elevai mudar.

Tudo fica bom até a próxima cobrança, ameaça, grito, tapa...

Forma-se um ciclo em espiral ascendente que não tem mais limite.

A ideia da família como uma entidade inviolável, não sujeita à interferência nem da Justiça, faz que com a violência se torne invisível, protegida pelo segredo. Agressor e agredida firmam um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro círculo vicioso: a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não impõe nenhuma barreira. A falta de um limite faz a violência aumentar. O homem testa seus limites de dominação. Quando a ação não gera reação, exacerba a agressividade, para conseguir dominar, para manter a submissão.

A ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da auto-estima, o sentimento de menos valia, a depressão, essas são feridas que não saram.

(DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: RT, 2008, pp. 18-20)

Obs.: Dica do Dr. Rodrigo Aquino, Promotor de Justiça em Santarém/PA.

Um comentário:

Vellker disse...

Essa eterna lamentação da mulher coitadinha já cansou e deveria sair de moda. Mas não sai porque rende olhares complacentes para a dita vítima.

Dita vítima porque consente em ser brutalizada. É rotina na vida de policiais ou juristas que ao atenderem ocorrências desse tipo são surpreendidos com a forte reação da mulher, que protege o marido brigão dos policiais, dizendo que perto do amor dela ninguém chega.

Ou do promotor, que depois de todo um trabalho de denúncia se vê surprendido com as negativas da até então vítima, que jura amor solene abraçada com seu até então agressor e agora novo amor.

Deveria ser parte da lei. Foi agredida, socorrida e saiu aos beijos com seu agressor? Então de agora em diante a polícia não a socorre mais e o promotor não aceita mais suas denúncias. Gosta de ser saco de pancadas, então seja feliz.

Além disso, diariamente aparecem nas manchetes os casos de maridos e amantes mortos pelas suas "amadas" que não ficam devendo nada em maldade e premeditação. Mas como não existe uma lei "Mário da Penha" fica tudo nas pequenas notícias dos jornais.

As mulheres orgulham-se hoje de uma nova postura na vida social e no mercado de trabalho. Devem igualmente ter essa postura num relacionamento. Se os homens são tão perversos, tão maus, tão tendentes à premeditação de um crime contra as mulheres, então que que fiquem felizes solteiras.

Outra coisa que ajudaria a acabar de vez com essas agressões seria denunciar a agredida como cúmplice de sua própria agressão. Foi agredida, socorrida e ainda insiste em dizer que seu agressor é seu grande amor?

É tumulto perto da casa dos vizinhos, trabalho para a polícia, trabalho para o pronto-socorro, trabalho para o promotor e ainda insiste em chamar o agressor de meu amor e perto dele ninguém chega?

Ótimo, vai ser denunciada também, tão culpada quanto o agressor.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)