A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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11 de maio de 2011

Pode torturar?



Os ingênuos e a tortura

Dia após a morte de Bin Laden, vi na Fox News o ex-secretário de defesa norte-americano Donald Rumsfeld justificando o uso da tortura; se as informações que levaram a Osama foram conseguidas em Guantánamo, durante sessões de simulação de afogamento, não tinha sido um acerto do Estado adotar tais práticas na luta contra seus inimigos?

A turma neocon (já não tão "neo", mas cada vez mais "con", diga-se de passagem) defende-se hasteando a bandeira do "pragmatismo" - esse novo Deus, diante do qual todos os valores devem curvar-se. Para eles, os direitos humanos são algo belo, porém ingênuo, que não existe no "mundo real" - mais ou menos como Papai Noel ou o socialismo. Princípios universais, dizem por aí, com sorrisinhos irônicos, são ideias bacanas para se contar às crianças, ou de se debater no centro acadêmico; na hora de garantir a própria segurança, contudo, dois fios desencapados são bem mais eficientes.

O exemplo comumente usado pelos paladinos da masmorra é o do avião levando cem criancinhas e uma bomba relógio. Na situação hipotética, uma pessoa sabe o código para desarmar o artefato explosivo: é um terrorista, que está em terra, nas mãos da polícia. Deveriam as autoridades deixar as cem criancinhas morrerem, em nome de um princípio, ou quebrar algumas costelas do criminoso, para que ele entregue a informação?

A ideia que pretendem passar com o exemplo é que, numa situação-limite, é preciso escolher o mal menor. Com a morte de cem crianças no outro prato da balança, a opção pela tortura estaria justificada.

O problema, pelo qual o exemplo passa ao largo, é que o que é "um avião cheio de criancinhas" para mim e para você - ou seja, o mal terrível que justificaria a tortura - muda de acordo com o grupo, o lugar ou a época. Um fundamentalista cristão ou muçulmano pode achar que uma ofensa a Deus, num livro ou numa charge, é o pior acontecimento sobre a Terra: para impedir a heresia, por que não quebrar algumas costelas, ou mesmo acabar de vez com o "criminoso"? Um governo crê que a sua manutenção é a meta mais valiosa; por que não, então, torturar os dissidentes?

O que não percebem os defensores do pau-de-arara para o terrorista do avião é que se aceitarem a tortura em um único caso, estão defendendo o suplício de presos políticos em Cuba e na China, dos reféns americanos no Oriente Médio, dos policiais capturados por traficantes (e vice-versa) nas favelas do Rio.

Mais ainda: quem defende a tortura do terrorista e compactua com a tese "pragmática" de que, para impor nossos ideais, todos os meios são válidos, está, em última análise, legitimando a explosão do avião cheio de criancinhas.

O único cenário em que a tortura deixaria o mundo mais seguro para alguém seria se esse alguém detivesse o monopólio de sua prática. Para isso, teria que ser o Rei da Terra; sua polícia e Exército precisariam dominar todos os cantos e esmagar seus adversários, de modo que não houvesse mais nenhuma dissensão possível. Eis a ingênua ambição por trás dos atos de um Donald Rumsfeld, um Bin Laden, um Fernandinho Beira-Mar. Os resultados são bem conhecidos.

Por Antônio Prata, escritor - Jornal "A Folha de S. Paulo" de 11/05/11.

3 comentários:

Vellker disse...

O sentimento politicamente incorreto que existe na mente de todas as pessoas: torturar não pode, mas de vez em quando é preciso. Não tem outra saída.

No exemplo dado pelo escritor sobre o avião cheio de crianças com uma bomba que vai explodir e só pode ser desativada pelo terrorista preso pois só ele sabe o código para desarmar a bomba, vemos que ao longo do texto ele pula a resposta e passa para outras considerações. Já sabemos o que ele admite se dentro do avião estivessem todos os seus filhos.

Como ele se sentiria se após horas de interrogatório civilizado, com o tempo se esgotando, o terrorista ainda pedisse pausa para o café pois já viu que alí todos são civilizados até demais?

Toda sociedade deve se erigir em torno de princípios de civilização e conduta das mais humanas possíveis e cultivar esses valores entre seus cidadãos desde a educação básica. Teremos assim forças policiais e militares que mesmo com as adversidades que enfrentarão, espelharão essa educação em sua postura.

Ocorre que essa postura vai até onde é humanamente possível. Ao prenderem um terrorista que está em vias de conseguir cometer tal atrocidade, todos sabem que aí se esgotam as possibilidades de um tratamento humano e civilizado. Aliás um terrorista que prepara tal atentado já renunciou ao direito de receber um tratamento que podemos chamar de humano e civilizado. Essa é que é a triste verdade.

O que temos visto nos atos do governo americano é a postura de uma potência imperial, que até mesmo já regula acordos com governos dos países ocupados onde militares americanos estão isentos de responderem perante tribunais locais pelos atos de violência que venham a cometer. Aí é realmente condenável. Aí deixa de existir o comportamento de tropas como a do exército americano durante a 2a. Guerra Mundial onde as populações dos países ocupados guardaram dos soldados invasores a lembrança de combatentes que preservavam a vida e segurança dos civis. Esse foi um dos valores que os americanos tinham e seu governo foi um dos primeiros a perdê-los ao longo dos últimos anos.

Por isso uma sociedade deve sempre manter como um dos pilares da educação dada aos seus cidadãos desde pequenos, os melhores valores de civilidade e humanidade, para evitar que práticas como essa, que são realmente chocantes e extremas não venham a se banalizar como acontece, infelizmente, no Brasil de hoje, com a prática da tortura uma coisa comum nas prisões e denunciada constantemente.

O que se deve entender é que em casos como o que o escritor deu de exemplo, cessam as garantias de que os captores de tal terrorista venham a agir de forma humana e civilizada. Simplesmente vão agir como terão que agir.

E se os filhos do escritor estivessem dentro desse hipotético avião, ele seria o último a pedir pausa para o café.

Vellker disse...

O sentimento politicamente incorreto que existe na mente de todas as pessoas : torturar não pode, mas de vez em quando é preciso. Não tem outra saída.

No exemplo dado pelo escritor sobre o avião cheio de crianças com uma bomba que vai explodir e só pode ser desativada pelo terrorista preso pois só ele sabe o código para desarmar a bomba, vemos que ao longo do texto ele pula a resposta e passa para outras considerações. Já sabemos o que ele admite se dentro do avião estivessem todos os seus filhos.

Como ele se sentiria se após horas de interrogatório civilizado, com o tempo se esgotando, o terrorista ainda pedisse pausa para o café pois já viu que alí todos são civilizados até demais?

Toda sociedade deve se erigir em torno de princípios de civilização e conduta das mais humanas possíveis e cultivar esses valores entre seus cidadãos desde a educação básica. Teremos assim forças policiais e militares que mesmo com as adversidades que enfrentarão, espelharão essa educação em sua postura.

Ocorre que essa postura vai até onde é humanamente possível. Ao prenderem um terrorista que está em vias de conseguir cometer tal atrocidade, todos sabem que aí se esgotam as possibilidades de um tratamento humano e civilizado. Aliás um terrorista que prepara tal atentado já renunciou ao direito de receber um tratamento que podemos chamar de humano e civilizado. Essa é que é a triste verdade.

O que temos visto nos atos do governo americano é a postura de uma potência imperial, que até mesmo já regula acordos com governos dos países ocupados onde militares americanos estão isentos de responderem perante tribunais locais pelos atos de violência que venham a cometer. Aí é realmente condenável. Aí deixa de existir o comportamento de tropas como a do exército americano durante a 2a. Guerra Mundial onde as populações dos países ocupados guardaram dos soldados invasores a lembrança de combatentes que preservavam a vida e segurança dos civis. Esse foi um dos valores que os americanos tinham e seu governo foi um dos primeiros a perdê-los ao longo dos últimos anos.

Por isso uma sociedade deve sempre manter como um dos pilares da educação dada aos seus cidadãos desde pequenos, os melhores valores de civilidade e humanidade, para evitar que práticas como essa, que são realmente chocantes e extremas não venham a se banalizar como acontece, infelizmente, no Brasil de hoje, com a prática da tortura uma coisa comum nas prisões e denunciada constantemente.

O que se deve entender é que em casos como o que o escritor deu de exemplo, cessam as garantias de que os captores de tal terrorista venham a agir de forma humana e civilizada. Simplesmente vão agir como terão que agir.

E se os filhos do escritor estivessem dentro desse hipotético avião, ele seria o último a pedir pausa para o café.

Anônimo disse...

O autor do texto aplica vários estratagemas retóricos. O principal e' a "falsa a analogia". Comparar um avião cheio de crianças com dissidentes políticos e' demais. Qualquer um percebe o exagero.

P.s.: parabéns pelo blog. Ele e' ÓTIMO!

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