A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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23 de fevereiro de 2011

Aborto em caso de anencefalia: da teoria à prática


O país está a acompanhar, já há algum tempo, a árdua situação de inúmeras mulheres, cujo diagnóstico de feto anencefálico é postado em seus exames, durante a gravidez.

Digo árdua, claramente, porquanto além de toda a dor, tristeza, frustração, questionamentos, riscos, entre outros fatores, há pendente a absurda indefinição jurídica que ainda se instala no Supremo Tribunal Federal, acerca da possibilidade ou não de se realizar o aborto em tais circunstâncias.

A questão, de extrema importância, é cercada de polêmica e acomete calorosas discussões, até mesmo por envolver o bem mais precioso da existência humana: a vida.

Assim, se é certo que longe haverá consenso em referida questão, onde as mais variadas searas do conhecimento estão a incidir (ou a se intrometer), também é certo que essas mulheres, vilipendiadas em sua integridade moral, carregadoras de enorme carga de culpa e tristeza, são diariamente submetidas a verdadeira pena de tortura, haja vista que, caso optem por não querer postergar o fim certo e nefasto, não possuem definido tal direito, ficando a mercê de burocracias processuais e interpretações de julgadores.

Mas, considerando bem a questão, eis que aqui em Campo Grande-MS, na última semana, nos deparamos com um desses tristes casos e, apesar da dificuldade do tema, sob o pálio da ordem jurídica vigente e sistemática principiológica do Direito, aliado a diversos exames e laudos (médicos, técnicos e psicológicos), exaramos parecer favorável ao pedido da gestante.

Como conclusão, eis que, não obstante fundamentação jurídica diferente de nosso parecer, o magistrado da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande-MS, doutor Carlos Alberto Garcete, também se posicionou favorável ao pedido da gestante e, em bem fundamentada decisão, autorizou a interrupção...

A elogiável e destacável sentença, na íntegra, está aqui.

Enquanto doutos e teóricos ficam a discutir e rediscutir o tema, emparedando-se em veredas processuais e pautas de audiência, a dinâmica da vida clama por celeridade e decisões.

O tema é polêmico e de difícil resolução; contudo, seja favorável ou contrário, é inaceitável que a estampada omissão seja um ‘lava mãos’ jurídico, lançando à inconstitucional pena de tortura centenas de mulheres, ontem, hoje e amanhã...
 
Por Fernando Martins Zaupa, Promotor de Justiça do Júri em Campo Grande/MS e Editor do blogue Considerando Bem...
 

2 comentários:

Vellker disse...

Um artigo onde o promotor descreve a vivência de uma situação que é difícil de ser resolvida por causa dos tabús religiosos e morais impostos pela nossa sociedade mas que é de fácil resolução pelo bom senso.

Em tais situações é mais do que um direito que a gestante interrompa essa gravidez que gera apenas uma vida que enquanto dura resulta em sofrimento intenso para a mãe e a criança, enquanto padres e sua igreja sempre retrógrada e magistrados omissos aplaudem com seu velho chavão de que só a Deus pertence a vida e recolhem-se tranquilos a suas casas enquanto que mãe e criança iniciam uma peregrinação num inferno de sofrimento.

No filme-depoimento "Mar Adentro" sobre a vida e morte de Ramon Sanpedro, um tetraplégico espanhol que lutou 28 anos para poder realizar sua eutanásia, fica mais do justificada nesses casos a sua frase de que a vida é um direito e não um dever. Também ignorado pela omissão dos magistrados espanhóis e frases vazias de padres, Ramon consegue realizar a eutanásia com a ajuda de uma amiga.

Como disse certa vez um médico também espanhol que com a vivência de 45 anos de profissão se posiciona a favor da eutanásia nesses casos extremos de sofrimento inútil, devemos notar que é a doença que está matando o paciente e não quem aplica a eutanásia, que é apenas o fim piedoso de situações assim, terminando com esse sofrimento agônico e sem sentido aplaudido apenas por quem não sofre suas consequencias, mas consegue através da agonia de outras pessoas defender suas posições atrasadas.

A interrupção da gestação é em todos casos eutanásia pura e simples e nada de errado existe nisso. Verificou-se a doença, sabe-se que a gestação é inútil, que daí só virá mais dor e mais sofrimento, que seja então interrompida.

Errado e moralmente injustificácel às custas do sofrimento dos outros é brandir a bandeira de que somos todos obrigados a viver uma vida imersa em sofrimento horrível e sem sentido.

Fernando M. Zaupa disse...

Caro César,
fico contente que tenha gostado e publicado o texto.
Grande abraço
Fernando Zaupa
C.Grande-MS

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)