A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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16 de novembro de 2010

O Retorno da Mentira


Luigi Battisteli, mestre da Universidade de Roma, no introito de sua obra “A Mentira nos Tribunais”, adverte com os ensinamentos de Genuzio Bentini que “A verdade, a verdadeira verdade, não é nunca aquela que chega até nós...Por mim convenci-me de que a verdade não entra nas Salas dos Tribunais, nem mesmo nos processos de grande repercussão. Ela fica sempre pelas escadas, ou pelo caminho”.

Estes pensamentos vêem-me à mente, quando a televisão traz o cenário dos debates das Comissões Parlamentares de Inquérito, onde são ouvidas figuras de toda sorte, variando entre políticos, empresários, secretários, ministros, esposas e empregados.

O homem – diria Rui – é um erro em busca da verdade. A verdade custa a aparecer de forma clara e confiável. Uns, como testemunhas, contam meia verdade. Já vêem com ordem judicial emanada do Supremo Tribunal, que lhes garante o silêncio. Não é, porém, o silêncio dos inocentes. Respondendo às indagações dos Parlamentares podem auto incriminar-se e usam do direito de permanecerem calados.

Vieira, religioso e orador famoso, sem ser criminalista, mas vendo tudo “com mui aguda vista”, como conta Serrano Neves em “O Direito de Calar”, estudou o problema da confissão, em um de seus lapidares sermões e ensinou: “No depoimento, como na confissão há homens que, ainda depois de falar, são mudos. Falam pelo que dizem e são mudos pelo que calam; falam pelo que declaram e são mudos pelo que dissimulam; falam pelo que confessam e são mudos pelo que negam”.

As testemunhas ouvidas noticiam fatos graves, com versões diferentes. Muitos faltam com a verdade ou a escondem. São mais futuros réus do que verdadeiras testemunhas e a cada passo surgem documentos de toda ordem e de toda natureza.

A confusão é tanta que até poeticamente podemos nos lembrar de Fernando Pessoa, em Obra Poética, Ed. Aguilar, 1965:

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que haviam se zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham a razão. Não era que um via uma coisa e o outro outra, ou que um via o lado das coisas e o outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como haviam se passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade”.

Há mentiras de toda sorte: mentira heróica, a mentira política, a mentira piedosa, a mentira do amigo e a mentira da conveniência.

Nossa língua tem apenas a palavra mentira para designar qualquer alteração da verdade e enquanto não existir outra, para designar até pequenas intrujices. Portanto, é mentiroso quem não fala a verdade.

E quantos aí estão a esconder a verdade “sob o manto diáfano da fantasia”?

A nossa esperança é que a prova seja como o jogo de “puzzle. Reunidas, algumas, uma idéia já se fez do quadro. Em um maior número ligadas, mais clara será a figura. Todas juntas, o quadro estará completo. A verdade aparecerá por inteiro.

Enquanto se revolvem conta de estatais, de fundos de pensões, bancos e entidades privadas, estamos montando o tabuleiro da verdade.

Por ora, quando os representantes dos altos escalões da República dizem que não sabiam da sujeira que está sob o tapete, só podemos dizer: Vivemos no Reino da Mentira.
 

2 comentários:

David Cizino Baracho disse...

A mentira é demasiadamente humana. Em muitos casos se presta a viabilizar a convivência pacífica. Contudo, mesmo os mentirosos anseiam pela verdade. É como se esta fosse um ideal. Mas, afinal, o que é a verdade? Cada um parece ter a sua. Não raro se confunde com algo chamado de versão. É justamente o que foi mencionado no texto. Dois amigos que brigam e apresentam suas razões. Cada qual tem a sua versão e certeza de que a verdade está com ele. Concordo com o articulista que a verdade nunca chega aos tribunais. Nestes a história chega bastante distorcida pelas partes e testemunhas e o juiz se encarrega de transformá-la numa história adequada ao processo, dando-lhe forma jurídica. Fico a me perguntar se poderia ser diferente?

Unknown disse...

Primoroso texto!

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)