A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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15 de outubro de 2010

Impunidade para traficantes

Ao permitir que traficantes tenham penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da manifestação do Legislativo

Lugar de traficante não é mais na cadeia. É na escola, prestando serviços. Pelo menos é essa a decisão do STF, que, em setembro, julgou inconstitucional dispositivo da Lei de Drogas que proibia a aplicação das chamadas penas alternativas àqueles condenados pelo crime de tráfico de entorpecentes.

A decisão, proferida no julgamento de um habeas corpus, produz efeitos apenas para o caso específico, mas indica um entendimento que poderá ser repetido em outros julgamentos.

O fundamento para o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma foi o princípio constitucional da individualização das penas.

Ora, é a própria Constituição Federal que prevê tratamento mais rigoroso para os autores dos crimes hediondos e equiparados, como é o caso do tráfico.

Também é a Constituição que remete ao Congresso a regulamentação das penas alternativas, que já o havia feito, inclusive criando restrições à sua aplicação, sem que se falasse em ofensa ao referido princípio da individualização das penas.

É certo que o legislador não pode tratar, de forma diversa, situações idênticas. Não é o caso do traficante, o que traz correção à decisão do Poder Legislativo na vedação de pena alternativa para o tráfico.

Ao permitir que traficantes tenham suas penas substituídas por medidas alternativas, o STF passou por cima da soberana manifestação do Poder Legislativo, que, de forma legítima e atendendo ao espírito da Constituição, impôs a estes criminosos um tratamento mais severo.

A Lei de Drogas, não com nosso aplauso, já havia criado diferença no tratamento para pequenos e grandes traficantes, permitindo àqueles redução drástica na pena.

Ou seja, o Poder Legislativo já tinha estabelecido uma política criminal favorecendo os criminosos de menor gravidade, com menos tempo de cárcere e possibilidade de reinserção rápida à sociedade, com a progressão de regime.

Nesse sentido, um traficante primário e não integrante de organização criminosa é condenado, em regra, a pena de um ano e oito meses.

Com a progressão, permanece apenas oito meses no regime fechado, passando ao semiaberto, com possibilidade de trabalhar fora do presídio, e depois para o aberto.

Isso já nos parece por demais brando, tratando-se de crime que a própria Constituição Federal considerou hediondo.

Não podemos nos esquecer, ainda, que Justiça criminal não se confunde com justiça social. Os malefícios decorrentes do tráfico de entorpecente são amplamente conhecidos pela sociedade brasileira e precisam ser reprimidos duramente.

A experiência mostra que, direta ou indiretamente, a maior parte dos crimes violentos (homicídios, latrocínios, roubos) está relacionada ao comércio e ao consumo de drogas.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal representa grave prejuízo para a repressão do tráfico de drogas e um incentivo para o envolvimento de nossos jovens no comércio de entorpecentes.

Autores:

ANDRÉ LUIZ DOS SANTOS, 34, mestre em direito constitucional, é promotor de Justiça em Guarujá (SP). Trabalhou no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) em Santos.

SILVIO DE CILLO LEITE LOUBEH, 35, é promotor de Justiça em Cubatão (SP). Trabalhou no Gaeco em Guarulhos.
 
Fonte: Jornal "A Folha de S. Paulo" de 14/10/10.

Um comentário:

Vellker disse...

Infelizmente a progressão da pena ou melhor dizendo, a progressão social, jurídica e legislativa dos traficantes caminha a passos largos aqui no Brasil, resultado da postura já notoriamente suspeita das leis redigidas pelos políticos de hoje e da "intelectualidade" brasileira, com sua postura pública leniente, quando não conivente com o consumo e por consequência com o tráfico de drogas.

A violência aplaudida pelos espectadores nos cinemas ao verem o Capitão Nascimento resolver tudo na bala em Tropa de Elite é vista pelos nossos cronistas sociais como postura "atrasada". Moderno mesmo é passar a mão na cabeça do micro-traficante, que detido com uma pequena porção de drogas na esquina tem que ser liberado pelos policiais. Depois nossos cronistas sociais falam em confortáveis estúdios de televisão sobre "políticas do estado para assistência psicológica aos dependentes químicos". Afinal fica feio chamar o próprio filho de viciado.

Estúdio de televisão com ar condicionado é melhor do que ficar embaixo do viaduto, na região do crack das grandes cidades fazendo um trabalho de recuperação dos viciados. Isso é para o Estado. Tem até ex-presidente dizendo isso. Olha como é bonito defender viciados até nos corredores de faculdades.

A decisão do STF veio em boa hora e em boa forma. Melhor já pôr tudo às claras e deixar dito com esses entendimentos jurídicos que o crime já tomou conta de quase tudo aqui no Brasil. Na hora de julgar o Ficha Limpa, um empate e uma indecisão providencial. Na hora de deixar traficantes soltos, aí não tem hesitação, "teje solto" e pior, na escola, aliciando menores para o tráfico.

Que mais resta ao povo brasileiro? Ver o Capitão Nascimento no cinema e sonhar com ele nas ruas mesmo, resolvendo tudo como tem que ser resolvido.

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