Reunidos na serra gaúcha, durante o Encontro Nacional dos Promotores do Júri, promovido pela AMP/RS, eles redigiram a Carta de Gramado, por meio da qual manifestam sua contrariedade com o projeto. Na avaliação dos promotores, caso aprovada, a reforma tornará ainda mais difícil a condenação do réu. De acordo com o coordenador do evento, David Medina da Silva, muitas das alterações estão sendo sustentadas com o objetivo velado de beneficiar o réu. A proposta da abertura da comunicação entre os membros do júri é um exemplo apontado como um crime contra a Constituição Federal, uma vez que compromete o princípio do sigilo das votações e a segurança do corpo de jurados. A proibição do uso da prova do inquérito policial durante os debates em plenário, outro item proposto na reforma, também poderá dificultar o trabalho o Ministério Público.
O receio é que, com tantas restrições, alegadamente para assegurar na integralidade o direito de defesa do réu, a criminalidade cresça na proporção da certeza da impunidade. Confira abaixo a íntegra do documento que deverá ser encaminhado aos parlamentares de todos os Estados nos próximos dias.
CARTA DE GRAMADO
1) O Tribunal do Júri, órgão judicante composto por membros da comunidade, consubstancia notável instrumento democrático de realização da justiça, vocacionado à defesa do direito fundamental à vida humana, merecendo indispensável respeito por parte dos legisladores e operadores do direito à sua história, estrutura e aos valores que lhe foram consagrados na Constituição Federal,
2) A partir deste contexto, constata-se irrefutável a necessidade de preservar a essência e efetividade do Tribunal Popular, bem como os princípios que historicamente, até então, nortearam e garantiram o seu bom funcionamento.
3) As mudanças pretendidas pelo projeto de reforma do processo penal violam princípios constitucionais importantes, tais como a incomunicabilidade do Conselho de Sentença e o sigilo das votações, garantidores da liberdade de formação do convencimento íntimo do jurado, que deve ser influenciado unicamente pela atuação democrática e igualitária das partes durante a instrução e julgamento da causa.
4) A pontualidade das melhorias a serem aplicadas a este Tribunal Constitucional deve ser discutida com os operadores do direito, conhecedores das graves distorções criadas pela última alteração recentemente implementada pela lei n. 11.689/08 que, a pretexto de modernizar o processo penal e reduzir a criminalidade, induziu em erro o tecido social e os meios de comunicação, numa falsa percepção de combate à impunidade.
5) A igualdade entre as partes, o afastamento das mordaças impostas e o pleno acesso dos jurados a todos os elementos de prova devem ser metas permanentemente buscadas para o justo aperfeiçoamento e funcionamento do Tribunal do Júri, bem como para a devida punição dos autores de crime doloso contra a vida.
6) A desejada redução da impunidade não será alcançada por estas malsinadas propostas legislativas. A melhoria do aparelho investigatório, através do aprimoramento das técnicas de apuração dos delitos, e as necessárias modificações legislativas e instrumentais na execução das penas devem ser prioridades para o Estado, coibindo-se o abolicionismo irresponsável, travestido de pseudo garantismo, que somente causa intranquilidade no meio social, fomentando a criminalidade.
7) É imperativo, também, o aprimoramento da estrutura afeta às Promotorias do Júri, impondo-se às Chefias Institucionais a imediata implementação de políticas voltadas à criação de perfeitas condições para a atuação - e pleno desempenho - do Promotor de Justiça na esfera criminal, notadamente a especialização do membro que atuará no plenário do júri, não se olvidando da segurança pessoal do membro do Ministério Público e sua família, evitando-se a repetição de trágicos episódios como as graves ameaças dirigidas ao colega Edson Augusto Cardozo de Souza (PA) e os assassinatos de Fabrício Ramos Couto (PA) e Marcelo Dario Muñoz Küfner (RS), atacados, todos, em razão do exercício de suas funções.
8) Assim, os Promotores do Júri, imbuídos do firme proposito de combater os despropósitos legislativos assinalados, bem como quaisquer outras tentativas de indevidamente mitigar a Instituição do Tribunal do Júri, estabelecem como meta prioritária preservar os inderrogáveis valores democráticos concernentes ao poder soberano do povo de julgar o seu semelhante pela prática de ato doloso atentatório ao basilar direito à vida.
9) Conclama-se, por fim, a todos que atuam no plenário e à sociedade em geral, repudiar veementemente quaisquer alterações que comprometam o regular funcionamento do Júri, limitando suas características enquanto instituição democrática, sobretudo as últimas propostas de reforma do processo penal, cujo teor fragiliza marcantemente o colegiado popular, sinalizando a possibilidade de sua extinção em futuro próximo.
Aos catorze dias do mês de agosto do ano de 2010, a Comissão Redatora eleita, composta por Cristiano Salau Mourão (RS), Mauricio Silva Miranda (DF) e Antonio Eduardo Cunha Setubal (BA), que redigiram e encerram o presente documento.
2 comentários:
Por essas questões que sempre estou a me indagar... por que essa onda de criação de leis e interpretações absurdas para beneficiar bandidos (no caso, assassinos), em detrimento de uma população de bem, assolada e cansada de tanta impunidade?
Quem tem interesse nessa balbúrdia e volta ao caos?
Será que ao se analisar quem são os autores desses projetos de leis, pareceristas, relatóres de comissões, congressistas que votam favoráveis, entre outros, obtem-se um norte? Será que podem ser os primeiros a responder a tais questões?
Será que estão 'por conta' ou 'estão a serviço'?
Bom... talvez valha a pena analisar...
Reage Brasil!
Fernando M. Zaupa
Promotoria do Júri
Campo Grande-MS
www.considerandobem.blogspot.com
Infelizmente o Brasil não vai reagir, os promotores verão o fim de coisas como o colegiado popular como dizem no final de sua carta e a elite criminal que rege este país vai ver a população na visão clássica dos bandidos: "tá tudo dominado".
Com a conjunção de interesses que foi tomando conta da legislação deste país, baseada na lógica do privilégio e da impunidade não poderia terminar de outra forma mesmo.
Bonita a carta de Gramado, mas é melhor que fique só na carta mesmo e em outra reunião os promotores nem devem perder tempo com tais declarações. Deixem o Brasil seguir seu triste caminho, onde no final haverá um desenlace doloroso dessa situação. E sigam junto.
Os interesses que dominaram os três poderes no país vem fazendo seu trabalho de forma diligente há 25 anos, propondo e redigindo leis que favorecem a impunidade, recheadas de subterfúgios, recursos e brechas pensadas para isso mesmo.
Todos agora lamentam a situação, mas preferiram cultuar inaceitáveis leis sem muito desconforto. Ao culto extremado do privilégio e da impunidade deram o nome de prerrogativas e garantias. Mas só para os membros dos três poderes, com seus foros privilegiados e demais facilidades que os tornam impunes em qualquer delito. Como não poderia deixar de ser, os legisladores trataram de assegurar a impunidade total com mais leis, tornando-se praticamente imunes a qualquer procedimento penal. Do que adianta os promotores expressarem sua preocupação de uma forma tímida e restrita a um pequeno círculo de leitores?
Parece, na análise do texto, que ele se ressente da perda de uma exclusividade jurídica, como se certos privilégios que contemplam os membros dos três poderes estivessem para se tornar também comuns para os cidadãos mais comuns ainda.
Jamais vimos e parece que jamais veremos uma passeata dos juízes, promotores, advogados, senadores e deputados pelo fim da impunidade, das prerrogativas absurdas e dos foros privilegiados, onde seria demonstrada e debatida de forma aberta e decidida para milhões de brasileiros um posicionamento firme contra essa legislação de criminosos, uma espécie de secessão jurídica e política pelo bem de todos.
Enquanto continuarem esses protestos dentro dos muros de uma vida onde a justiça tem pouco alcance, nada se pode esperar. Todos vão querer imitar e desfrutar do mau exemplo. O texto peca pela falta de uma auto-crítica que fixe de forma eloquente o marco inicial de uma saudável revolta cívica. Justiça para todos e a nação sairá ganhando.
No final da carta dizem que a sociedade deve repudiar de forma veemente essas alterações. Ela repudia isso há 25 anos e do que é que adianta se nenhum poder ela tem para transformar o repúdio em veto, mudança ou pena que atinja de forma implacável os criminosos?
Esses sim, ao contrário da sociedade é que foram criando um verdadeiro almoxarifado de legisladores para todos os fins e ao longo desse tempo veem-se felizes com sua bem cimentada impunidade, a cada dia mais reforçada.
Vellker
http://cartasdepolitica.blogspot.com
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