A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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22 de março de 2010

Filosofia da boneca Emília : “A vida é um pisca-pisca”


Monteiro Lobato foi um homem notável. Inteligente, perspicaz, advogado, editor, escritor, desenhista, crítico e nacionalista. Um nacionalismo ferrenho, que chegou a lhe custar a prisão. Preso por patriotismo! Um eterno inconformado. Não do tipo que apenas reclama, mas que luta, indignado, pela transformação. Um amante dos livros, um sabedor do universo infantil, um desbravador de nossa literatura para crianças. “Um país se faz de homens e livros”, por isso escrevia, em especial, para as crianças, alimentando de fantasia, aventura e liberdade as inteligências espertas desses homens do amanhã.

É sempre motivo de prazer o resgate do olhar infantil que a releitura de suas obras nos provoca. Das suas fantásticas personagens que povoavam o universo utópico do Sítio do Picapau Amarelo, não há como se esquecer da boneca Emília. Irreverente, teimosa, sabichona, inconformada a exemplo de seu criador. Por meio de suas tiradas, vamos nos apropriando das ideias de Lobato: "O segredo, meu filho, é um só: liberdade. Aqui não há coleiras. A maior desgraça do mundo é a coleira. E como há coleiras espalhadas no mundo.", dizia a boneca com seu tom sempre professoral. Os livros libertam os homens, defendia o escritor.

Vale a pena reler a obra de Monteiro Lobato. Quantos ensinamentos e reflexões trazem as aventuras da Turma do Sítio. Memórias da Emília é um verdadeiro tratado de Filosofia. Com senso de humor sutil, mas afiado, suas palavras nos provocam, cutucam , incomodam. Deliciosamente. Conta que certo dia, Emília resolve escrever suas memórias. Convoca, mandona, o Visconde de Sabugosa para auxiliá-la. A boneca decide explicar o significado da vida, palestrando ao Visconde, já impaciente com a demora. Emília defende-se:

- Sei dizer coisas engraçadas e até filosóficas. (…) Sabe o que é um filósofo, Visconde?

O Visconde sabia, mas fingiu não saber. A boneca explicou:

- É um bichinho sujinho, caspento, que diz coisas elevadas que os outros julgam que entendem e ficam de olho parado, pensando, pensando, Cada vez que digo uma coisa filosófica, o olho de Dona Benta fica parado e ela pensa, pensa…

- Ficam pensando o quê, Emília?

- Pensando que entenderam.

O Visconde enrugou a testinha e quedou-se uns instantes de olho parado, pensando, pensando. Aquela explicação era positivamente filosófica.

- E como sou filósofa – continuou Emília – quero que minhas Memórias comecem com a minha filosofia de vida.

- Cuidado, Marquesa! Mil sábios já tentaram explicar a vida e se estreparam.

- Pois eu não me estreparei. A vida, Senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar, chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais.(…)

O Visconde ficou novamente pensativo, de olhos no teto.

Emília riu-se.

- Está vendo como é filosófica a minha idéia? O Senhor Visconde já está de olhos parados, erguidos para o forro. (…) A vida das gentes neste mundo, senhor sabugo, é isso. Um rosário de piscadas. Cada pisco é um dia. Pisca e mama; pisca e anda; pisca e brinca;pisca e estuda; pisca e ama; pisca e cria filhos; pisca e geme os reumatismos; por fim pisca pela última vez e morre.

- E depois que morre? – perguntou o Visconde.

- Depois que morre vira hipótese. É ou não é?”

Temos que concordar com Emília. E se há vida, não fechemos , então, nossos olhos.

2 comentários:

Vellker disse...

Um texto muito bem vindo sobre Monteiro Lobato. Em que pese o diálogo entre a boneca Emília e o Visconde de Sabugosa, pela postura do escritor que sempre foi pela defesa do que é justo e correto e pelo nacionalismo mais profundo, podemos tirar mais reflexões de sua obra.

Em certa época de sua vida, na defesa do petróleo brasileiro e dedicado à pregação nacionalista, viu-se Monteiro Lobato enfiado por três meses na Casa de Detenção de São Paulo. Irônico como sempre deixou um texto relatando
suas experiências, onde dizia-se cercado de homens de bem, que por um motivo ou outro haviam transgredido a lei, mas eram finas pessoas comparadas com os políticos que eram a praga do Brasil. E ainda são.

Muitos brasileiros aprenderam a realmente ler e escrever com seus livros. Eu mesmo rendo gratas homenagens a esse mestre que nunca conheci, mas que com seus livros me ensinou muito. No livro denúncia "O escândalo do petróleo e do ferro" onde denunciava a ação de empresas estrangeiras já de olho nas riquezas petrolíferas e minerais
do Brasil, ele foi com aqueles textos um dos brasileiros que ajudaram a despertar a consciência nacionalista do brasileiro comum.

O que Monteiro Lobato não pôde prever ou se previu, pensou que talvez estivesse delirando foi que a baixeza dos políticos fosse chegar a
profundidades abissais e que sua deslealdade para com o povo e a nação brasileira fosse alcançar o estado de podridão que vemos hoje.

Leio nos jornais que o indicado para assumir a vaga de governo no Distrito Federal depois da prisão do governador por corrupção, está na cadeia, de onde exige a liberdade para assumir. Isso mesmo, um corrupto, pela lei tem que
ser empossado para substituir outro corrupto. Mas para isso exige ser libertado. Olho um outro jornal antigo e leio sobre o escândalo dos
magistrados do Mato Grosso, que depois de desviarem dinheiro do judiciário para seus propósitos terminaram todos aposentados. Folheando mais outro vejo que a imensa riqueza natural petrolífera do pré-sal se transforma em
uma caça ao tesouro em debates de assembléias minadas de alto a baixo pela corrupção com o chefe do executivo vendo quem pode ser aliado do seu partido e por conseguinte receber suas graças na decisão final. Na esperança
de coisas melhores pego o jornal de hoje. Leio que um funcionário do Tribunal de Justiça de Alagoas e um advogado foram presos por venda de sentenças. Na outra coluna sai a notícia de que 12 mil livros escolares foram jogados no lixo
em Goiás. Enquanto isso, um ex-presidente na busca ensandecida dos holofotes da imprensa sai defendendo a liberação das drogas. Na outra página é informado que a briga de médicos em plena sala de operação que resultou na morte de uma mulher prestes a dar à luz caminha a passos de impunidade.

Deixo os jornais e me lembro do livro denúncia de Monteiro Lobato. O nome não me sai da cabeça, "O escândalo do petróleo e do ferro". Me lembro do ditado que Monteiro Lobato deixou para os brasileiros: Um país se faz com homens e livros. Saio de casa, caminho poucos passos e vejo a maioria dos jovens de hoje. Classe média, maltrapilhos por vontade própria, usam um boné
ensebado na cabeça, uma camiseta suja, um rídiculo bermudão, chinelões sujos, copo de cachaça numa das mãos, cigarro de maconha na outra, escutando em volume alto os mais dolorosos barulhos do que chamam de funk, incapazes de pensar, de ler, de entender seu próprio país. Creio que esse cenário levaria Monteiro Lobato às lágrimas mais doloridas que ele já chorou em sua vida. Como nação, estamos a um passo da desagregação.

Restaria a ele escrever um novo livro, sobre esses tempos. O título seria "O escândalo do petróleo, do ferro, do judiciário, do legislativo, do executivo e da ignorância".

Para completar ele teria que criar um novo ditado: "Um país se desfaz com drogas e políticos".

Anônimo disse...

vellker achei muito interessante o que você disse. moro num bairro de periferia em Sobral-CE, e vejo tudo o que você deve imaginar que acontece nesse tipo de lugar. deprimo-me as vezes com a realidade que tenho que presenciar todos os dias. entristeço-me... porém em meu mundo particular, busco refúgio nos poucos livros que tenho, nao para esquecer do que está acontecendo lá fora,mas sim para primeiro munir-me de conhecimento para auxiliar os que são estimualados a não desenvolver uma visão de mundo que os faça melhorar suas condições de vida, em todos os seus aspectos.

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