A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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7 de janeiro de 2011

Quem tem medo do poder?



Volta e meia o mundo acadêmico tenta decifrar temas complexos, como o que faz alguns homens deterem o poder e outros não. Esse é um assunto que resiste aos séculos como as baratas, sem encontrar uma explicação plausível. A bola da vez da investigação coube a Jeffrey Pfeffer, professor de comportamento organizacional da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, que escreveu o livro Power: Why Some People Have It — And Others Don’t (“Poder: Por que algumas pessoas têm — e outras não”, ainda não traduzido para o português). Guardado o devido respeito, o ilustre mestre em sua obra quase sempre choveu no molhado. Ele afirma, por exemplo, com base em observação científica, que competência e poder raramente andam juntos. Basta trabalhar em qualquer corporação para chegar a essa mesma conclusão. O autor deixou o leitor sem uma resposta à pergunta central do livro. Afinal, o que faz tanta gente correr atrás do poder?

O fato é que poder é bom não só para quem o detém, mas também para a saúde financeira das empresas. Um estudo citado no livro de Pfeffer avaliou a motivação de gerentes para atingir o sucesso. Encontrou três tipos de profissional. O primeiro era formado por gente emocionalmente carente em busca de estima pelos demais. O segundo grupo buscava o sucesso apenas como forma de realização pessoal. O terceiro visava simplesmente alcançar o poder e, não por coincidência, era constituído por gerentes seniores ou diretores, ou seja, a turma que melhores resultados trazia para suas empresas. Conclusão: quando se trata de sucesso profissional, o poder não é opção; é o único caminho.

Não há incompatibilidade entre deter poder e fazer carreira sem prejudicar ninguém. O problema são desvios de comportamento que alguns profissionais desenvolvem durante o trajeto para o topo da hierarquia. O mais conhecido deles é o “jogo do poder”, que inclui desde a autopromoção à custa da empresa até receber crédito por trabalhos realizados por outros. Seguem-se demonstrações de força para humilhar subordinados, uma tática que, em suas formas mais trogloditas, vai de broncas injustas a demandas para que trabalhos impecáveis sejam refeitos. Os que chegam ao topo contam que, na prática, duas regras vigoram. A primeira é manter o chefe feliz. Traduzindo em miúdos: na empresa vale tudo, desde que no final os problemas não recaiam nas costas dos superiores. A regra 2 é escapar da regra 1, que pode se tornar uma arapuca e descambar em estagnação de carreira. Como combinar a dose certa, então, para subir na vida? A receita para esse drinque imaginário é misturar uma dose de competência (opcional), duas de habilidade política e uma gotinha de desempenho. Depois, é só agitar até tudo se transformar em poder.

O fardo para se manter no cume hierárquico é pesado. Começa com a inevitável oposição que se forma à medida que a escalada ao poder começa. Como se safar nos conflitos? Eis a fórmula recomendada por quem chegou lá: enquanto os mais ingênuos batem de frente, os habilidosos se fingem de morto nas confusões formadas, contornam problemas com graça e sempre permitem uma saída honrosa aos oponentes. Fazendo alianças, mostrando-se maleáveis em adversidades, nunca tomando as coisas como pessoais e avançando em várias frentes ao mesmo tempo, os mais obstinados, junto com seu estômago de avestruz, chegam lá. Aos demais cabe, então, se reportar aos vencedores, que, por sua vez, saberão impor aos derrotados, perdão, subordinados, o doce sabor do prêmio aos leais e o amargor da pena dura aos rebeldes, formatando assim o comportamento que se deseja imprimir ao grupo.

Manter-se no poder não só é difícil, mas exige sacrifícios, como ter uma visibilidade pública escancarada e o potencial de se tornar vitrine para pedradas. Nas empresas, muitas vezes isso se traduz no fim da vida pessoal, no tempo imenso gasto em relacionamentos, representações e satisfações públicas sem fim. Mas talvez o pior dos efeitos colaterais seja perder a confiança nos mais próximos, já que nunca se sabe se as opiniões são desinteressadas ou camuflam a realidade. Silvio Santos e sua experiência com a diretoria do banco Panamericano são um bom exemplo, mas certamente não o único. Cenas semelhantes acontecem todos os dias nas empresas.

Diante disso, fica a pergunta: por que tantos que atingem os píncaros da glória ainda insistem em estender a estadia no hotel do poder? É que ele vicia, e não apenas no sentido psicológico. Faz bem para a saúde e para o ego, traz fama, reconhecimento, status social e riqueza. Não é para menos que, com o tempo, surge em qualquer sujeito poderoso a paranóia em cometer erros fatais. O que cedo ou tarde acaba acontecendo. Primeiro, porque o poder inebria, provoca autoconfiança excessiva e insensibilidade em relação aos problemas dos outros. Segundo, porque exige dedicação e vigilância sobre-humanas, e num cochilo os inimigos se juntam. Mas a pior das patologias é não reconhecer a hora de pendurar as chuteiras. Afinal, quem espera a festa acabar para ir embora?

Por Fabio Steinberg, jornalista e escritor, autor dos livros Ficções Reais e Viagem de Negócios.
Fonte: Revista Alfa - Dez/2010

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