A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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22 de junho de 2009

“Projeto de Lei Paulo Maluf”: tentativa de calar o Ministério Público (e a sociedade)

Ao mesmo tempo em que lamentavelmente assistimos o Congresso Nacional mergulhado em sucessivos escândalos, dentre os quais ganha destaque a descoberta recente de atos administrativos “secretos” na burocracia do Senado Federal (prática que faz triste resgate e memória dos “anos de chumbo” da nefasta Ditadura Militar), não causa nenhuma surpresa que, nesse contexto, das mesmas trevas democráticas seja exumado o Projeto de Lei n. 265/07, de autoria do Deputado Federal Paulo Maluf (PP/SP).

O Projeto de Lei n. 265/07 trata-se de expediente a partir do qual o referido parlamentar pretende enfraquecer conjunto de leis que instrumentalizam mínima possibilidade de combate à corrupção e desvios de recursos públicos (Lei de Ação Popular - 4.717/65, Lei Ação Civil Pública - 7.347/85 e Lei de Improbidade Administrativa - 8.429/92) buscando apoio à sua desesperada e mesquinha tentativa de “calar”a a legítima e constitucional função do Ministério Público brasileiro que, embora precise se aprimorar, como qualquer instituição republicana, já ostenta com felicidade e orgulho, no seu currículo, relevantes serviços prestados à sociedade brasileira, tanto que dela tem merecido crédito e confiança de acordo com diversas múltiplas fontes de pesquisa e opinião.

A famigerada proposta legislativa, a despeito de seu teor divorciado do Estado Democrático de Direito, inclusive, foi recuperada e resgatada da sua escuridão aparentemente com o apoio e chancela de outros parlamentares que teriam endossado sua apreciação em regime de urgência. Segundo noticiado pela imprensa, ao retomar sua desastrada manobra legislativa o Deputado Paulo Salim Maluf ganhou apoio explícito de pelo menos seis colegas parlamentares, no caso: Cândido Vaccarezza - PT/SP, Henrique Eduardo Alves - PMDB/RN, José Aníbal – PSDB/SP, Jovair Arantes –PTB/GO e Lincoln Portela - PR/MG, os quais, inclusive, juntamente com o autor da projeto, podem e devem ter o seu histórico parlamentar consultado no site da Transparência Brasil (www.transparencia. org.br – tópico Excelências), inclusive para que a sociedade verifique o registro de menção e envolvimento dos seus nomes eventualmente à algum tipo de irregularidade repercutida pela imprensa, situação que, dependendo do caso, adianta-se, pode abranger tanto a menção do nome de parlamentares na recente apuração do uso supostamente irregular de passagens aéreas pagas com recursos públicos, como também envolver cartas de recomendação a ONGS tidas por fantasmas e existência de processos eleitorais por “caixa 2” .

O malsinado arremedo de “Projeto” legislativo nada mais é do que o uso de uma velha e surrada prática, da até hoje felizmente frustrada e covarde tentativa de intimidar e amordaçar os membros do Ministério Público brasileiro no cumprimento exemplar do seu papel constitucional de defesa do patrimônio público, que inclui exercício atividades fiscalizatórias de defesa da legalidade de interesse geral e coletivo, que, dependendo do caso, pode contemplar tanto exercício de atribuições extrajudiciais resolutivas consubstanciadas em recomendações administrativas e celebração de termos de ajustamento de condutas, bem como, obviamente, abranger propositura de demandas para punição de ilícitos cíveis de improbidade administrativa e oferecimento de denúncias para promover persecução penal de crimes de “colarinho branco”, trabalho árduo cujo resultado, apesar da morosidade ordinária do Judiciário no processamento e julgamento desses casos, ainda incomoda, e muito, os “poderosos” de plantão que, como se barões coloniais iludidos ainda fossem, acreditam-se excluídos do pacto social democrático e republicano.

A propósito, basta rápida leitura na superficial “proposta legislativa” para perceber que o parlamentar autor, conhecido “freguês” e habitual réu em diversas ações movidas pelo Ministério Público brasileiro, ao veicular sua pretensão, nada mais faz do que legislar vergonhosa e descaradamente em causa própria, demonstrando interesse, aí sim, de “manifesta promoção pessoal”, “má-fé” e “perseguição política”, vícios que contraditória e falaciosamente alega pretender combater com sua “iniciativa”.

Se existe necessidade de aperfeiçoamento legislativo para evitar abuso, esta passa, no caso, pela necessidade de uma urgente e significativa Reforma Política que, inclusive, proponha mudanças profundas e estruturais na legislação eleitoral, dentre as quais, por exemplo, espera-se, não mais seja permitido que alguém com a “ficha” e o histórico político e processual do Deputado Maluf tenha possibilidade de obter registro e chancela eleitoral de candidatura para disputar cargo público das mais altas esferas de poder, pois, certamente, não há maior desvio de finalidade do que alguém se valer de cadeira representativa de um Parlamento idealmente voltado a servir à causa do povo para legislar de modo parcial e absolutamente favorável aos seus exclusivos interesses privados e pessoais, situação esta que, em tese, configura improbidade administrativa por violar os princípios constitucionais da administração pública inscritos no artigo 37 da Constituição da República.

Da mesma maneira que parlamentares das esferas municipal e estadual não podem legislar de modo a favorecer o tráfico e influência de seus interesses mesquinhos particulares e pessoais, incrível que a inexistência de mecanismos que permitam fiscalização popular dos mandatos chegue ao ponto de permitir a existência de parlamentares ora dispostos a demonstrarem desprezo pelo pensamento da população, ora dispostos a aprovar perversos e bizarros projetos legislativos que, vale dizer, como o expediente mencionado, em último grau, não se destina a calar o Ministério Público e seus membros, mas sim prejudicar, amordaçar e amarrar a própria sociedade que, por sua vez, encontra nesta mesma instituição republicana, valorizada sobremaneira pela Constituição Cidadã de 1988 (vide artigos 127 a 129), um verdadeiro e intransigente“fiscal” e ombudsman encarregado de fazer a defesa dos seus mais elevados interesses.

Chama atenção, ainda, o fato de que o “epidérmico” e despropositado projeto, na sua minguada e praticamente inexistente fundamentação, não traga nenhum exemplo, caso ou processo que contenha os vícios que a malsinada e temerária iniciativa diz querer combater.

Não por outro motivo que a fundamentação e o “clamor” para que os pares legisladores aprovem o projeto, feito sem escrúpulos pelo Deputado Paulo Maluf, merece ser respondida com a voz das ruas, com o impacto do tambor dos movimentos sociais, com a força das mãos calejadas dos operários seguindo sempre os passos e caminhadas da mobilização e articulação popular, as quais se espera poder juntar o apoio da mídia independente e responsável capaz de compreender que, em verdade, repita-se, quem busca “promoção pessoal', tenta legislar de "má fé" e quer "perseguir politicamente" o Ministério Público é o próprio Deputado Paulo Maluf e, claro, quem mais que resolver e quiser lhe apoiar.

Muita tolice e pretensão achar que iniciativa desta natureza, vinda de quem vem, vai calar o Ministério Público e a sua intransigente defesa da sociedade brasileira que, aliás, precisa acompanhar muito bem esta iniciativa, sobretudo para guardar na memória o registro de todos os parlamentares que eventualmente resolverem endossar e apoiar a indecente “proposta legislativa”, a qual se espera seja tão logo possível sepultada e devolvida ao ostracismo de quem ignora e definitivamente não quer a efetivação dos objetivos da República, dentre os quais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que tenha na cidadania o seu primeiro fundamento.

Por Márcio Berclaz, Promotor de Justiça (MP/PR) e editor do blog "Recortes Críticos".

Um comentário:

Mury com y P... disse...

Isso é uma vergonha se for aprovado.
Caberá ADI por infringir o art. 129 CF.

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Paradigma

O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)