A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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15 de abril de 2009

Waldir Troncoso Peres


Quem é do júri sabe a grandeza de Waldir Troncoso Peres (foto), que, infelizmente, faleceu no último fim de semana. Perda irreparável.

Sobre a figura do Dr. Troncoso, é muito interessante o texto redigido pelo advogado criminalista José Carlos Dias, publicado hoje na Folha de S. Paulo.

***

A morte do Espanhol

Morreu Waldir Troncoso Peres, talvez o mais brilhante advogado de júri que conheci nestes 50 anos de advocacia -pela eloquência, pelo brilho de sua oratória e pelo conteúdo de seu discurso. Era uma figura admirável.

Emociono-me ao lembrar-me dele, do seu tão grande talento, porque o Waldir era incomparável, uma torrente maravilhosa de palavras e frases, sempre envolvendo e apaixonando o ouvinte. Por diversas vezes repeti que, se um dia, por "madrastaria do destino", adotando a sua linguagem, viesse a matar alguém, teria como minha maior aspiração que o Waldir se encarregasse de me defender, ainda que usando só o tempo da tréplica.

Mas se o Espanhol -como carinhosamente era tratado pelos que conviviam no ambiente do fórum criminal- era o gigante como advogado que soube ser, isso não se devia somente ao grande talento como orador capaz de empolgar e convencer os jurados, ainda que não tivesse conhecido a prova dos autos em todas as suas minúcias. E a lenda efetivamente era essa. Mas a verdade é que era insuperável em sua capacidade de absorver o sumo do processo, de condensar o essencial e arrebatar o ouvinte com argumentos e análises que enveredavam pelo campo da psicologia, da filosofia, da literatura, do conhecimento da alma humana. Isso tudo o Waldir fazia como ninguém.

E que aprumo ético demonstrava o Waldir com os advogados, estimulando os mais jovens, aconselhando-os sem que as lições tivessem o travo do mestre ensinando, mas sempre do colega opinando, com humildade e simplicidade. Não só com os advogados era assim, mas com todos -a devoção aos clientes, a forma de lidar com os humildes, a sua simpatia, o seu senso de humor.

Não posso me esquecer de uma importante causa em que nos defrontamos, eu como assistente de acusação do cantor Lindomar Castilho, que matara Eliana de Gramond. O Waldir, em todas as audiências, voltava à carga com uma frase dita com a entonação típica dele: "Eu vou contar uma coisa pra você: o que me angustia, baixinho, é essa sua crueldade em acusar. Você deveria ser tolerante com o amor, que, ao lado do ciúme, do medo e do ódio, é um dos quatro gigantes da alma", parafraseando Mira y López, e se punha a sorrir com aquela sua capacidade de tornar leve o que seria pesado e fastidioso.

Afinal, não pude ter a alegria de enfrentá-lo no júri, que iria ficar a cargo de Márcio Thomaz Bastos, a quem substabeleci a procuração quando fui convidado por Franco Montoro para assumir a Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo.

Waldir foi o grande defensor dos pobres, como procurador da assistência judiciária que antecedeu a Defensoria Pública de hoje. Lembro-me bem de que oferecemos um banquete ao Waldir quando se estimou que ele tinha completado mil júris, a maior parte em favor de gente humilde.

A morte de Waldir aconteceu depois de longo período em que sofreu a impossibilidade de mostrar o brilho de sua palavra. Com a partida do Waldir, fica-nos a bela lembrança de tempos bons em que nos reuníamos no velho fórum criminal, na esquina de dois corredores que apelidamos de "Praça da Alegria", nos finais de tarde, presentes grandes vultos da advocacia, da magistratura e do Ministério Público -tantos outros que envelheceram na lida do direito, numa camaradagem engraçada e respeitosa que alimentava, naquela época, o cotidiano da Justiça criminal.

Por JOSÉ CARLOS DIAS, advogado criminal, ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Montoro) e ex-Ministro da Justiça (governo FHC). Veja mais sobre Waldir Troncoso.

3 comentários:

Marco Aurélio Germano de Lemos disse...

Sou advogado há 25 anos, e bem me lembro das palavras mágicas do dr. Waldir, figura que aprendi a admirar ainda nos bancos acadêmicos. Impossível esquecer a maneira como ele, quase sempre, encerrava sua fala, fosse na Tribuna do Júri, fosse numa palestra qualquer por esse Páis afora. Dizia, mais ou menos, assim: "Quando morrer, quero ser enterrado de beca. Essa mesma beca tantas vezes molhada pelas lágrimas de mães desesperadas e aflitas. Quero, sim, ser enterrado de beca, pois será com essa mesma beca que tantas vezes abri as portas dos cárceres, é que haverei de abrir, também, as portas do céu". Certamente o "espanhol" conseguiu mais esta vitória, e hoje, de beca, já deve estar pedindo, pela ordem, a palavra ao Criador.

Anônimo disse...

Como estudante de direito,ficarei orgulhoso se um dia conseguir atuar com tal maestria que o mestre Dr.Waldir T.Peres fazia com tanta simplicidade,devido seu vasto e notório saber juridíco.Lamento sua partida,pois fará enorme falta à todos nós.

Anônimo disse...

O Dr. Waldir, o conheci quando trabalhava no Jockey Club e ele, carinhosamente me chamava de "Amaral" , em referência ao baixinho das Cestas de Natal Amaral: Foi meu amigo,me deu forças quando minha esposa morreu e fui pedir seu socorro...Saí de seu escritório de "alma lavada"...Pelos seus conselhos!...
J.A.Jardim Bachareu em Turismo. 03/07/2010

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)