A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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11 de novembro de 2008

Tortura: suprema decisão


Está em mãos do Supremo Tribunal Federal a decisão de uma questão polêmica: a Lei de Anistia - promulgada em 1979, em pleno regime militar - considera inimputáveis os torturadores da ditadura? Um dos juízes que dará resposta é ex-preso político, o ministro Eros Grau, nomeado por outro ex-preso político, o presidente Lula, que usufrui o direito de indenização pecuniária mensal.

A tortura é considerada crime hediondo, inafiançável e imprescritível por leis brasileiras e internacionais. O Brasil aprovou o Estatuto de Roma - tratado internacional de proteção aos direitos humanos - através do decreto legislativo n° 112, de 7/6/2002, promulgado pelo decreto n° 4.388, de 25/09/2002.

Uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, inédita, encaminhada pela OAB, exige do STF decidir se crimes comuns praticados por militares e policiais durante a ditadura estão cobertos pela Lei de Anistia. O presidente da entidade, Cezar Britto, sustenta que a lei de 1979 não isenta militares envolvidos em crimes, deixando em aberto a possibilidade de nova interpretação que permita ao Brasil rever ações praticadas por agentes do Estado.

Anistia não é amnésia. Britto alega que a anistia foi elaborada sobre "base falsa", para assegurar impunidade a quem torturou. Segundo ele, se o período militar não for passado a limpo, os erros cometidos podem se repetir: "É preciso abrir os arquivos (da ditadura) e contar nas escolas a verdade", afirma.

Países como Argentina, Chile e Uruguai apuraram os crimes e puniram responsáveis. Não por uma questão de vingança, e sim de justiça, inclusive com o aparato policial e as Forças Armadas. Não se pode confundir essas instituições com aqueles que, no reino do arbítrio, praticaram em nome do Estado tudo aquilo que contraria princípios elementares dos direitos humanos: sevícias, assassinatos, juízos sumários, desaparecimentos e seqüestro de crianças.

No Brasil, a Lei de Anistia foi elaborada pela ditadura e promulgada pelo general Figueiredo. Os "juristas" de plantão preferiram ignorar os avanços do Direito em casos semelhantes na Europa da Segunda Guerra Mundial.

As resistências francesa e italiana operaram do mesmo modo que, mais tarde, o fariam os "subversivos" brasileiros: recorreram às armas. Terminada a guerra, nenhum membro das Resistências foi anistiado, foram todos homenageados por suas ações consideradas heróicas - delas resultaram a derrota do nazi-fascismo e a libertação daqueles povos, restituídos à democracia.

Os nazistas, entretanto, foram presos, julgados e condenados. O Tribunal de Nuremberg constitui um caso jurídico sui generis. Foi um julgamento realizado ex post facto. O princípio do Direito prevaleceu sobre a ilícita legalidade e as conveniências políticas. Ainda hoje, nazistas sobreviventes são passíveis de punição.

O Brasil inventou algo inusitado na história: tentar apagar, por um decreto de "anistia recíproca", um de seus períodos mais cruéis, os 21 anos (1964-1985) de ditadura. Como se a memória nacional pudesse eclipsar-se por milagre. Assim, os algozes permanecem impunes. E as vítimas? Estas carregam o doloroso peso de, até hoje, conviverem com danos morais e físicos, verem seus torturadores impunes e seus mortos desaparecidos.

Não bastasse isso, a Advocacia Geral da União decidiu, agora, assumir a defesa de torturadores acusados formalmente. O governo do presidente Lula adiantou-se à decisão do STF e colocou o aparato jurídico do Estado (leia-se, do povo brasileiro) a serviço daqueles que violaram o sistema democrático e praticaram crimes hediondos.

A União decidiu assumir a defesa dos ex-comandantes do DOI-CODI de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel, no processo instaurado contra eles pelos procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero. Estes exigem que sejam declarados culpados pelos crimes cometidos sob o comando deles.

Na contestação apresentada a 14 de outubro pela AGU à 8ª Vara Federal Cível de São Paulo, a advogada Lucila Garbelini e o procurador regional da União em São Paulo, Gustavo Henrique Pinheiro Amorim, defendem a tese de que a lei de 1979 protege os coronéis: "A lei, anterior à Constituição de 1988, concedeu anistia a todos quantos, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos (...). Assim, a vedação da concessão da anistia a crimes pela prática de tortura não poderá jamais retroagir".

A ação do Ministério Público contra Ustra e Maciel é a primeira a contestar a validade da Lei da Anistia para acusados de tortura. Os procuradores Marlon Weichert e Eugênia Fávero pedem que Ustra e Maciel restituam à União todo o dinheiro pago em indenizações a vítimas de tortura no DOI/CODI entre 1970 e 1976. Segundo dados das próprias Forças Armadas, divulgados no livro "Direito à Memória e à Verdade", edição da Presidência da República, 6.897 pessoas passaram por aquele antro de sevícias.

A maioria, como Frei Tito, sofreu espancamentos, choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, asfixia etc. Muitos, como Vladimir Herzog, foram assassinados amarrados na cadeira-do-dragão, revestida de metal para aumentar a potência das descargas elétricas.

A União tinha três alternativas: entrar no processo ao lado dos procuradores, permanecer neutra ou tomar a defesa dos carrascos. Preferiu a terceira, escolha inconcebível e inaceitável, até porque contradiz frontalmente toda a legislação internacional assinada pelo Brasil, bem como as recomendações da ONU. E ofende a memória nacional e a todos que lutaram pelo restabelecimento do atual Estado democrático de Direito.

Por Frei Betto, escritor, autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros.

Fonte: Correio da Cidadania, acessado em 10/11/2008.

2 comentários:

Anônimo disse...

Desafio o governo Lula e seus 60 intelectuaizinhos de estimação, os partidos de esquerdae todos os camelôs de direitos humanos a provar que qualquer das afirmações seguintes não corresponde aos fatos:

1. Todos os militantes de esquerda mortos pela repressão à guerrilha eram pessoas envolvidas de algum modo na luta armada. Entre as vítimas do terrorismo, ao contrário, houve civis inocentes, que nada tinham a ver com a encrenca.

2. Mesmo depois de subir na vida e tomar o governo, tornando-se poderosos e não raro milionários, os terroristas jamais esboçaram um pedido de perdão aos familiares dessas vítimas, muito menos tentaram lhes dar alguma compensação moral ou material. Nada, absolutamente nada, sugere que algum dia tenham sequer pensado nessas pessoas como seres humanos; no máximo, como detalhes irrisórios da grande epopéia revolucionária. Em contrapartida, querem que a opinião pública se comova até às lágrimas com o mal sobrevindo a eles próprios em retaliação pelos seus crimes, como se a violência sofrida em resposta à violência fosse coisa mais absurda e chocante do que a morte vinda do nada, sem motivo nem razão.

3. Bradam diariamente contra o crime de tortura, como se não soubessem que aprisionar à força um não-combatente e mantê-lo em cárcere privado sob constante ameaça de morte é um ato de tortura, ainda mais grave, pelo terror inesperado com que surpreende a vítima, do que cobrir de pancadas um combatente preso que ao menos sabe por que está apanhando. Contrariando a lógica, o senso comum, os Dez Mandamentos e toda a jurisprudência universal, acham que explodir pessoas a esmo é menos criminoso do que maltratar quem as explodiu.

4. Mesmo sabendo que mataram dezenas de inocentes, jamais se arrependeram de seus crimes. O máximo de nobreza que alcançam é admitir que a época não está propícia para cometê-los de novo - e esperam que esta confissão de oportunismo tático seja aceita como prova de seus sentimentos pacíficos e humanitários.

5. Consideram-se heróis, mas nunca explicaram o que pode haver de especialmente heróico em ocultar uma bomba-relógio sob um banco de aeroporto, em aterrorizar funcionárias de banco esfregando-lhes uma metralhadora na cara, em armar tocaia para matar um homem desarmado diante da mulher e do filho ou em esmigalhar a coronhadas a cabeça de um prisioneiro amarrado - sendo estes somente alguns dos seus feitos presumidamente gloriosos.

6. Dizem que lutavam pela democracia, mas nunca explicaram como poderiam criá-la com a ajuda da ditadura mais sangrenta do continente, nem por que essa ditadura estaria tão ansiosa em dar aos habitantes de uma terra estrangeira a liberdade que ela negava tão completamente aos cidadãos do seu próprio país.

7. Sabem perfeitamente que, para cada um dos seus que morria nas mãos da polícia brasileira, pelo menos 300 eram mortos no mesmo instante pela ditadura que armava e financiava a sua maldita guerrilha. Mas nunca mostraram uma só gota de sentimento de culpa ante o preço que sua pretensa luta pela liberdade custou aos prisioneiros políticos cubanos.

Desses sete fatos decorrem algumas conclusões incontornáveis. Esses homens têm uma idéia errada, tanto dos seus próprios méritos quanto da insignificância alheia. Acham que surrar assassinos é crime hediondo, mas matar transeuntes é inócuo acidente de percurso (e recusam-se, é claro, a aplicar o mesmo atenuante às mortes de civis em tempo de guerra, se as bombas são americanas). São hipersensíveis às suas próprias dores, mesmo quando desejaram o risco de sofrê-las, e indiferentes à dor de quem jamais a procurou nem mereceu. Procedem, em suma, como se tivessem o monopólio não só da dignidade humana, mas do direito à compaixão. Qualquer tratado de psiquiatria forense lhes mostrará que esse modo de sentir é característico de criminosos sociopatas, ególatras e sem consciência moral. Não tenham ilusões. É esse tipo de gente que governa o Brasil de hoje.

Olavo de Carvalho – filósofo
Alguma dessas perguntas acima são mentirosas ou o ministério público só acredita ser crime a tortura e não o terrorismo, assassinatos, guerrilha, sequestros, roubo a bancos e etc,
É muita hipocrisia que campeia neste Brasil.

Anônimo disse...

A bem da verdade já vai longe e de forma insolente essa movimentação dos antigos esquerdistas que hoje estão na mesma posição dos velhos capitalistas que diziam combater. Hoje em dia é mais fácil achar banqueiro falido do que esquerdista pobre. Tiveram sucesso em seus negócios? Sim, no negócio de Indenizações Sociedade Anônima, onde todos correram para para fazer parte da lista. Se como diz o Frei Betto a União decidiu defender os assim chamados carrascos, decidiu porque sabe das tensões a que leva essa questão que na verdade já é um insulto dos antigos esquerdistas pelo que hoje dizem ter feito, em suma, ter lutado pelo restabelecimento de "um regime democrático". Acredite se quiser, os mesmos que eram treinados em Cuba e na finada União Soviética tinham essa pretensão.

Talvez por terem tomado aulas de democracia vendo as prisões cubanas de G-2 e La Cabaña, os presídios políticos soviéticos de Vorkuta e Kolima onde três milhões de russos experimentaram a democracia esquerdista. Claro, na época em que a União Soviética existia esses "paladinos da democracia" cantavam hinos a Stálin, o maior tirano e assassino que o povo russo suportou e eles nunca explicaram porque é que o povo cubano até hoje continua fugindo para a "decadência capitalista" de Miami ao invés de continuarem no "palácio democrático" de Cuba.

Tudo o que pretendem com seus atos, se bem-sucedidos, é dizerem "Vejam como as Forças Armadas estão adestradas, fazem tudo o que mandamos. Mandamos deitar, elas deitam, mandamos rolar, elas rolam, mandamos fingir de mortas, elas fingem.". Aí nesse ponto começa a fragmentação do Brasil. Essa vai ser a hora de potências estrangeiras terem colocado a Amazônia e províncias minerais que só o Brasil possui sob sua soberania extra-oficial sem terem mandado para cá um soldado que seja. Aí então as potências externas terão sob suas ordens um exército de brasileiros que terão se deixado transformar em soldadinhos de chumbo de estrangeiros.

Terão a seus serviços Forças Armadas desmoralizadas, batidas, sem senso de corporação e sim com senso de obediência a seus detratores. Pior ainda, aumentarão como já fazem em grande parte o total reequipamento das Forças Armadas com material bélico estrangeiro, deixando-as na mesma situação das milícias africanas que vemos na televisão.

A essa gente interessa completar o que se propuseram logo depois que voltaram: tomar o controle da nação nas mãos em seu proveito como vieram fazendo desde que voltaram. Primeiro fizeram o papel de bonzinhos logo depois que retornaram em 1979. Depois contaram historinhas comoventes para a imprensa angariando simpatias para ganharem indenizações. Aí subiram no aparato estatal e legislativo para alcançar o poder. Uma vez alcançado o poder, destruiram a educação para impedir que o brasileiro comum entendesse o que acontecia com sua nação. Depois disso, usaram os índios para tornar as áreas de fronteira na Amazônia uma eterna discussão internacional. E o que estão fazendo agora é tornar as Forças Armadas corporações completamente obedientes, sem vontade própria e em médio prazo incapazes de reagirem a qualquer perigo contra o Brasil venha ele de fora ou de dentro de suas fronteiras. E ainda se dizem coitadinhos. Homens como o deputado Jair Bolsonaro estão certos quando exprimem sua revolta.

Frei Betto está preocupado com a tortura? Ora, pode começar fazendo o dever de casa pegando os culpados de torturas que estão acontecendo bem na sua frente. Que tal começar com um passeio nos presídios mantidos pelos seus amigos esquerdistas hoje em cargos de direção no Brasil todo? Aí pega mal. Então que tal devassar a situação dos hospitais públicos onde cidadãos agonizantes são deixados amontoados nos corredores? Isso não é tortura também? Ser abandonado num hospital infecto porque seus amigos hoje na administração pública desviaram recursos da Saúde e continuam impunes? Mas aí vão dizer, o que é isso companheiro? E eu pergunto: o Frei Betto usa o SUS? Acho que não.

O que vemos aí tão somente é isso, a segunda rodada de acusações todas na base de testemunhas que se ajudam mutuamente porque querem só uma coisa: dinheiro, mesmo que às custas de destruir a nação totalmente porque pela metade já conseguiram.

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