E não é esta a primeira vez que o feto surge como agente de tutela estatal. A Declaração Dos Direitos da Criança, promulgada pela Assembléia Geral da ONU preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. O Tribunal de Justiça de São Paulo, através de seu Órgão Especial, em julgamento recente, decidiu que o feto tem legitimidade para ingressar com ação judicial visando garantir o atendimento médico pré-natal para sua mãe, que cumpria pena em uma cadeia pública. Pode o feto, desta forma, pela projeção alcançada, figurar como autor em ação de alimentos, investigação de paternidade e outros direitos compatíveis com sua condição de concebido, mas não nascido.
Pois bem. A nova lei, em apertado resumo, confere direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base nos indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito âmbito cognitivo também. Os alimentos fixados permanecerão até o nascimento com vida, quando serão convertidos em pensão alimentícia e, a partir deste marco, poderão ser revistos por uma das partes.
A lei vem revestida da mais pura boa-fé e com a intenção de proporcionar à mãe, que também oferecerá sua cota de participação, valores suficientes para cobrir as despesas decorrentes da gravidez. O objetivo é atingir um nascimento com dignidade à criança. Trata-se de uma procriação responsável, com o comprometimento integrado e solidário dos genitores, numa verdadeira guarda compartilhada intra-uterina.
A espontaneidade da lei, no entanto, contrasta com condutas de mulheres desprovidas de bona fide que, conforme a reiterada experiência forense, viveram relacionamentos sucessivos e engravidaram. Numa terminologia mais clássica do Direito, seria a situação da mulher freqüentada por vários homens (plurium concubentium), e a conseqüente dificuldade de apontar com segurança o pai da criança. Qual seria, então, o critério de escolha da paternidade, que é deferido exclusivamente à mulher? Seria o envolvimento amoroso ou o econômico? O primeiro, pela sua própria conduta, fica descartado. Vinga o segundo e se não corresponder à paternidade verdadeira, mesmo assim, pelos indícios, o suposto pai arcará com o pagamento. Imagine, então, se o juiz declarar provisoriamente a paternidade, fixar os alimentos e o devedor deixar de resgatá-los. Caberia ordem de prisão? Entendo que não. Tanto pela natureza alimentar, como também pela provisoriedade da definição da paternidade, calcada somente em indícios. Mas, nada obsta ao juiz interpretar a conduta omissiva com base na lei de alimentos e decretar a segregação. Poderá contestar o pedido, mas o exame excludente da alegada paternidade será realizado somente após o nascimento da criança, quando, pelo menos provisoriamente, foi sacramentada a paternidade. A não ser que se faça a coleta do líquido amniótico, procedimento que coloca em risco o feto e de altíssimo custo.
Permanece ainda inalterada a regra da paternitas incerta est, ao passo que a outra, maternitas certa est, em razão da inseminação artifical heteróloga, prevista no artigo 1597, inciso III, do Código Civil, já não goza da presunção absoluta. Tantas são as variantes que fica temerário fazer uma afirmação categórica com relação à maternidade ou à paternidade.
O texto originário do Projeto (PLS n.º 62/04), de autoria do Senador Rodolpho Tourinho, do PFL baiano, possibilitava o pagamento de danos materiais e morais ao réu, quando resultasse negativo o exame pericial de constatação de paternidade. Foi vetado, no entanto, pelo Presidente da República.
A palavra da mulher é de vital importância para o esclarecimento, mas deve aflorar com a credibilidade necessária. Basta ver que nos crimes sexuais, em razão de serem praticados solus cum sola in solitudinem, a versão ofertada pela vítima, na maioria das vezes, vem a ser o sustentáculo da acusação e posterior condenação. Por falar nisso, já que estamos ainda respirando a comemoração do centenário de morte de Machado de Assis, será que no romance Dom Casmurro, Ezequiel, filho de Capitu, tinha como pai Bentinho ou Escobar?...
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