A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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31 de outubro de 2008

Julgamento extremamente preocupante


Na data de ontem, o plenário do STF, por 9 x 1, declarou, em sede de controle difuso (HC), inconstitucional a Lei paulista n. 11.819/2005 que disciplina ato processual por vídeoconferência, ao fundamento de que somente a União (Congresso Nacional) pode editar norma processual, anulando-se, por conseguinte, processo criminal por roubo triplamente qualificado (artigo 157, § 2º, incisos I, II e V. c.c. o seu § 3º, primeira parte, do Código Penal, porque, segundo a denúncia e aditamento, em 06 de agosto de 2005, previamente ajustados e mediante grave ameaça exercida com arma de fogo, teriam subtraído bens de J.C.M. que veio a sofrer a lesão grave - incapacidade para as atividades habituais por mais de 30 dias), a partir do interrogatório do réu DANILO RICARDO TORCZYNNOWSKI. Detalhe: o réu havia sido condenado a cumprir a pena de sete anos de reclusão, em regime inicialmente fechado. Com a decisão, o mesmo foi posto imediatamente em liberdade.

Não obstante o respeito que o STF merece, fato é que o julgamento em tela é extremamente preocupante, considerando o precedente criado - é verdade que, em agosto de 2007, a II Turma do STF havia considerado inconstitucional a realização de interrogatório por vídeoconferência em São Paulo (clique aqui).

O voto vencido foi exarado pela Ministra Ellen Gracie. Sua excelência afirmou que não havia qualquer inconstitucionalidade formal da lei discutida, já que tratava de procedimento, o que é compátivel pelo ordenamento constitucional pátrio (art. 24, XI); nem material, porque preservava todas as garantias inerentes ao contraditório e à ampla defesa.

O Ministro Carlos Direito abriu a divergência. Afirmou que a matéria tem natureza processual e não procedimental, posto que se encontra regulada pelo artigo 185 do CPP, incumbindo tão-somente ao Congresso Nacional criar o instituto da videoconferência. Concedeu, pois, a ordem de Habeas Corpus em favor do réu. Outros 08 ministros acompanharam a divergência.

Ontem, o Governo paulista emitiu nota afirmando que a videoconferência mantém "todas as garantias previstas na lei, torna o processo mais ágil e elimina a necessidade de escolta, permitindo que os policiais atuem na sua real função: o combate à criminalidade. No que diz respeito ao processo penal, não há qualquer diferença em relação às audiências presenciais, exceto pela distância física entre interrogado e juiz".

Pra dizer o mínimo, é medonha a postura do STF.

Mais uma vez, invocando o superformalismo como mantra e em perfeita demonstração de desconexão com a realidade, a Corte Suprema deixa a sociedade desprotegida, colocando em circulação condenado por roubo qualificado para, certamente, continuar sua má obra.

Ora, para aqueles que se posicionam em favor da ordem e proteção da sociedade, pouco esforço é necessário para se constatar que a estipulação do sistema de videoconferência para interrogatório do réu não ofende as garantias constitucionais, o qual, na ocasião do ato, conta com o auxílio de dois defensores, um na sala de audiência e outro no presídio. Ademais, como é óbvio, a declaração de nulidade depende da demonstração do efetivo prejuízo. Por fim, como muito bem anotou o voto vencido, a matéria tem natureza procedimental e não processual, podendo, sim, o Estado legislar sobre o tema.

Contudo, como disse outrora(*), tudo é questão de ponto de vista.

Moral da estória: no Brasil, ao que parece, vale a pena ser criminoso. O risco de ser apanhado não é lá muito grande, mas, se por acaso isso ocorrer, são enormes as chances de se dar bem mesmo assim.

Mas isso não é bom, pois como disse o Ministro Carlos Ayres de Britto dia desses, "quando o direito ignora a realidade, a realidade dá o troco e passa a ignorar o direito. (...) Esse descompasso entre o direito e a realidade é o que de pior pode haver para a vida social."

Basta senhores ministros do medo que nos prende em casa, como se ainda fosse seguro nela se esconder. Basta de inércia, de covardia, de submissão ao terror e poder dos criminosos. Basta ficar chorando os nossos mortos. Basta de impunidade. Basta de injustiça. Basta senhores ministros. Basta!



Obs.: Conforme consta nos autos, a vítima narrou ter sido abordada pela dupla, reconhecida em Juízo, de revólver em punho. Mantida refém, foi levada no carro que passou a ser pilotado pelo co-réu Luiz, até que houve a abordagem policial. O automóvel envolveu-se em acidente e sofreu seqüelas (fls. 95/98). Inevitável a pergunta: o que pensará a vítima disso tudo?

Um comentário:

Anônimo disse...

Sinceramente, depois daquela de "algemar o uso das algemas", e por tantas outras, eu não espero (ou espero?)mais nada do STF. É inacreditável... É bem diferente quem tem contato com a realidade, "tira a febre" das partes,... de quem só analisa papéis... Ainda mantenho a esperança por causa do Ministério Público (no geral) e do Judiciário do RS.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)