A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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15 de julho de 2008

O Julho da Justiça


Perdi algumas horas a mais de sono esta noite, além das que me têm sido adoravelmente furtadas por minha filhinha recém-nascida, e naveguei. No mar digital, há uma indignação generalizada com as decisões de Gilmar Ferreira Mendes sobre a Operação Sathiagraha.

Lendo os blogs de política (Azenha, Frederico, Josias, Nassif, PHA) e os diários on-line vi várias centenas de mensagens de pessoas de todas as partes do País que não se conformam com os tortuosos alvarás em habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Ferreira Mendes. Não se trata de inconformismo de partes vencidas ou de uma jamais vista união de corporações contra um presidente do STF. Muitos brasileiros estão muito mais do que revoltados com o que se viu. Com esse foro por prerrogativa de classe social. Outros cidadãos são sarcásticos com o STF e apontam-lhe mazelas anteriores: Maluf e Cacciola. Dezenas mostram-se perplexos. Mas a maioria revela que perdeu de vez a crença na Justiça do Brasil. E isto é ruim para todos nós.

Estão trincados os cristais desse Olimpo, onde Zeus atende pelo prenome de Gilmar. Somente os bajuladores, os ingênuos e os cínicos não o perceberam. Queiram ou não, nos últimos dias Gilmar Ferreira Mendes deitou uma mácula indelével em sua presidência no STF, que é agora tido pela Nação como um tribunal de ricos, uma corte de privilegiados, como eram as cortes absolutistas, sem igualdade ou outros pudores republicanos. Foi desmascarada a farsa dos ritos legais, que muitos juristas só utilizam para ocultar engodos judiciários, ou para protelar decisões úteis à sociedade, deixando-as para as calendas gregas. Têmis-Justiça tirou sua venda e a colocou na boca de Daniel Valente Dantas. “Não fale!”. E todos se calaram, a começar pelos covardes. Outros aplaudiram. Na primeira fila, como beneficiários da misericórdia da cúria, estavam os cortesãos e os comensais de sempre, os tubarões e as rêmoras. Se não confiássemos na probidade de nossos ministros, os espectadores desavisados poderiam querer dar razão a Tobias Barreto, que costumava invectivar contra situações de compadrio, dizendo preferir uma Justiça 'peituda e vendada' a uma justiça 'peitada e vendida'.

O fato é que os cidadãos fomos vítimas da vaidade e do voluntarismo de quem, como mau sacerdote, invoca em vão e de forma seletiva o santo nome do Estado de Direito. Não foi o Juiz Federal o atingido. Não foram o Ministério Público e a Polícia os ofendidos. Fomos nós cidadãos. Um Nero não nos envergonharia tanto quanto nos envergonhou o ministro Gilmar Ferreira Mendes, ao nos esbofetear à luz do dia com artimanhas mal-ajambradas, como se não fosse ele um reconhecido constitucionalista; como se fosse um jurista escolado nos desvãos da vida pública. Pois ele abandonou o rito, olvidou a forma, descumpriu a liturgia. Rasgou os códigos. Os fatos, estes sim retumbantes e espetaculares, foram ignorados sem solenidade por alguém que deveria ser o esteio da credibilidade da Justiça. Foram mandadas à lama todas as premissas com as quais labutamos todos os dias. Com isso, Gilmar Ferreira Mendes também aniquilou muitas das certezas técnicas que cultivamos à sombra do ideal de eqüidade. Pior do que tudo isso, Gilmar Ferreira Mendes vampirizou nossa energia, subtraiu de nós uma porção significativa de fé, de fé no que fazemos.

Em meio aos lamentos de classe, ao desânimo profissional e às angústias de cidadão, assistimos aos lastimáveis 'deixa disso' e 'abafa o caso' vindos de uns poucos jornalistas, de argumentos jurídicos tão sólidos quanto um pudim num terremoto. Vemos também alguns profissionais desorientados e outros financeiramente guiados, em regra mercadores do Direito, defenderem o indefensável: que há correção na supressão de instâncias, num salto triplo digno dos jogos olímpicos que se avizinham; que não havia motivos para a prisão do banqueiro corruptor (que outros mais queriam?); que a verborragia do ministro não o incapacitava a decidir; e que não houve atentado contra a independência judicial, este que é um dos mais valiosos suportes de uma democracia.

Confesso que desanimei. O choro de minha filha me tirou do transe astênico, e pude ver que, longe dos corporativismos próprios de um embate como este, os cidadãos comuns já faziam surgir novo alento. Pontos de protesto espalharam-se pelo ciberespaço. Pontos de luz. O descontrole emocional do ministro Gilmar Ferreira Mendes não é de hoje. 'Manicômio judiciário', 'Ministério Público nazista' e 'Polícia gângster' são adjetivos que ele apôs às instituições brasileiras. Na Operação Sathiagraha, sua falta de decoro alcançou limites não imaginados. Gilmar Ferreira Mendes é muito pequeno para o assento que ocupa, já denunciava Dallari. Agora, a raiva cívica está aí.

Neste mês de inúmeras efemérides, em que se comemoram em uma só quinzena o dia da Libertação Nacional, na Bahia (O Dois de Julho), a Independência norte-americana no 4 de Julho e a Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932, vimos o eclipse de utopias que cultivamos com o mesmo desvelo de quem embala um bem amado. Findamos a semana tendo de presenciar, em pleno Dia da Pizza, a iniqüidade refestelar-se nos salões da Suprema Corte. Mas o dia 14 de Julho logo virá. Quem sabe possamos ter, diante do STF e dos tribunais do Brasil, uma mobilização cívica, algo com um dia da Bastilha?

Por Vladimir Aras, Procurador da República

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro amigo Promotor
Muito bem escrito o artigo e na citação de datas revolucionárias, uma observação feliz. A nossa será outra, mas vai chegar. O que acontece agora é o início da separação entre pessoas de toda sociedade, onde se um minúsculo grupo de privilegiados quer manter as coisas como estão, enquanto que a quase totalidade da população começa a clamar cada vez mais alto por uma mudança. É visível o estágio que antecede mudanças que virão num choque político e institucional. É assim que vai ser. Foi assim na Revolução Americana, na Revolução Francesa, porque não o seria aqui? Difíceis, mas memoráveis tempos esses que vivemos.
Vellker

Anônimo disse...

Meu comentário não foi ofensivo. Foi liberado e, depois, suprimido. Qual o motivo? Só são liberados comentários favoráveis ao MP?? Não é bom que sejam ouvidos os dois lados, para que haja um certo equilíbrio?

Promotor de Justiça disse...

Caro Mário, s.m.j., seu comentário encontra-se atrelado à postagem "Supressão de instância, sim".

Desde já, deixamos registrado que não há qualquer censura de comentário.

Anônimo disse...

Ministro da Justiça, constrange o mundo jurídico.


"Tarso Genro, deveria pensar seriamente em adquirir conhecimentos rudimentares sobre Democracia e Estado de Direito. Com sua ignorância marmórea, típica de quem não sabe e não quer aprender, Tarso Genro, ministro da Justiça, constrange o mundo jurídico. No comando da "Operação Satiagraha", mostrou o tamanho de seu autoritarismo ao tentar enfrentar o presidente do STF, Gilmar Mendes, como se pudesse destruir o conceito da legalidade. Ensandecido, como se estivesse disposto a provar que sua ignorância não tem limites, defendeu "algemas" para pobres e ricos. Em seguida, exibiu desconhecimento total sobre o Estado de Direito ao afirmar que considerava "muito difícil" que Daniel Dantas conseguisse provar sua inocência. A declaração comprova que o ministro da Justiça do Brasil não sabe uma regra elementar: cabe ao acusado (qualquer acusado) desmontar as provas contra ele que existem nos autos, logo ninguém tem de provar sua inocência em países onde vigora o Estado de Direito. Ninguém. Nem Daniel Dantas, nem João das Couves."

Fonte: http://www.blogdemocrata.org.br/

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)