A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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31 de julho de 2008

E criança tem algum direito?


Aos 18 anos de idade, os brasileiros adquirem, em regra, plena capacidade para gerir sua vida de forma autônoma. É essa idade que o Estatuto da Criança e do Adolescente completa em julho. É a idade da maioridade para as pessoas. Mas o que significam os 18 anos de uma lei? Será que já deu tempo de ela ser bem conhecida pelos brasileiros adultos, jovens e crianças? Será que ela é cumprida?

É necessário lembrar que uma lei, sozinha, não constrói a realidade. Uma lei é um horizonte, uma meta, um caminho por onde nós escolhemos trilhar para chegar aonde queremos. Nós, quem? Nós, os cidadãos. Sempre que elegemos nossos legisladores (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores), autorizamos um grupo reduzido de pessoas a nos representar na elaboração das leis que vão reger nosso país. Dessa forma, escolhemos o nosso destino.

Decidimos que queríamos dar mais importância às crianças e adolescentes brasileiros com a Constituição de 1988. Nela estabelecemos que, com absoluta prioridade, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes do Brasil, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalizaçã o, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, e que família, sociedade e Estado também devem colocar todas as crianças e adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Brasil também assumiu compromissos internacionais garantindo que crianças e adolescentes possuam direitos, e adota medidas administrativas, legislativas e judiciais para torná-los realidade na vida das pessoas. Junto com 191 países, assinou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989. Existem quatro princípios gerais para a interpretação e a aplicação da Convenção e das normas que garantem direitos: não-discriminaçã o; interesse superior da criança; direito à vida, à sobrevivência máxima e ao desenvolvimento; e oportunidade de ser ouvida e de ter a opinião considerada.

O Estatuto da Criança e do Adolescente repete o mandamento constitucional e explica o que significa a prioridade absoluta. Ele diz que toda criança e todo adolescente devem receber proteção e socorro antes das demais pessoas e devem ser atendidos em primeiro lugar nos serviços públicos ou de relevância pública. Além disso, deve haver preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e devem ser destinados recursos públicos de forma privilegiada para as áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Infelizmente, 18 anos depois da promulgação do estatuto, a prioridade constitucional ainda não é uma realidade. Além disso, a sociedade brasileira não conhece suficientemente essa lei. Fala-se que é uma lei inadequada para nosso país, que é uma lei de primeiro mundo e para o primeiro mundo. Mas o que queremos não é exatamente o desenvolvimento da nossa sociedade? Não é essa a nossa meta? Por que ter leis que mantenham uma sociedade injusta com suas crianças e adolescentes? Se queremos avançar, temos que ter metas avançadas. O Estatuto da Criança e do Adolescente é, portanto, uma orientação que nos permite os avanços.

Da mesma forma que a Constituição de 1988, a Convenção de 1989 e o estatuto de 1990 não caíram do céu, mas são frutos da mobilização social, também a defesa e implementação dessas normas depende do compromisso conjunto da cultura jurídica e das forças democráticas presentes na sociedade civil. A ligação entre direito e democracia não é só teórica, mas também prática. Essa ligação não vive somente nas leis e nas práticas institucionais, mas principalmente nos movimentos sociais e no imaginário coletivo. Por isso, é importante o engajamento da mídia na divulgação e esclarecimentos à população quanto aos direitos humanos das crianças e adolescentes, como instrumentos de concretização dessas normas.

Há quem não entenda que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei para TODAS as crianças e TODOS os adolescentes brasileiros. Pensam que é uma lei voltada apenas para os adolescentes que cometem atos infracionais (crimes cometidos por adolescentes) ou, se muito, também para crianças e adolescentes em situação de risco (maus-tratos, abandono, etc). É claro que as crianças e adolescentes nessa situação (de conflito com a lei, ou de risco) demandam políticas públicas próprias que estão previstas no estatuto. São situações que devem acionar um estado de alerta, pois representam perigo para a vida dessas crianças e jovens e para o desenvolvimento da sociedade. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente vai além disso. Ele é uma lei para TODA a infância e juventude. Que tal conhecê-lo?

Por Luisa de Marillac e Oto de Quadros, promotores de justiça - MPDF, Jornal "O Correio Brasiliense" de 13/07/08.

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