A vida só tem um sentido, e o único sentido que a vida tem é quando investimos nossa vida na vida dos outros, ou quando encarnamos a luta dos outros como se ela fosse nossa, a luta do coletivo. Esta é a lida do Promotor de Justiça: lutar pela construção contínua da cidadania e da justiça social. O compromisso primordial do Ministério Público é a transformação, com justiça, da realidade social.



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27 de junho de 2008

Carta a um Jovem Promotor de Justiça


Caro Promotor: em resposta às indagações que me fizeste, segue o que penso a respeito.

Bem sabes que, dentre as relevantes funções que agora exerces, está a de acusar, tarefa das mais graves e difíceis, por certo. Pois bem, quando acusares – e tu o farás muitas vezes, pois o teu dever o exige – não esqueças nunca que sob o rótulo de “acusado”, “réu”, “criminoso” etc. há sempre um homem, nem pior nem melhor do que ti; lembra que nosso crime em relação aos criminosos consiste em tratá-los como patifes (Nietzsche). Evita incorrer nessa censura!

Acusa, pois, dignamente, justamente, humanamente!

Lembra que, entre os teus deveres, não está o de acusar implacavelmente, excessivamente, irresponsavelmente. Se seguires a Constituição, como é teu dever, e não simplesmente a tua vontade, atenta bem que a tua função maior reside na defesa da ordem jurídica e do regime democrático (CF, art. 127), e não da desordem jurídica, nem da tirania. E defendê-la significa, entre outras coisas, fazer a defesa intransigente dos direitos e garantias do acusado, inclusive; advogá-lo é guardar a própria Constituição, é defender a liberdade e o direito de todos, culpados e inocentes, criminosos e não criminosos.

Por isso, sempre que te convenceres da inocência do réu, não vacila em pugnar por sua pronta absolvição, ainda que tudo conspire contra isso; faz o mesmo sempre que a prova dos autos ensejar fundada dúvida sobre a culpa do acusado, pois, como sabes, é preferível absolver um culpado a condenar um inocente.

Ousa, portanto, defender as garantias do réu, ainda que te acusem de mau-acusador, ainda que isso te custe a ascensão na carreira ou a amizade de teus pares. Assim, sempre que o teu dever o reclamar, não hesita em impetrar habeas corpus, em recorrer em favor do condenado, em endossar as razões do réu, e jamais te aproveita da eventual deficiência técnica do teu (suposto) oponente: luta, antes, pela Justiça! Lembra, enfim, que és Promotor de Justiça, e não de injustiça!

E quando te persuadires da correção do caminho a trilhar, segue sempre a tua verdade, a tua consciência, não cede à pressão da imprensa, nem de estranhos, nem de teus pares; sê fiel a ti mesmo, pois quem é fiel a si mesmo não trai a ninguém (Shakespeare), porque não cria falsas expectativas nem ilusões.

Trata a todos com respeito, com urbanidade; sê altivo com os poderosos e compreensivo com os humildes; lembra que quem se faz subserviente e se arrasta como verme não pode reclamar de ser pisoteado (Kant).

Evita o espetáculo, pois não és artista de circo nem parte de uma peça teatral; sê sereno, sê discreto, sê prudente, pois não te é dado entregares a tais veleidades;

Estuda, e estuda permanentemente, pois não te é lícito o acomodamento; não esqueças que toda discussão tecnológica encobre uma discussão ideológica; lê, pois, e aplica as leis criticamente; não olvidas que teu compromisso fundamental é com o Direito e a Justiça e não só com a Lei;

Não te julgues melhor do que os advogados, servidores, policiais, juízes e partes, nem melhor do que teus pares;

Não colocas a tua carreira acima de teus deveres éticos nem constitucionais;

Vigia a ti mesmo, continuamente, mesmo porque onde houver uso de poder haverá sempre a possibilidade do abuso, para mais ou para menos; antes de denunciar o argueiro que se oculta sob olhos dos outros, atenta bem para a trave que te impede de te ver a ti mesmo e a teus erros; lembra que as convicções são talvez inimigas mais perigosas da verdade que as mentiras, e que a dependência patológica da sua óptica faz do convicto um fanático (Nietzsche);

Não te esqueças de que, por mais relevantes que sejam as tuas funções, és servidor público, nem mais, nem menos, por isso sê diligente, sê probo, sê forte, sê justo!

Por Paulo Queiroz, Procurador Regional da República – 1ª Região / Professor universitário (UniCEUB), Autor, entre outros, do livro Direito Penal, Parte Geral, Ed. Saraiva.

Fonte: Boletim dos Procuradores da República n.º 80 (maio de 2008)

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu adorei muito essa carta para um jovem promotor, pois sei que com isso ira me ajudar muti a escolher bem o que fazer.
Obrigado.
Gegiane Ferreira da Luz, a futura promotra de justiça.
Abraços.

Anônimo disse...

´PARABENS TAMBÉM ADOREI ESTA CARTA ERA O QUE EU PROCURAVA LOGO SEREI PROMOTORA E CREIO QUE O QUE LÍ FARÁ DIFERENÇA NA MINHA MANEIRA DE AGIR.

MUITO OBRIGADA.
NAARA DOS SANTOS SILVA.
BEIJOS 01/09/2010

Anônimo disse...

Sim, também era o que eu procurava. Muito me alegra essa independência do Parquet, de não ser obrigado a sempre acusar, vencer, conseguir uma condenação. O Promotor advoga pela justiça, e por isso deve ser imparcial, não temer as críticas da sociedade, da mídia, dos seus pares. Seu dever é com a justiça, com o certo, com o ético, sempre. Seu dever é defender a República, seu valores e princípios. Isso me alegra muito.

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O Ministério Público que queremos e estamos edificando, pois, com férrea determinação e invulgar coragem, não é um Ministério Público acomodado à sombra das estruturas dominantes, acovardado, dócil e complacente com os poderosos, e intransigente e implacável somente com os fracos e débeis. Não é um Ministério Público burocrático, distante, insensível, fechado e recolhido em gabinetes refrigerados. Mas é um Ministério Público vibrante, desbravador, destemido, valente, valoroso, sensível aos movimentos, anseios e necessidades da nação brasileira. É um Ministério Público que caminha lado a lado com o cidadão pacato e honesto, misturando a nossa gente, auscultando os seus anseios, na busca incessante de Justiça Social. É um Ministério Público inflamado de uma ira santa, de uma rebeldia cívica, de uma cólera ética, contra todas as formas de opressão e de injustiça, contra a corrupção e a improbidade, contra os desmandos administrativos, contra a exclusão e a indigência. Um implacável protetor dos valores mais caros da sociedade brasileira. (GIACÓIA, Gilberto. Ministério Público Vocacionado. Revista Justitia, MPSP/APMP, n. 197, jul.-dez. 2007)